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Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

28 março 2012

OBSESSÃO DA HORA

A questão do fuso horário e as erráticas atitudes da Frente Popular em relação à mesma desnudaram para o povo uma Frente Popular que as vitórias recorrentes ocultavam. O preço político vai ser alto. Esperem e verão.

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

O jornal A Tribuna informa que divulgará em breve pesquisa sobre a opinião da população a respeito da iniciativa do senador Anibal Diniz (PT-AC) de apresentar proposta de plebiscito sobre o fuso horário do Acre. Segundo o jornal, a pesquisa mostrará que mais de 60% dos entrevistados ‘quer que seja mantido o horário atual e que não seja implantado o resultado do plebiscito’.

Leitores atentos observarão a coincidência do timing entre a divulgação da pesquisa e a proposição do plebiscito pelo senador acreano. Entretanto, o que os editores do jornal e o senador acreano esqueceram, ou estão fazendo de conta que não estão vendo, é que muitos eleitores e observadores de longa data do cenário político acreano sabem que a tal pesquisa foi feita sob encomenda, com perguntas elaboradas de tal forma que os resultados que ‘eles’ esperam serão obtidos. Tem que ser assim, pois a razão de pesquisas desse tipo é encher os olhos, corações e mentes dos que a encomendam.

Foi assim na eleição de 2010 quando diários e sites locais francamente favoráveis aos candidatos da Frente Popular, divulgaram, na véspera do pleito, uma ‘pesquisa interna’ colocando Edvaldo Magalhães à frente de Sérgio Petecão na disputa pela segunda vaga para o Senado. O resultado da tentativa de marmelada foi que o TRE-AC aplicou multa de R$ 50 mil em cada um dos veículos de comunicação envolvidos.

Parece que a lição não foi aprendida e a prática de realizar ‘pesquisas de opinião’ com perguntas do tipo pegadinha, tendenciosas e outras do tipo, continua firmemente arraigada em parte da imprensa local, que, coincidentemente, depende, para sua sobrevivência, das verbas estatais. Uma prática que, infelizmente, conta com o aval de importantes dirigentes da Frente Popular que parecem não se esforçar em aprender lições da virtual derrota de 2010.

Quem tem acompanhado a política no Acre nestes últimos 2-3 anos ficou com a nítida impressão de que, de uma hora para a outra, a Frente Popular perdeu o apelo popular porque parece que o povo passou a não ter importância para alguns de seus dirigentes. Quem milita, militou, nutria ou ainda nutre alguma simpatia por ações e iniciativas desse grupo político que fez um excelente trabalho à frente da administração do Estado nestes últimos 12 anos seguramente fica apreensivo, angustiado e muitas vezes revoltado com essa atitude.

Mas onde tudo começou a dar errado? Onde está a gênese dos problemas que levaram a Frente Popular para o corner do ringue?

De minha parte, acredito firmemente que a gênese dos problemas reside na alteração autoritária do fuso horário acreano. Todo mundo – na Frente Popular – sabia que a mudança feita por decreto era um erro muito grave, pois excluía de forma explícita e sem pudor aqueles que a alçaram ao poder, o povo. Mesmo assim pouquíssimas vozes no seio da Frente Popular se levantaram contra o erro capital. Hoje está claro que a aparente unanimidade política da Frente em favor da mudança autoritária do fuso se impôs por questões de sobrevivência política e financeira visto que a realização do referendo em 2010 coincidiu com eleições gerais. E nessa situação, quem tem a chave do cofre que irriga financeiramente as campanhas impõe sua vontade sem a necessidade de abrir a boca ou bajular para conseguir apoios para a maioria de suas pretensões.

A derrota no referendo sobre o fuso horário em 2010 desnorteou a cúpula dirigente da Frente Popular. No lugar de mostrar humildade e tomar atitudes que indicassem claramente que a vontade da população seria respeitada, prevaleceu um rancor que levou alguns de seus expoentes a trabalhar pela postergação e negação da implementação do resultado do pleito. Com isso eles apenas prolongaram a exposição, sangria melhor dizendo, que a derrota causou ao movimento.

E os prejuízos eleitorais foram significativos, pois abriram perspectivas para a oposição que de outra forma não existiam. Se não vejamos. Jorge Viana fez um excelente trabalho à frente do governo acreano. Binho Marques, pela sua discrição natural, não foi um astro, mas deixou um legado de obras e ações que não o desmerecem. Angelim cumpriu uma excelente administração em seu primeiro período à frente da prefeitura de Rio Branco. E seu segundo período, embora menos intenso, não foi ruim. E mesmo assim, a derrota do candidato da Frente Popular nas eleições para a prefeitura de Rio Branco é quase certa. Quais as razões? Muitos dizem que o povo cansou da Frente Popular. Isso não existe.

A questão do fuso horário e as erráticas atitudes da Frente Popular em relação à mesma é que desnudaram para o povo uma Frente Popular que as vitórias recorrentes ocultavam. Autoritarismo, arrogância, desprezo pela vontade popular, inconformismo com a derrota, desejo de atingir políticos da oposição que se aproveitaram da questão. Todas essas fragilidades afloraram e a oposição soube capitalizar eleitoralmente.

Politicamente isso não é condenável, não é errado. Condenável politicamente é persistir em uma atitude francamente desafiadora do senso comum, da vontade popular já expressada nas urnas. E isso o senador Anibal Diniz (PT-AC) e parte da imprensa local insistem em fazer. O preço político a ser pago vai ser alto. Esperem e verão.

22 março 2012

POR UM FIO

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Ferraz, leitor do Blog, mandou link para imagem da SECOM/AC que mostra a situação grave da erosão na estreita linha de terra que ainda conecta o bairro de Brasiléia ao resto do Brasil, mostrada aqui no Blog na terça passada (clique aqui).

