OSMARINO AMÂNCIO SE DEFENDE DE ACUSAÇÃO DE EXTRAÇÃO ILEGAL DE MADEIRA NA RESERVA DE CHICO MENDES
Jaidesson Peres
O extrativista, morador da Reserva de Chico Mendes, no Acre,
Osmarino Amâncio Rodrigues, foi vítima de acusações infundadas por
parte de fiscais do Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio). A acusação, veiculada na grande imprensa, era
de que o extrativista estaria comercializando madeira apreendida de
forma ilegal e clandestina.
A notícia surge no momento que e o companheiro concorre, com a Chapa
de Oposição apoiada pela CSP-Conlutas, às eleições do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Brasileia (AC). Segundo a nota do companheiro:
“Quem conhece o cenário político acreano sabe que tenho razões para me
sentir perseguido”.
A nota foi divulgada na semana que em várias mobilizações estão
ocorrendo em memória da luta dos que tombaram lutando pela reforma
agrária e em defesa dos povos que tiram da terra o seu sustento.
Segue, abaixo, a defesa feita por Osmarino Amâncio:
Nessa última semana foi destaque na imprensa acreana a apreensão de
madeira realizada em minha colocação na RESEX Chico Mendes por fiscais
do ICMBIO, em conjunto com funcionários da prefeitura de Brasiléia,
acompanhados pela Polícia Federal. Chamou-me a atenção a quantidade de
imprecisões que pude identificar nessa cobertura jornalística. A começar
pelo fato de terem se referido a mim como “ambientalista”, coisa que
nunca fui, e como “ex-assessor” de Chico Mendes, fazendo parecer que, ao
invés de liderança de um movimento social, Chico tenha sido mais um
desses políticos que se cercam de amigos e parentes a quem distribuem
cargos de confiança. Na verdade, de Chico Mendes fui companheiro na luta
pela permanência dos seringueiros nas terras das quais estávamos todos
sendo expulsos naquela época (processo que, ao que tudo indica, segue
acontecendo em toda a Amazônia, incluindo o Acre). Quando nosso
movimento ganhou repercussão nacional e internacional, vieram nos dizer
que estávamos lutando pelo meio ambiente. Num primeiro momento, não
sabia do que se tratava essa tal de ecologia, pensei que talvez fosse
uma “sobremesa”. Para mim e para os demais, incluindo não só Chico
Mendes, mas a outra centena morta pelo latifúndio, nossa luta tinha mais
em comum com os sem terra do sul do país do que com que essa conversa
de salvar a floresta pra conter o aquecimento global. Queríamos a
floresta em pé, mas com os seringueiros morando nela, tirando dali seu
sustento, colocando seu roçado, caçando, pescando e derrubando madeira
pra suas necessidades do dia-a-dia (carvão pra cozinhar, tábuas pra
fazer casa, estaca pra fazer cerca, etc.).
Para isso elaboramos a proposta de criação das Reservas
Extrativistas, como uma forma de Reforma Agrária adaptada às
necessidades dos Povos da Floresta, inspirada também na luta dos
indígenas pela demarcação de seus territórios. Participei de todo esse
processo, estive diante do presidente José Sarney quando ele assinou o
decreto de criação da RESEX Chico Mendes. Foi uma vitória do nosso
movimento. Tínhamos nosso pedaço de terra e autonomia pra decidir como
usá-lo, de acordo com o plano de utilização feito com nossa
participação, conforme nossas tradições e necessidades.
Mas o tempo passou e perdemos essa autonomia. Quando foi criada a lei
do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o controle da RESEX
passou para um Conselho Deliberativo onde opinam muitos técnicos e
outras pessoas que não vivem na Reserva e, ao que parece, não enxergam
com bons olhos nossa permanência na floresta. A sobrevivência do
seringueiro, do trabalhador extrativista, não é mais a preocupação
central. Pelo contrário, de defensores da floresta, de mártires que
impediram o avanço das grandes pastagens, lutando contra as queimadas e o
corte raso, passamos a criminosos ambientais. Porque a acusação feita a
mim é apenas mais um capítulo da batalha que vem sendo travada entre os
moradores da RESEX e a legislação criminalizadora, imposta contra
nossas práticas, aplicada sem dó nem piedade pela fiscalização
truculenta do ICMBIO. Qualquer jornalista minimamente interessado em
trazer a público a situação pode entrevistar extrativistas que se sentem
intimidados, humilhados, perseguidos pelos funcionários desse órgão
que, pra nossa desgraça, recebeu o nome de nosso companheiro Chico
Mendes. Esses fiscais mostram suas armas como ameaças veladas, mas vêm a
público, conforme já fui divulgado pela imprensa, afirmar que estão
sendo ameaçados de morte.
A propósito, o fiscal que apreendeu a madeira em minha colocação já
me denunciou no passado à Polícia Federal, alegando que eu havia
afirmado, em uma Assembleia na Associação do Seringal Humaitá, que iria
“levá-lo pra cova”. Todas as testemunhas ouvidas pelo delegado afirmaram
que eu não havia feito essa ameaça, mas que havia afirmado que qualquer
multa aplicada pelo ICMBIO “os moradores da RESEX vão levar pra cova”.
