Google
Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

31 outubro 2013

DECRETADA A VOLTA DO ANTIGO FUSO HORÁRIO ACREANO

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

A presidente Dilma Roussef assinou na quarta-feira (30/10) a Lei 12.876/2013 (veja ao lado) restabelecendo o antigo horário do Acre e sul do Amazonas.

Em seu artigo 3º fica determina que seus efeitos passarão a vigorar a partir do segundo domingo do mês subsequente à data de sua publicação. Portanto, o retorno ao antigo horário acontecerá no dia 10 de novembro.

Considerando que o PT acreano e seus aliados no Congresso, sem falar da principal interessada na manutenção do atual horário acreano, a Rede Globo, nunca esconderam que são contra o retorno do antigo horário, eu só acredito que o horário vai mesmo voltar se a mudança se consolidar no próximo dia 10. Até lá tudo é possível, considerando o poder político dos que vilipendiaram e manipularam a opinião pública acreana a aceitar - mesmo que forçadamente - a manutenção do horário atual.

Desculpem pelo pessimismo, mas não me surpreenderei se algum político ou cidadão amazonense, por exemplo, recorrer à justiça para suspender os efeitos da Lei alegando que a consulta pública para o retorno do antigo horário não foi feita no Amazonas.

Claro que se isso vier a acontecer todos saberão que a iniciativa não reside lá, mas aqui no Acre, onde governantes, políticos e apoiadores interesseiros e arrogantes não se conformam em ser contrariados. Eles farão, como deixou claro o senador biônico do PT acreano, Anibal Diniz, "de tudo para que o antigo horário nunca mais retorne".

E se não conseguirem brecar a volta do horário, também tenho certeza absoluta que os governantes locais pertencentes ao PT farão o que estiver ao alcance deles para que a volta seja a mais confusa, desastrosa e prejudicial possível à população. É a forma que terão de mostrar que eles estavam certos e a maioria da população que votou no referendo pelo retorno do horário estava errada.

Mas quero dizer que estaremos atentos e iniciaremos movimento cívico para desmascarar iniciativas nesse sentido. Eles que pesem bem o que farão. O prejuízo político com a mudança autoritária da hora foi imenso e eles sabem disso. Ninguém pode ser tão burro a ponto de se envenenar e, ao apresentar os primeiros sinais de decadência, cavar a própria cova para quando morrer ter onde cair...

24 outubro 2013

MENTIRA DA HORA: “COM A VOLTA AO ANTIGO HORÁRIO A PROGRAMAÇÃO DA TV VAI SER GRAVADA”

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano


Um dos argumentos mais usados pelos defensores da manutenção do atual horário acreano é que o retorno ao antigo fará com que a programação das emissoras de TV deixe de ser exibida ao vivo e passe a ser gravada.

Pura balela, uma meia verdade ou meia mentira, como queiram. Vamos explicar.

Independente da entrada em vigor do horário de verão ou do retorno ao antigo horário, a Portaria n° 1.220/2007, do Ministério da Justiça (MJ), impõe a classificação indicativa aos programas exibidos na televisão a partir das 20 horas. Estão incluídos nessa situação as novelas, minisséries e filmes de longa metragem que exageram nas cenas ‘quentes’. Por essa razão, nas cidades com horário diferente de Brasília eles devem ser gravados e exibidos em horário local adequado. Os únicos programas livres das amarras da classificação indicativa, e que podem ser exibidos sem qualquer restrição após as 20 horas, são os noticiosos e os esportivos.

Diante dessa situação, o que tem ocorrido no Acre? Será que a mudança no horário vai mesmo forçar as emissoras de TV a exibir programas jornalísticos e esportivos gravados?

Uma avaliação da programação diária exibida pelas emissoras de TV aberta em Rio Branco depois da entrada em vigor do horário de verão revela que a ‘necessidade imperiosa’ de transmitir programação gravada é um problema que aflige com mais intensidade a TV Acre, retransmissora local da Rede Globo. E mesmo assim, apenas parte da sua programação vespertina e noturna.

Quando escrevi este artigo na noite de quarta-feira, durante o jogo entre Flamengo e Botafogo, verifiquei que o mesmo foi exibido em sua integridade pela Rede Bandeirantes, mas a TV Acre exibiu apenas o segundo tempo. Qual a razão dessa atitude? Porque a TV Bandeirantes pode exibir futebol ao vivo e a TV Globo não?