Vejam a fotografia aérea do acervo da SECOM/AC (abaixo) e observem que a última enchente praticamente reduziu a largura do terreno a cerca de 30 metros, ou seja, menos da metade do que era orignalmente.

Agora, a completa eliminação do barranco e o isolamento da área de terra brasileira onde existe um bairro da cidade de Brsiléia é, provavelmente questão de 1-2 anos, ou mais uma grande alagação.

Conforme afirma Ferraz, o nosso leitor, "...pela imagem do Google Earth (foto acima) ainda estava meio longe do rio engolir essas casas, agora depois da alagação está praticamente engolindo (foto abaixo). Até as árvores que separavam o rio das casas não existem mais".

21 março 2012

O PT PRECISA APRENDER A PERDER*

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Tenho um filho de seis anos muito serelepe. Já está lendo e seu desenvolvimento físico e mental é normal, graças a Deus. Como toda criança, já passou por várias fases que, de uma forma ou de outra, ajudarão a moldar o seu caráter. E muitas outras fases virão pela frente.

Na fase que meu filho está vivendo, a gente precisa ficar atento para corrigir os rumos, incentivar ou reprimir coisas boas e ruins que afloram. E de uns meses para cá ele está passando por uma fase que todos nós experimentamos quando criança - aquela de sempre querer ganhar ou levar vantagem nas brincadeiras ou outras atividades que pratica. Nesse aspecto, o meu garoto é exagerado: quando perde uma disputa, mesmo a mais boba delas, chora, esgoela e grita que detesta perder. Mas tenho agido para mostrar a ele que ganhar e perder faz parte da nossa vida e que às vezes a derrota nos ensina lições valiosas.

Com todo o respeito que um senador da República merece, não consigo enxergar na iniciativa do senador Anibal Diniz (PT-AC), de propor uma nova consulta popular sobre o fuso horário acreano, algo típico de um adulto, sobretudo de um senador da República. Só consigo ver na iniciativa a preponderância, o reflexo da fase infantil um dia vivida pelo senador.

É incrível que a gente esteja testemunhando isso acontecer nos dias de hoje, mais de 25 anos após o restabelecimento da democracia no nosso país. E pior: a luta pela volta do estado democrático no Brasil foi uma luta de Anibal Diniz e seus companheiros da Frente Popular do Acre, nos quais me incluo como simpatizante e militante da causa desde o início dos anos 1980, quando me envolvi no movimento estudantil ao lado de Marina Silva, Marcos Afonso, Binho Marques, Carioca, Gerson Albuquerque e tantos outros.

Acreditem leitores, no seio do movimento estudantil durante o período da ditadura militar as decisões nunca foram monocráticas. Tudo era decidido na base de muito discurso, tratativas de convencimento e, principalmente, voto, eleição. Daí o meu espanto com a iniciativa do senador Anibal Diniz de propor essa nova consulta para que o povo acreano decida sobre algo que já decidiu em votação no referendo realizado em 2010, de forma soberana, em eleições limpas e honestas: a volta do fuso horário que fora mudado de forma arbitrária.

Indiretamente, ajudei a colocar Anibal Diniz no cargo que hoje ocupa, pois votei em Tião Viana, o titular da cadeira no Senado que ele assumiu no ano passado. Como democrata, respeito as regras do estado de direito que prevalecem no país e considero Anibal Diniz um senador legítimo. Ponto. Entretanto, afirmo que a atitude dele em relação a sua proposta de nova consulta popular, embora juridicamente possível sob o ponto de vista legislativo, além de atentar contra princípios democráticos arraigados – resultado de eleição tem que ser acatado –, faz pouco caso do valor dos votos dos acreanos. Ao propor uma nova consulta popular antes mesmo que os efeitos da anterior tenham entrado em vigor, Aníbal Diniz desconsidera a vontade de 56,87% dos eleitores que votaram favoravelmente pelo retorno do antigo fuso horário acreano.

Tenho certeza que muitos acreanos pensam assim. Mesmo os que votaram pela permanência da mudança do atual fuso horário acreditam que em primeiro lugar deve-se respeitar a decisão do povo, ou seja, a volta do fuso horário. Já conversei com muitas pessoas e li muitas opiniões e esse princípio democrático não é questionado por ninguém.

Na democracia em que vivemos, é possível uma nova votação para saber se a população acreana, mais uma vez, quer ou não mudar o seu fuso horário. Na qualidade de senador, Anibal Diniz tem o poder para propor tal consulta, pois seu cargo lhe faculta tal prerrogativa. Entretanto, antes de fazer tal proposta, ele deveria, atento a princípios democráticos, esperar que em primeiro lugar a vontade legítima da maioria dos acreanos fosse consumada, ou seja, o antigo fuso horário entrasse em vigor, conforme já foi decidido. Somente após isso ele deveria propor uma nova consulta.

De outra forma, e ele fez exatamente isso, como podemos interpretar a atitude do senador Anibal Diniz?

Na angústia que vivo quando penso nessa questão do fuso horário acreano, só posso achar que o senador agiu exatamente como meu filho, de seis anos, agiria em caso de derrota: chorou, reclamou, se revoltou e quer, a qualquer custo, mudar resultados desfavoráveis a ele.

Se essa é uma iniciativa pessoal do Senador, se ele tomou a decisão de propor uma nova consulta popular para atender interesses político-eleitorais, a interesses empresariais ou uma demanda popular, só ele pode esclarecer. Mas é bom que fique claro que ela vai causar muitos estragos eleitorais ao grupo político que ele integra: o Partido dos Trabalhadores e a Frente Popular.