Simplesmente porque não têm dinheiro para pagá-las! O mesmo fiscal fez
outra denúncia à Polícia Federal, afirmando que eu sou servidor público
(o que seria usado para questionar minha permanência na RESEX).
Novamente, a alegação se mostrou sem fundamento. Como há uma série de
pessoas insatisfeitas com a atuação da fiscalização do ICMBIO, estou
encaminhando o relatório de meu caso e outros para que esse órgão abra
uma sindicância, pra apurar se a atuação de seus funcionários está de
acordo com a legalidade (que eles tanto afirmam defender). Espero que a
imprensa também acompanhe essa sindicância, com o mesmo interesse que
demonstrou em relação à denúncia feita contra mim.
Em relação a esta só posso afirmar que é baseada em suposições
falsas. O fiscal afirma que eu estava vendendo a madeira a marcenarias, o
que não pode provar, porque não é verdade. Dos 25 metros cúbicos
apreendidos, em torno de 10 a 15 estavam na forma de blocos, o restante
na forma de estacas, para cercas. Estavam na beira do ramal e eu
pretendia levá-las na zorra (carro de boi) até perto de casa, onde ia
transformá-las em tábuas pra reformar minha casa, que está deteriorada,
fazer uma cozinha e construir uma casa pra minha mãe, que mora na
cidade, mas quer voltar para o seringal. Ao contrário do afirmado pelo
fiscal do ICMBIO, a madeira apreendida não estava escondida. Eu mesmo
mostrei pra ele a localização na primeira vez em que esteve em minha
casa. (No dia da apreensão – que pra mim é sentida como um verdadeiro
roubo – eu estava na cidade, como era de conhecimento do fiscal, e fui
informado sobre a operação por jornalistas que vieram me procurar para
dar entrevista). Eu tinha marfim pra fazer o assoalho e cedro para as
paredes e cobertura, porque tem mais durabilidade, outra madeira ia
estragar em seguida. Pra estaca tinha tarumã. Em geral, a gente usa
árvores que estão mortas ou morrendo, já ocas. Se não aproveitar, elas
se perdem. A gente só usa a castanheira quando ela está assim e já não
dá mais frutos. Nenhum seringueiro vai derrubar uma castanheira que
ainda produz, se a castanha faz parte da nossa alimentação.
O fiscal do ICMBIO afirmou publicamente que encontrou 28 tocos de
árvores derrubadas na minha colocação. Só não explicou que isso é tudo o
que ele conseguiu encontrar em mais de 1000 hectares. Moro nessa
colocação há mais de 20 anos e só retiro madeira para minhas
necessidades. A quem tiver curiosidade, posso mostrar o destino dado a
cada uma das árvores derrubadas por mim. E ainda aproveito a visita para
levar o interessado a ver as árvores que já plantei nessa área (mogno,
castanheira, cerejeira, toari, cedro, jaca, graviola, etc). Um cenário
bem diferente daquele deixado pelo manejo madeireiro apoiado pelo
governo, que eu sempre denuncio. Em minha área não se vê o destroço que
já tive o desprazer de conhecer na Floresta Estadual do Antimary. Daqui
não saem caminhões carregados de árvores centenárias, como pode ver quem
passa pela BR 364, dirigindo-se a grandes madeireiras que exportam
nossa madeira, pagando uma miséria para o “dono da árvore”, mas lucrando
muito com a maquiagem de sustentabilidade do tal selo verde. Ainda
assim, quem aparece no jornal, quase nas páginas policiais, sou eu, não
esses empresários, a quem ninguém nunca tem coragem de aplicar multa
nenhuma.
Por fim, reafirmo que a denúncia não é verdadeira, baseando-se, até
onde sei, no relato feito por um vizinho que já há um ano faz essas
acusações contra mim. Nesse caso, seria a palavra dele contra a minha,
nada mais. A madeira só foi retirada de minha colocação pelo próprio
ICMBIO, sem meu conhecimento e antes do fim do prazo para que eu me
defendesse das acusações. Diante de tudo isso, resta perguntar: por que
essa denúncia foi trazida a público (e com toda essa repercussão) só
agora, um ano depois, justamente no momento em que estou concorrendo à
eleição para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasileia, na chapa
de oposição àquela que é aliada do governo? E, o que é o pior, uma
semana depois de receber ligações anônimas me perguntando se eu
“aguentaria a pressão que viria pela frente”? Não bastasse tudo isso, no
dia 10 de abril, quando estive na sede do ICMBIO em Brasileia para
requerer o comprovante de que sou morador da RESEX, documento exigido
para inscrição das chapas na eleição do STR, fui informado de que meu
nome não consta no cadastro do órgão! O registro aponta um desconhecido
Pedro Rodrigues como morador da Colocação Pega Fogo, Seringal Humaitá.
No mínimo, um erro grosseiro do ICMBIO. Quem conhece o cenário político
acreano sabe que tenho razões para me sentir perseguido. Que a imprensa
não seja cúmplice!