Essa atitude da Globo reforça a desconfiança dos apoiadores do retorno ao antigo fuso horário acreano de que ela, detentora da maior fatia da audiência com suas novelas, programas jornalísticos e esportivos, está trabalhando abertamente para convencer a opinião pública acreana de que a ‘culpa’ pelo caos em sua grade de programação é decorrência da diferença de horário entre o Acre e o restante do Brasil. Para a Globo é melhor deixar o horário como está, pois atende melhor os seus interesses.

Não dá para ter uma conclusão distinta quando se sabe que as demais retransmissoras locais das grandes redes de TV nacionais sempre exibiram parte da programação noturna gravada, aproveitando a diferença de fuso horário do Acre para inserir – em horário nobre – programas jornalísticos, de entrevistas e de variedades abordando assuntos locais. Porque a retransmissora da Globo não aproveita para fazer o mesmo? Será que aumento de faturamento e lucro não estão entre os objetivos dessa empresa?

Não podemos esquecer de citar que mesmo antes da entrada em vigor do horário de verão neste mês de outubro, parte da programação noturna da Globo já era gravada sem que a legislação a obrigasse a tal. Portanto, é falso o argumento de que a volta ao antigo fuso horário privará os acreanos de acesso a programas jornalísticos e esportivos transmitidos ao vivo. Isso só acontecerá se a Globo assim decidir.

Mas quem a Globo pensa que é para tentar impor sua vontade de forma tão acintosa no Acre?

Eu nunca vou me render a esse tipo de chantagem e, ao contrário de muitos locais e forasteiros que por puro comodismo, interesse pessoal ou covardia ‘se acostumaram’ com o horário que lhes foi imposto de forma autoritária, eu não abro mão de ter de volta um direito que me foi usurpado.

22 outubro 2013

LIMITAÇÕES PARA O USO DA PARATAXONOMIA EM INVENTÁRIOS DA BIODIVERSIDADE AMAZÔNICA

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Alguns estudos recentes avaliaram a integração do uso do conhecimento de comunidades tradicionais na conservação da biodiversidade e questionaram a utilidade da parataxonomia, ou seja, a identificação de espécies biológicas por pessoas que não receberam treinamento formal em taxonomia e sistemática. No Acre os parataxonomistas são conhecidos popularmente como ‘mateiros’ e sua atuação mais destacada ocorre nos inventários florestais usados para a elaboração de planos de exploração manejada de madeireira.

Uma das razões para o uso indiscriminado de parataxonomistas em inventários de biodiversidade é a quantidade limitada de taxonomistas formais e o fato da taxonomia descritiva estar perdendo prestígio e financiamento nas últimas décadas. Hoje, o foco dos investimentos em pesquisas no Brasil está voltado para aquelas de cunho mais tecnológico-industrial ou, quando envolvem a área de ciências biológicas, áreas temáticas mais pontuais dirigidas a um produto, animal ou planta específico.

O resultado disso é que na atualidade é muito difícil os taxonomistas conseguirem recursos para realizar coletas aleatórias de amostras de plantas e animais de uma determinada região, mesmo aquelas reconhecidas como de alta biodiversidade. E isto tem acontecido em um contexto de incremento expressivo na quantidade de recursos disponíveis para pesquisa no Brasil nas últimas décadas. Outro aspecto que tem induzido o uso de parataxonomistas na realização dos inventários de recursos que estão ou serão explorados na Amazônia é a tendência observada nos últimos anos de ‘empoderamento’ do manejo de recursos florestais pelos proprietários de áreas na Amazônia.


Alguns críticos do uso de parataxonomistas na realização de inventários ressaltam dois aspectos importantes. O primeiro é a possibilidade de erros na classificação dos organismos tendo em vista que os parataxonomistas raramente têm possibilidades de recorrer a coleções biológicas para tirar dúvidas sobre as identificações realizadas. Dependendo do grau de treinamento ou conhecimento do parataxonomista, diferenças morfológicas sutis (como a cor da flor e do fruto), importantes para a distinção de algumas espécies, podem ser relegadas e espécies distintas terminam por ser classificadas como uma só. Da mesma forma, uma única espécie que apresente variações morfológicas visíveis, mas que muitas vezes não são determinantes para a sua correta identificação científica (porte da planta, tamanho de frutos e folhas, por exemplo), levam alguns parataxonomistas a classificar plantas de uma única espécie como espécies distintas.