Afirmo isso com autoridade, pois havíamos, eu, Altino Machado, Toinho Alves e outros, alertado o então senador Tião Viana do custo político de persistir no erro de mudar de forma autoritária o fuso horário. As eleições de 2010 foram a prova e as perspectivas para a eleição de 2012 confirmam o estrago.

Ainda existe tempo para o senador Aníbal Diniz se redimir desse grave equívoco, fazer uma autocrítica, olhar para o passado recente e aprender com os erros cometidos por alguns de seus colegas. A derrota, como tenho dito a meu filho, traz lições valiosas.

Na qualidade de eleitor que o ajudou na sua caminhada até o Senado, só posso pedir uma coisa a Anibal Diniz: pense e aja como um autêntico democrata. Só isso.

*Texto originalmente publicado no Blog do Altino. Esta versão aqui publicada é corrigida e ampliada.

20 março 2012

MUDANÇA NA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA?

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

O Dr. Alceu Ranzi, sempre atento aos detalhes geográficos de nossa região em razão de seu interesse nos geoglifos que estão sendo expostos na medida em que nossas florestas são destruídas, me alertou para um fato que talvez poucas pessoas tenham observado: a possível incorporação pela Bolívia de um bairro da cidade fronteiriça de Brasiléia caso o rio Acre rompa a ténue linha de barranco que une a 'ponta de terra' onde está localizado o referido bairro ao resto do país, como se pode ver nas imagens ao lado.

A largura do barranco no possível ponto de rompimento é de cerca de 70 m e é quase certo que o rio romperá o barranco nos próximos anos. É assim que acontece em situações similares na maioria dos rios de nossa região, que mudam com frequência a sua calha. Na linguagem popular, se diz que o rio 'aparta' ou 'corta uma curva'. O meandro abandonado vira um lago.

Como o marco divisório do Brasil com a Bolívia naquele ponto é a calha do rio Acre, resta saber se o possível isolamento do bairro de Brasiléia vai mesmo resultar na incorporação daquela faixa pequena de terra pelo nosso país vizinho.

14 março 2012

CHARLES MANN E AS TRANSFORMAÇÕES PRÉ E PÓS COLOMBO

Entrevista concedida pelo jornalista americano Charles Mann ao jornalista Jorge Pontual, do programa Milênio, da Globo News.

Conjur/Idéias do Milênio

Quando Cristovão Colombo descobriu a América em 1492, abrindo para os impérios espanhol e português a conquista do novo mundo, seguidos por outros colonizadores europeus, começava uma nova era não só na história da humanidade, mas na própria vida do planeta. A globalização, não só econômica e política, mas principalmente biológica. Uma troca mundial de plantas, animais, germes e doenças que devastou as populações indígenas das Américas. Destruiu culturas e civilizações no hemisfério ocidental e revolucionou a ecologia de todo o planeta. Para dar contas dessa transformação profunda, ainda não contada nos livros de história, o jornalista americano Charles Mann acompanhou o trabalho pioneiro de cientistas de muitas áreas que nos últimos anos trouxeram à tona o passado esquecido dos nossos continentes. Uma das revelações mais fascinantes é a descoberta na Amazônia de vestígio de grandes civilizações ainda desconhecidas. Em dois livros, 1491 e 1493, ele relata o que está sendo descoberto sobre o antes e o depois da chegada de Colombo, uma viagem que começou em casa, no jardim de Charles Mann.

Jorge Pontual — Vamos começar falando de algo que achei muito interessante. Toda sua jornada pela História das Américas começou em um jardim, no seu jardim. Conte como foi.
Charles Mann — Eu gosto de jardinagem, mas sou um jardineiro ruim, e eu tenho um jardim onde sempre estou tentando plantar alguma coisa. Principalmente tomates. Eu sou fã de tomates. E, de repente, percebi que não havia nada em meu jardim — moro em Massachusetts — originário de um local a menos de 4.500 km de casa. Eu pensei naquela tarefa doméstica que eu faço, que me faz sentir ligado às raízes. Mas, na verdade, é um objeto cosmopolita moderno exótico. É algo totalmente contemporâneo que representa essa quantidade enorme de pessoas pegando essas entidades botânicas e transportando pelo mundo afora. Isso me fez pensar em como isso aconteceu. Como é possível eu cultivar tomates do México, pimentas da América Central, batatas-doces da América do Sul, batatas dos Andes, além de todas as verduras europeias, aqui, no meu jardim em Massachusetts? Eu comecei a me perguntar sobre isso. Há uma história biológica subjacente à história humana e profundamente ligada a ela. Então, meu pequeno jardim é uma pequena parte dessa enorme convulsão ecológica, que é o maior acontecimento da História da vida desde a extinção dos dinossauros.

Jorge Pontual — Mas essa reunificação da Pangeia não foi um encontro de iguais, não é? Porque Alfred Crosby escreveu sobre isso. Levou ao imperialismo.
Charles Mann — Há ganhadores e perdedores. O segundo livro dele... Os dois livros são maravilhosos, mas o segundo afirma que esse intercâmbio afetou fortemente os dois lados, mas alguns lados tiraram maior proveito do que outros. A Europa tirou proveito disso, mas as populações nativas, em especial, são as perdedoras. A razão disso é que a primeira onda desse intercâmbio foi de criaturas minúsculas, como bactérias e micróbios de todos os tipos. E um grande número de doenças existentes na Europa, Ásia e África não existia nas Américas. O resultado disso foi que, quando Colombo aqui chegou, os passageiros mais importantes eram invisíveis, e eles exalaram essa nuvem de bactérias e vírus nas Américas. O resultado foi que, nos primeiros 150 anos após a chegada de Colombo, algo em torno de 60%, 75% e até 90%, em alguns casos, dos povos nativos das Américas morreram. E essa extinção foi a pior catástrofe demográfica da História da humanidade, não houve nada igual antes ou depois. E isso explica, em grande parte, por que pequenos grupos de europeus, ao final de longas cadeias de fornecimento, na maioria das vezes, com poucos equipamentos, conseguiram sobreviver em ecossistemas totalmente diferente de tudo que eles viram antes.

Jorge Pontual — Essa “extinção”, como você disse, escondeu o fato de haver uma enorme variedade de civilizações com uma História muito rica nas Américas. Nos livros, lemos que os europeus encontraram um enorme continente intocado, cheio de natureza, mas isso não é verdade, não é? Mas por que isso só foi descoberto recentemente? A verdadeira história do que havia antes de Colombo?
Charles Mann — Há vários motivos diferentes. Parte deles é por causa das grandes batalhas contra os nativos, pois eles usavam armas por mais de uns 200 anos, como os brasileiros sabem muito bem, mas era muito conveniente minimizar o inimigo. É o que sempre acontece. Mas as pessoas sempre tenderam a olhar em volta e imaginar que o que veem é o que sempre existiu. Por exemplo, uma das coisas que fiz em meu livro 1493 foi trabalhar com pessoas da “National Geographic” e entrar em contato com dezenas de arqueólogos, antropólogos, geógrafos, e perguntar a eles como era a Costa Leste dos EUA no século 16, quando Colombo chegou. E havia áreas enormes abertas que os nativos haviam desmatado para a agricultura. E as florestas haviam sido desbastadas, formando áreas abertas, de modo a encorajar a caça. Portanto, os humanos já haviam deixado grandes rastros, e a paisagem fora afetada tremendamente pelas atividades humanas. E, quando essas pessoas morreram, as queimadas e o desmatamento pararam, e a floresta voltou. Assim, quando os europeus chegaram, um século depois, dois séculos depois, e viram essa floresta imensa, com aquela terra intocada que os escritores descrevem, não perceberam que, na verdade, aquilo era algo recente e que, longe de uma terra intocada, o que eles viam era um cemitério. E parte do motivo pelo qual se demorou tanto para descobrir isso é que os arqueólogos e antropólogos precisaram criar ferramentas para ver isso, em especial na Amazônia, onde há pouquíssimas pedras, pouquíssimos metais, e os artefatos produzidos pelas pessoas seriam feitos de cerâmica, de madeira, de tecido, e muito pouco disso pode ser preservado naquelas condições. É úmido demais, quente demais. Então é preciso conseguir fazer coisas como ver as marcas no solo...

Jorge Pontual — É necessário foto de satélite?
Charles Mann — Isso é muito útil. É preciso uma série de técnicas de tecnologia avançada que não estavam disponíveis até 30, 40 anos atrás. A datação por carbono, que permite saber a data de restos de materiais orgânicos, só surgiram na década de 1950.

Jorge Pontual — Não sei se nossos espectadores já ouviram falar dos geoglifos. Explique para nós o que são. Alguns são imensos e só podem ser vistos por satélite. Quem os construiu e onde estão?
Charles Mann — É uma ótima pergunta. Nos últimos anos, um grupo de arqueólogos do Brasil, dos Estados Unidos e locais como a Finlândia têm descoberto que, em uma área grande da Amazônia Oriental, que engloba Acre, Rondônia, parte da Bolívia e talvez até mais ao sul, no Mato Grosso, aquele grande território é coberto com centenas e centenas — as estimativas chegam a 2 mil — de desenhos esculpidos na terra. Muitos deles têm centenas de metros de lado. E são tipicamente...

Jorge Pontual — Há quadrados perfeitos.
Charles Mann — Há quadrados, círculos, figuras geométricas. Eles se assemelham às famosas linhas de Nazca, no Peru. Ninguém sabe ao certo quem os fez. Os primeiros relatórios arqueológicos sérios sobre eles, publicados e disponíveis para todos, só surgiram em 2009. E há uma excelente arqueóloga em Belém, Denise Schaan, que pacientemente tem tentado catalogar tudo com o auxílio de paleontólogo do Acre, Alceu Ranzi. E eles têm descoberto essa enorme civilização que existiu e que criou esses geoglifos, provavelmente para algum ritual, embora não tenhamos certeza, deixando, literalmente, suas marcas na paisagem. O que é fascinante é que é muito difícil entender sua utilidade, pois elas são tão grandes, que não é possível percebê-las, a menos que as veja do alto. Mas uma coisa que sabemos é que não faz sentido imaginar esse tipo de coisa no meio de uma floresta. Eles não poderiam ser vistos. Portanto, com certeza, toda essa área foi desmatada, e essa área enorme, grande parte da qual hoje é uma floresta, naquela época, era uma savana. Um arqueólogo chamado Clark Erickson demonstrou como ainda há estruturas remanescentes lá que mostram como as pessoas, nas savanas, que são alagadas temporariamente, construíam essas estruturas elaboradas para pegar peixes e plantavam em áreas elevadas, causando essa enorme transformação na paisagem em uma paisagem simbólica altamente produtiva que era tudo, menos a terra intocada que nós imaginávamos. E isso é importante porque os solos da Amazônia, como aqueles da maior parte das florestas tropicais, é muito pobre, impossibilitando o cultivo, mas eles transformaram grandes trechos do terreno, para torna-lo um solo altamente produtivo, que faz dele, ainda hoje, uma das áreas mais produtivas da Amazônia. E há um estudo publicado recentemente que mostra que as áreas com maior biodiversidade na Amazônia, alvos de programas de conservação, em muitos casos, são as áreas que sofreram mais impacto humano, onde as pessoas mudaram drasticamente a paisagem, mas de maneira que, mais tarde, desenvolveram a biodiversidade. E isso é algo que... Acho que isso permite entender como essas pessoas, que viveram nesses ambientes por milhares de anos, aprenderam a trabalhá-lo de uma maneira produtiva.