O segundo aspecto alvo dos críticos do uso indiscriminado de parataxonomistas em inventários é a forma como eles dão nomes aos organismos, sem observar o sistema formal de classificação que usa o binômio gênero e espécie. Em geral, a maioria dos parataxonomistas aplica um nome popular aos organismos, que pode variar em função da linguagem usada (nome indígena, de seringueiros, migrantes assentados de projetos de colonização), do seu nível de treinamento e da tradição do local de origem do parataxonomista. A consequência é que os inventários de biodiversidade realizados sem a supervisão de um taxonomista formal quase sempre super ou sub estimam a quantidade de organismos contabilizados.

Esses tipos de erros são mais preocupantes quando os inventários visam a exploração da biodiversidade, como acontece no caso da exploração madeireira. Um mesmo nome popular usado para identificar diferentes espécies pode resultar, no caso da venda de madeira, no envio ao comprador de um produto que ele não pretendia adquirir. Da mesma forma, o uso de vários nomes populares para uma mesma espécie poderá resultar, durante a exploração florestal, na sub-exploração do recurso, prejudicando o dono da área em exploração.

Em 2007 realizamos, em conjunto com Christopher Baraloto (INRA, França), Cara Rockwell (Universidade da Flórida, USA) e Francisco Walthier (CTA), um estudo para avaliar o uso de nomes populares na classificação de plantas lenhosas manejadas em florestas acreanas. Os resultados foram preocupantes. Foram identificados 384 nomes populares aplicados a 310 espécies diferentes de plantas. Desses 384 nomes, 50% eram aplicados a uma única espécie, quase a metade (43%) era usada em conjunto com outro nome para classificar uma única espécie e 11% representavam mais de uma espécie. Quando a avaliação das espécies encontradas no Acre foi expandida para os estados do Amazonas e Pará, a quantidade de nomes populares saltou para 740, sendo que mais de 90% das espécies eram conhecidas por mais de um nome popular.


Com base nos resultados do estudo, observou-se que o nível de acerto ou correspondência entre os nomes populares usados por parataxonomistas e os nomes científicos corretos das plantas lenhosas exploradas no Acre foi de apenas 50%. Os erros que acontecem ocorrem no campo e no escritório. Os erros no campo, cometidos por parataxonomistas, decorrem da existência de características morfológicas similares presentes em várias espécies ou do uso indiscriminado de diferentes nomes populares para identificar uma única espécie. Muitas vezes esses nomes são sinônimos, como nos casos de ‘garapeira’ e ‘cumaru-cetim’, aplicados para a espécie Apuleia leiocarpa. Outra situação frequente é o uso do mesmo nome popular para identificar diferentes espécies.

A taxonomia formal também tem sua parcela de culpa porque tem sido incapaz de resolver de forma satisfatória a correta classificação de algumas espécies de plantas comuns em toda a Amazônia. Elas são conhecidas como espécies-complexos e podem incluir novas espécies e seus nomes científicos atuais poderão mudar em futuro breve. Em nosso estudo destacamos os casos do Abiu/Maparajuba, Angelim, Catuaba/Quaruba, Copaiba, Cumaru-ferro, Jutaí, Maçaranduba, Sucupira e Tauari/Corrimboque.

Os erros mais graves, entretanto, parecem estar sendo cometidos durante a conversão, no escritório, dos nomes vulgares em científicos. E tudo em decorrência do uso sem regras, por parte dos parataxonomistas, de nomes populares de plantas. A situação só piora quando entram em cena parataxonomistas que migraram ou foram treinados em outras regiões do Brasil. Para os responsáveis pela elaboração dos planos de manejo, a busca do nome científico correto das plantas identificadas pelos parataxonomistas é um verdadeiro ‘tiro no escuro’. Sem amostras botânicas das plantas que serão exploradas, eles não podem realizar a identificação em herbários e terminam apelando para pesquisas e buscas na internete pelo nome científico que corresponda aos nomes populares adotados pelos parataxonomistas que realizaram o inventário no campo.

Os erros e a falta de precisão por parte de parataxonomistas com pouca experiência durante a realização de inventários podem contribuir para confusões no mercado consumidor, especialmente o de produtos madeireiros, bem como afetar a sustentabilidade da exploração de algumas espécies. É chegada a hora de dar um basta nesta situação. No Acre existem pessoas capazes de contribuir para eliminar esse problema. Incluo-me entre elas e estou à disposição para ajudar no que for possível.