Jorge Pontual — Que bom. Voltando à jardinagem, em vez de ser uma terra intocada, uma selva, a Amazônia era um jardim.
Charles Mann — Um jardim, exato. E, quando você costeia o Rio Amazonas e vê essa floresta incrível ao redor, talvez uma maneira de pensar nela é uma grande plantação que os donos foram obrigados a abandonar algumas centenas de anos atrás. E um dos motivos pelos quais, ao entrar na floresta, encontrarmos todas aquelas frutas maravilhosas, palmeiras, castanhas, etc., é porque as pessoas as plantaram. E há pesquisadores do INPA, em Manaus, que... Quando as pessoas plantam algo, sempre pegam a mais produtiva. Se você tem uma árvore que é mais produtiva do que as outras, quando for plantar, você planta essa árvore. E é possível ver esse padrão nessas árvores cultivadas na Amazônia há 160 anos. Muitas árvores são originárias da Amazônia Ocidental, e é possível ver esse padrão, indo do oeste para o leste, aproximando-se da desembocadura do rio, onde as árvores úteis são cada vez mais abundantes. Isso é um sinal da presença humana, que agora, gradualmente, conseguimos observar. E os estudos genéticos que irão confirmar isso estão começando. É uma área muito interessante. Para um jornalista científico, como eu, é muito divertido saber essas coisas, pois as pessoas estão descobrindo essas coisas incríveis todo dia e trazendo à vida essa paisagem. Não essa natureza intocada, mas essas extraordinárias criações humanas, em que as pessoas trabalharam com a natureza para criar algo que é incrível, na minha opinião.

Jorge Pontual — É uma grande tragédia que tudo isso tenha sido destruído, perdido.
Charles Mann — É. E foi uma tragédia todas essas pessoas terem morrido. Não era o que pretendiam ou que queriam os europeus, ou que eles até entendessem, mas isso não é desculpa para o que fizeram depois, pois eles cometeram atrocidades terríveis. Mas a maior parte dessa catástrofe ocorreu fora da vista deles. Como essas doenças não existiam nas Américas... Na verdade, doenças epidêmicas, como um todo, não existiam. Esse tipo de doenças que é passada por uma tosse não existia. Então, os povos das Américas não conheciam essas doenças. Consequentemente, quando chegou a varíola, alguém do povoado adoeceu, e todos foram confortar essa pessoa. Eles não conheciam a quarentena — claro que não —, então todos adoeciam, o povoado todo adoecia, e eles não conheciam os germes, não pensavam: “Este é um vírus novo.” Eles pensavam: “Está acontecendo algo horrível aqui, precisamos ir embora.” Então eles iam para o povoado vizinho, a cidade vizinha e levavam a doença com eles, e o mesmo acontecia. As doenças se espalharam como um dominó pelo continente, despovoando áreas que nunca tiveram contato com os europeus. Assim, um século depois, quando os primeiro europeus chegaram a essas áreas, viram que não havia ninguém e pensaram que a área nunca tinha sido habitada. Há esses registros extraordinários, na América do Norte e na do Sul, de pessoas que chegam a áreas devastadas por epidemias. Eu fui criado em uma cidade pequena na costa noroeste do Pacífico, perto da fronteira com o Canadá, e os primeiros europeus a deixar registros disso chegaram no século 18, com uma expedição náutica comandada pelo capitão Vancouver. Mas eles chegaram 15 anos após uma terrível epidemia de varíola que varreu as tribos de lá. E eles encontraram corpos por toda parte. Esse tipo de relatos dos efeitos catastróficos das doenças e de europeus chegando depois das doenças é extraordinariamente comum nos arquivos.

Jorge Pontual — Eu achei interessante que a famosa Pequena Era do Gelo, nos séculos 16, 17 — por volta daquela época, não? —, na verdade, provavelmente foi causada pelos humanos, pelo intercâmbio colombiano. Então as mudanças climáticas não são algo novo, não é?
Charles Mann — Não, não são algo novo, e isso é algo impressionante... Eu devo dizer que isso é algo mais teórico, há muitos fundamentos, mas não é um fato comprovado. Mas a ideia, de certo modo, é bem simples. Havia dezenas de milhões de pessoas na Américas obviamente fazendo coisas, e uma das coisas que elas faziam era desmatar grandes áreas...

Jorge Pontual — Com queimadas.
Charles Mann — ...geralmente, com queimadas, para abrir espaço para a agricultura. E isso vale para a América do Sul no meio da Amazônia, como para a América do Norte.

Jorge Pontual — Eles aqueceram a atmosfera.
Charles Mann — Isso. Aqueceram a atmosfera. E isso se deu de duas maneiras: desmatando essa área e queimando, mas também evitando que as plantas voltassem a crescer ali. Ambas as coisas pararam de acontecer bem rápido no início do século 16, não só porque pararam de enviar dióxido de carbono para a atmosfera, mas, como não havia mais pessoas para limpar a terra, a árvores voltaram, tirando grande parte do dióxido de carbono da atmosfera, e há várias comprovações disso, como bolhas de gás do gelo ártico e esse tipo de coisa. Há também sedimentos no fundo de lagos. Há várias maneiras de registrar quanto carbono havia na atmosfera 500 anos atrás, e também uma boa queda que começou por volta de 1550 e continuou até o final do século 18. E essa também foi a época da famosa Pequena Era do Gelo, que foi uma onda glacial de cerca de 50 anos, com terríveis tempestades de neve, geleiras descendo os Alpes e todo esse tipo de coisa. Na verdade, foi quando surgiu um novo gênero de pintura flamenga, retratando crianças patinando nos canais. Se você já esteve na Holanda, sabe que, hoje em dia, não há crianças patinando nos canais. Eu tenho um quadro — não original, claro, uma cópia — de Pieter Bruegel, um famoso pintor flamengo, mostrando as crianças patinando nos canais. Eu li a biografia de Bruegel, e fiquei pasmo de saber que esse quadro mostrando toda aquela neve, na verdade, foi pintado no final de abril, começo de maio. Faz muito tempo que a Holanda não vê 1 metro de neve e gelo em maio.

Jorge Pontual — Então a globalização começou com Colombo, certo? Esse intercâmbio colombiano é um fenômeno biológico.
Charles Mann — É biológico, mas também ecológico e econômico. Nós pensamos na globalização como uma troca de bens, mas há esses passageiros escondidos no caminho. E tudo começou com Colombo, que uniu essas duas partes do mundo. Ele tinha motivações econômicas: queria chegar à China para fazer comércio e ganhar dinheiro, e isso aconteceu, mas ele trouxe várias outras criaturas com ele, sem saber, além daquelas que voltaram à Europa. A Europa é um lugar onde quase não há alimentos para todos, e realmente só se ergueu quando a batata, originária dos Andes, chegou ao norte da Europa, e o milho, originário do México e da América Central, chegou ao sul da Europa. E o mesmo aconteceu quando a mandioca foi para a África. Houve uma mudança enorme naqueles lugares.

Jorge Pontual — A China também foi afetada.
Charles Mann — Foi. Então, depois disso, os espanhóis tentaram chegar à China e estabeleceram uma colônia espanhola nas Filipinas, em Manila, e foi aí que surgiu esse comércio contínuo. Aí, o mundo se tornou interligado nesse ciclo contínuo de comércio, no qual a prata, descoberta nas grandes minas de Potosí, atravessava o Pacífico para chegar a Manila e ser trocada por seda, porcelanas, escravos e especiarias, que iam para o México, e para o Peru, e então eram mandados à Europa, onde eram trocados por armas e cavalos, usados para comprar os escravos que vinham para as Américas, para o Brasil para trabalhar a plantação, para a Bolívia, para extrair prata... Então havia essa interligação entre todas as partes do mundo. E, com os navios, vinham esses “passageiros”. A China, que também não conseguia alimentar sua população viu chegarem a batata-doce, o milho e a batata. E o resultado foi uma enorme explosão populacional na China, que levou a uma expansão para o Ocidente, para áreas onde eles antes não conseguiram cultivar, com vários danos ecológicos em decorrência disso. E tudo isso começou com Colombo e a reunificação do mundo.

Jorge Pontual — Agora estamos vivendo essa nova onda de globalização, que elevou a outro patamar países como Brasil, China e Índia, mas que também é muito destrutiva para as culturas locais. Que lições dessa História que foi desvelada podem ser úteis ao lidarmos com essa nova onda de globalização?
Charles Mann — Eu acho que estamos saindo do campo dos fatos para entrar no campo das opiniões. Espero que você não me leve muito a sério, como dizemos. Mas uma das coisas que impressionam é que a globalização certamente tem ganhadores e perdedores, mas, no geral, ela aumenta a renda das pessoas. O mundo está mais rico por causa da globalização, mas ela tem sido imensamente destrutiva do ponto de vista cultural. Então temos um benefício econômico, mas com devastação cultural. Ainda que nossa renda esteja aumentando, línguas estão desaparecendo, e, com elas, modos de vida ou literaturas, que estão desparecendo. Portanto, me parece que uma das coisas que podemos fazer, pelo menos, é ter consciência dessa enorme perda cultural. A maioria das sociedades não tem feito nada para tentar evitar isso, e, mesmo quando pequenos esforços são feitos, como na França, onde as pessoas são encorajadas a fazer filmes franceses e tal, isso é tão devastador para a economia mundial que esse tipo de protecionismo cultural deixa de ser uma boa ideia. E eu não me surpreenderia se, no futuro, o Brasil tomasse medidas para tentar salvaguardar... Uma das coisas maravilhosas do Brasil são essas extraordinárias diferentes culturas regionais, com diferentes tipos de música. Para um estrangeiro que viaja pelo país, é um prazer ir a lojas de discos e ouvir o ambiente musical, que é totalmente diferente de uma parte do Brasil para outra, e seria uma pena se esse reflexo do processo histórico local acabasse desaparecendo. Eu acho que o Brasil, que começou a proteger sua cultura, não deveria desistir disso.

Jorge Pontual — Muito obrigado.

*Link gentilmente enviado por Alceu Ranzi
Foto: Globo News e Diego Gurgel

13 março 2012

DENTRO DE CASA

O que prevalece [no processo de reconhecimento de diplomas obtidos no exterior] é a hostilidade ao mérito individual, a ditadura do carimbo e uma ideologia boçal que separa o conhecimento científico em dois campos o nacional, bom e popular, e o estrangeiro, ruim e elitista

J. R. Guzzo
Revista Veja

Uma das melhores decisões que o atual governo tomou na área da educação, on talvez em qualquer área, foi a criação, no ano passado, de um programa de bolsas de estudo em universidades estrangeiras para estudantes interessados em aperfeiçoar seus conhecimentos depois de formados no Brasil.