Para saber mais:
Christopher Baraloto; Evandro Ferreira;Cara Rockwell and Francisco Walthier. 2007. Limitations and Applications of Parataxonomy for Community Forest Management in Southwestern Amazonia. Ethnobotany Research & Applications. Disponível em: http://www.ethnobotanyjournal.org/vol5/i1547-3465-05-077.pdf

08 outubro 2013

BIOPIRATARIA, CONHECIMENTO TRADICIONAL, PESQUISA CIENTÍFICA E JUSTIÇA: UMA QUESTÃO MAL RESOLVIDA

Evandro Ferreira
Editor do Blog Ambiente Acreano


  Para quem vive na Amazônia a palavra biopirataria é sinônimo de ‘roubo’, geralmente por parte de um estrangeiro, de recursos genéticos ou de conhecimentos tradicionais de comunidades locais com o fim de se obter vantagens financeiras. E o melhor exemplo de biopirataria praticada na Amazônia foi o contrabando pelos ingleses de sementes de seringueiras da Amazônia para cultivo em suas colônias asiáticas. Sob o ponto de vista acadêmico, entretanto, a definição de biopirataria é mais elaborada e envolve a retirada, sem anuência prévia para repartição de benefícios, de plantas, animais ou conhecimentos tradicionais detidos por comunidades nativas para se obter vantagens econômicas em outros locais.

  O reconhecimento da biopirataria como algo condenável ocorreu na Convenção da Diversidade Biológica (CDB), realizada em paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, no Rio de Janeiro em junho de 1992. A CDB entrou em vigor em dezembro de 1993 com a ratificação de 168 países e desde então a soberania nacional sobre a biodiversidade contida no território de cada país passou a ser reconhecida oficialmente. Antes dela, se considerava que ocorreram apenas ‘intercâmbios’ praticados por governantes e indivíduos e que a biodiversidade era patrimônio da humanidade. Com a ratificação da CDB, os países signatários reconheceram o status quo da distribuição de plantas agrícolas, ornamentais, ervas daninhas, animais de criação, e até mesmo as pragas e doenças que acometem esses organismos.

  A entrada em vigor da CDB praticamente remeteu a biopirataria ao ostracismo visto que na atualidade a maioria das plantas e animais com potencial econômico já foi distribuída, tanto dentro como fora do Brasil. Como em um passe de mágica, a biopirataria deixou de ter importância no atual contexto econômico nacional e global, ficando relegada a um ou outro caso de comunidades indígenas que vez por outra apelam para a justiça reparar direitos sobre conhecimentos tradicionais supostamente usurpados. E mesmo assim algumas decisões não tem sido favoráveis, como foi o caso da recente sentença da justiça federal sobre a alegada biopirataria do conhecimento tradicional que os índios Ashaninkas do vale do Juruá alegavam ter sobre o uso da palmeira murmuru para a elaboração de produtos cosméticos.

  Na ação os indígenas tentaram obter compensações financeiras do empresário que comprava os frutos da palmeira para extrair gordura vegetal, da empresa que comprava e distribuía a gordura para indústrias no Brasil e no exterior, e de uma conhecida indústria brasileira que usa a gordura do murmuru como matéria-prima para elaborar diversos produtos cosméticos. A negativa da justiça em reconhecer que ocorreu biopirataria no caso do murmuru se baseou no fato de publicações nacionais e internacionais, datadas desde a década de 20, conterem descrições das propriedades e composição do murmuru, com indicações de seu uso para a elaboração de sabonetes e xampus.

  Tecnicamente a decisão da justiça foi correta, mas não se pode negar que, com certeza absoluta, foram comunidades indígenas, brasileiras ou estrangeiras, que descreveram aos autores das publicações citadas as propriedades e possibilidades de uso do murmuru. Provavelmente elas também levaram os pesquisadores para conhecer as plantas in loco, demonstraram as formas de uso e doaram frutos e outras partes da palmeira para que os ‘brancos’ pudessem voltar aos seus laboratórios e comprovassem o que os indígenas já conheciam há muitos anos. O que queremos deixar claro é que sem a ajuda de um conhecedor dos poderes e da localização geográfica das plantas nas florestas, a possibilidade de um pesquisador descobrir princípios ativos de grande potencial dentre estas plantas é quase nula.