Não se trata de mandar gente para Cuba, Moçambique ou coisa parecida; as bolsas se destinam a cursos em universidades dos Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, França e Itália, nas quais se oferece hoje, de modo geral, o ensino superior mais avançado do mundo. Também não servem para quem queira estudar movimentos sociais, direção de cinema ou gastronomia sustentável. As bolsas, aqui, são reservadas exclusivamente para coisas que têm a ver com a vida real da produção matemática, física, biologia, química e, num segundo momento, áreas como tecnologia mineral, petróleo, gás natural e outras disciplinas científicas.

O Brasil, no momento, tem uma necessidade desesperada de profissionais com alta qualificação em tudo isso, Um vasto leque de atividades essenciais para uma economia moderna depende diretamente deles - sem a sua presença nas empresas, sejam elas privadas ou esfaz imaginar, o número de alunos diplomados ao fim dos cursos está diminuindo, ao invés de aumentar.

Tudo bem, portanto, até aí; mas só até aí. Estamos no Brasil o no Brasil, é bom lembrar, o governo consegue errar mesmo quando acerta. No caso, está deixando uma parte de sua máquina desmanchar o que outra faz de bom: ao mesmo tempo em que paga para jovens brasileiros aprimorarem seus conhecimentos científicos e tecnológicos nas melhores universidades estrangeiras, empenha-se ao máximo para dificultar, depois que voltam ao Brasil, o reconhecimento dos títulos que obtiveram no exterior.

Não é isso que o governo, no seu comando supremo, quer. Mas é o que acontece. Como o jornal O Estado de S. Paulo relatou em artigo recente, as autoridades educacionais encarregadas de validar os diplomas dos bolsistas dedicam-se, na prática, a um trabalho de sabotagem permanente contra eles e, naturalmente, contra o público que está pagando a conta. Há exigência da mesma carga horária que teriam nas universidades brasileiras, "das mesmas disciplinas e currículos, do mesmo esquema de avaliação de teses, de traduções juramentadas e de documentos expedi dos por consulados". A Universidade de Brasília, uma das encarregadas de fazer o reconhecimento de títulos, só examina, em cada setor de estudo, seis casos por semestre. E comum o bolsista esperar um ano ou mais pela validação. Se fez seus estudos numa universidade americana, as coisas podem ficar ainda piores. Em todo o sistema o que prevalece é a hostilidade ao mérito individual, a ditadura do carimbo, a ideologia boçal que separa o conhecimento científico entre o nacional, bom e popular, e o estrangeiro, ruim e elitista.

Essa história das bolsas é mais uma demonstração , brasileiras ou multinacionais que operam no país, simplesmente não é possível executar uma infinidade de novos projetos na indústria, infraestrutura, agricultura, exploração de recursos naturais e virtualmente qualquer área do universo produtivo. Investimentos ficam bloqueados. Perde-se espaço para os competidores estrangeiros. Sofrem a criação de empregos, a melhoria de renda e a arrecadação de impostos.

A iniciativa é um belo exemplo de como utilizar com respeito, inteligência e eficácia o dinheiro público, que pagará diretamente 75% de todas as despesas do programa; é investimento certo, com retorno certo e na hora certa. Serviria, quem sabe, como um contrapeso para as informações desanimadoras que acabam de sair das universidades brasileiras - ao contrário do que a propaganda oficial demonstração, entre tantas, do abismo que separa, dentro do governo brasileiro, as intenções dos resultados e mais uma prova da impotência generalizada dos que mandam em relação aos que executam.

Decidir bem, como todo mundo sabe, já é uma luta. Tudo fica muito mais complicado, obviamente, se os encarregados de executar as decisões não se interessam em cumpri-las. E o que vive acontecendo. Executam mal, ou executam devagar, ou simplesmente não executam -mesmo porque, muitas vezes, devem seguir regras que não lhes permitem praticar as ordens que recebem. O que se tem, ao fim da linha, é simples: quanto mais a alta autoridade manda, tanto menos a baixa autoridade obedece. O verdadeiro inimigo a vencer está dentro de casa.

12 março 2012

ESTUDO DO INPA PREVÊ CHEIA SEVERA NO AMAZONAS

A previsão de cheia deste ano, de 29,67 m, deverá ser apenas 10 cm abaixo da maior cheia já registrada em 2009

Por Josiane Santos

Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) em parceria com o Instituto Max Planck de Química (MPIC) a cheia deste ano será das mais severas já registradas no Amazonas, com média prevista para 29,67m (margem de erro de 29,29-30,05 m), apenas 10cm abaixo que a maior cheia já registra em 2009 (29,77m).

Previsões de cheia são realizadas desde 2005 pelo pesquisador Jochen Schöngart do MPIC em parceria com o Inpa. O estudo prevêcom antecedência média de 100 dias o nível máximo com um erro médio de 38 cm. Os dados foram baseados em um modelo publicado no Journal of Hydrology que prevê cheia para a região de Manaus e arredores utilizando dados do nível d’água atual e a situação no Pacífico Equatorial (indicado pelo Índice da Oscillação Sul).

No início de março até agora, o Rio Negro registrou níveis recordes para este período do ano desde que os dados são levantados no Porto de Manaus (ano de 1903). “Nunca no início de março o rio foi tão alto quanto esse ano. Como temos uma La Ninã moderada estabelecida no Pacífico Equatorial, este fenômeno contribuiu para o aumento das chuvas na região. Isso fez o rio encher de uma forma muito rápida. O nível do rio no início do ano estava na média histórica e atingiu em dois meses um recorde”, explica Schöngart.

“O aumento de chuvas (durante La Niña) e diminuição de chuvas (durante El Niño) nas amplas cabeceiras do Rio Solimões e seus afluentes resulta, consequentemente, em cheias mais severas (La Niña) e cheias mais fracas (El Niño) na região da Amazônia Central”, alerta Jochen Schöngart.