  A publicação dos resultados dos trabalhos de laboratório, usada pela justiça para denegar aos indígenas seu direito sobre o uso do murmuru para a elaboração de produtos cosméticos, era inevitável, pois publicar faz parte da rotina e obrigação desses brancos curiosos, conhecidos no mundo civilizado como pesquisadores. Uma pena que as comunidades indígenas – alheias ao poder da escrita – não puderam escrever, em períodos pré-colombianos, suas enciclopédias de conhecimentos culturais e naturais sobre as florestas em que viviam.

  A formalização do conhecimento tradicional sobre as plantas do novo mundo é fato antigo e remonta às primeiras expedições de naturalistas a partir de 1700. Financiados pela nobreza e capitalistas europeus, os naturalistas não percorreram ‘florestas impenetráveis e selvagens’ das Américas apenas em busca da aventura e do desconhecido. Os interesses econômicos, científicos e culturais foram decisivos para as viagens de Alexandre Rodrigues Ferreira, Langsdorff, Martius, Bates, Humboldt, Ruiz e Pavón e tantos outros. Estes naturalistas e dezenas de pesquisadores que os seguiram posteriormente ‘descobriram’ e publicaram de forma sistemática as informações sobre usos de plantas e animais detidos por comunidades nativas das regiões que visitaram. Os livros que publicaram são a prova disso e para mostrar que não tinham inventado o que escreveram, a maioria deles indica o nome das tribos indígenas e as localidades onde viviam.

  O precedente aberto pela recente decisão da justiça federal no Acre é perigoso, pois sugere que informações publicadas em livros e revistas são de mais valia que o conhecimento oral, passado de geração a geração. Por esse princípio, ‘acima de qualquer outro argumento, vale o que está escrito’.

  A CDB confere direitos aos países e exorta os mesmos a garantir que o conhecimento tradicional seja reconhecido como propriedade intelectual para que as comunidades tradicionais, detentoras desses conhecimentos, possam participar da repartição de benefícios que poderão ser eventualmente gerados. Aparentemente, este incentivo deu início a uma nova corrida em busca de plantas e animais cujas utilidades para a humanidade são de grande valia para o avanço científico e econômico. Agora é possível fazer pesquisas nesse campo sem medo de praticar a condenável ‘biopirataria’. Infelizmente as coisas não estão caminhando nessa direção. Muito pelo contrário. As perspectivas não são das melhores.

  Em primeiro lugar, para realizar o trabalho é preciso obter licenças e autorizações e isso exige uma paciência infinita, é extremamente burocrático e, em alguns casos, oneroso. Geralmente as aprovações nem sempre saem a tempo, pois a linha temporal da burocracia nunca está alinhada com o calendário dos indispensáveis trabalhos de campo. É importante diferenciar os pesquisadores envolvidos nesse tipo de trabalho. Os botânicos e etnobotânicos fazem o trabalho de campo, enquanto os químicos e os bioquímicos desenvolvem produtos em laboratórios. Os que sofrem para obter as licenças são os primeiros, responsáveis pelo estudo das plantas no campo e pela obtenção com os moradores locais das informações sobre o potencial das plantas e animais.

  Em um segundo momento, os afortunados que conseguirem coletar os dados terão a difícil missão de publicar os mesmos sem prejudicar os fornecedores das informações – as comunidades ou pessoas detentoras dos conhecimentos tradicionais – e impedir que aproveitadores façam uso indevido das mesmas. É um dilema ético. Ao publicar as informações sobre o potencial medicinal de uma ou várias plantas eles tornam a informação de domínio público. E nesta condição, um terceiro pesquisador, sabendo do nome científico da planta, pode obtê-la em uma reserva particular, no Brasil ou no exterior, e então patentear o processo de isolamento do princípio ativo e eventualmente desenvolver um novo produto, ganhando assim um lucro monetário.

  Assim, a culpa pela eventual falta de benefício para as comunidades que fornecerem informações iniciais sobre o potencial de plantas e animais não poderá recair sobre o pesquisador de campo. Publicar é uma exigência para a sua ascensão profissional, pois só assim ele ganha o reconhecimento que espera pela sua atuação. Se não publicar, não ganhará reconhecimento como cientista.

  Como resolver esse dilema? Será que estamos vivenciando o ocaso das pesquisas sobre o conhecimento tradicional que as comunidades nativas detêm sobre plantas e animais de utilidade para a humanidade?

Credito da imagem: Dr. Richard Schultes, considerado o pai da Etnobotânica moderna (Wikipedia)