Ciclo hidrológico

A Amazônia Central possui um ciclo hidrológico caracterizado por uma cheia, que ocorre geralmente na segunda quinzena de junho, e uma vazante, que ocorre no final de outubro e início de novembro.

Segundo Schöngart, analisando a série temporal do Porto de Manaus, observa-se que nos últimos 25 anos as cheias indicam uma leve tendência de aumento e as secas tendem ser mais severas. As diferenças calculadas entre cheia e seca (amplitude anual) aumentaram durante este período resultando na maior amplitude anual registrada ano passado com 14,99 m.

Com 110 anos de dados da série temporal em Manaus, o pesquisador Schöngart afirma que esse tempo ainda não é suficiente para entender a variabilidade natural do ciclo hidrológico e dos fatores externos que influenciam o regime.

“Existe uma grande preocupação à respeito de futuras cheias e secas no contexto das mudanças climáticas, devido ao aquecimento previsto das águas superficiais dos oceanos Pacifico Equatorial e Atlântico Tropical, que tem um impacto significativo no regime pluviométrico e hidrológico na Amazônia. Porém, as séries de dados instrumentais são curtas demais para avaliar se estas tendências recentes podem ser explicadas pela variabilidade natural do regime ou se já manifestam mudanças climáticas. Além disso, o regime hidrológico na maior bacia hidrográfica do mundo é muito complexo. Comparando bacias de rios na Amazônia existem grandes diferenças em termos de amplitudes e da ocorrência temporal de cheias e secas nos regimes hidrológicos e suas associações com anomalias de temperaturas superficiais dos oceanos tropicais”, explica Schöngart.

Por isso o Inpa, MPIC e o Grupo de pesquisa Ecologia, Monitoramento e Uso Sustentável de áreas Úmidas (Maua) liderado pela pesquisadora do Inpa, Maria Teresa Piedade, estão trabalhando na reconstrução do regime hidrológico utilizando anéis de crescimento de árvores das florestas alagáveis.

“É importante fazer reconstruções do regime hidrológico utilizando os anéis de crescimento de árvores que registram esses eventos de cheias grandes e cheias mais fracas, com isso queremos ter mais conhecimento sobre a variabilidade natural dos regimes. Porque só com esse conhecimento podemos fazer cenários aprimorados para o futuro, se só se basearmos em séries curtas de dados instrumentais, não podemos fazer previsões acuradas”, destaca o pesquisador.

O pesquisador ressalta que essas mudanças interferem, principalmente, no modo de vida das comunidades residentes nos locais sofridos por esses fenômenos. “O pulso de inundação controla os ritmos de crescimento, ciclos de vida de espécies de fauna e flora nas áreas alagáveis e as atividades econômicas das populações ribeirinhas como pesca, agricultura e extração de madeira”.

06 março 2012

ARBORIZAÇÃO DA VIA CHICO MENDES: ALTO CUSTO, EQUÍVOCOS E SUGESTÕES PARA A SUA RECUPERAÇÃO

Evandro Ferreira* & Ednéia Araújo dos Santos**

A Via Chico Mendes, inaugurada em dezembro de 2003 durante a administração do governador Jorge Viana, está localizada no segundo distrito de Rio Branco e se constitui no principal acesso às rodovias AC-40, BR-317 e BR-364 que ligam, respectivamente, a capital do Acre à região de fronteira com a Bolívia e o Peru, e os vizinhos Estados de Rondônia e Amazonas.

Embora se estenda desde as proximidades da Ponte “Coronel Sebastião Dantas” até o Parque Chico Mendes, na Vila Acre, a parte efetivamente urbanizada da Via Chico Mendes possui uma extensão de apenas 4,3 km que termina na rotatória que dá acesso à BR-364. A implantação desse último trecho favoreceu a integração entre os dois distritos de Rio Branco, consolidou e permitiu a expansão do setor comercial ao longo da extensão da nova via e, com suas belas palmeiras imperiais, tornou-se não apenas mais um cartão postal para nossa cidade, mas também um lugar que nos lembra da importância de estarmos conectados à natureza.

Historicamente, a prática da arborização de áreas urbanas se desenvolveu com o crescimento das cidades e a necessidade de se criar ambientes urbanos nos quais a população pudesse desfrutar dos benefícios proporcionados pelo contato com a natureza: ar mais puro, sombreamento, temperaturas agradáveis nas ruas, praças e parques públicos, e interação com a fauna, especialmente pássaros e pequenos roedores. Todos são fatores que direta ou indiretamente proporcionam uma sensação de melhoria do estado físico e mental nos habitantes das zonas urbanas. E não poderia ser diferente em nossa cidade, que é cercada pela esplendorosa floresta amazônica.

Apesar disso, a espécie escolhida como elemento principal da arborização da Via Chico Mendes foi a palmeira imperial, cientificamente conhecida como Roystonea oleracea e originária do Caribe e do norte da América do Sul (Venezuela e Colômbia). Ela foi introduzida no Brasil por D. João VI no início do século XIX, no Real Horto, que posteriormente deu origem ao atual Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Dai ter sido batizada pela população de palmeira imperial. Sua disseminação pelo país foi favorecida pelo fato de a mesma apresentar um porte majestoso e altaneiro, com arquitetura colunar que favorece o seu plantio em parques, praças e canteiros centrais de vias urbanas.

Originalmente foram plantadas no canteiro central da Via Chico Mendes 250 mudas de palmeira imperial com porte adulto ou quase adulto, com troncos marrons medindo entre 2-3 metros de comprimento. Elas foram plantadas em fileiras intercaladas com jardineiras nas margens do canteiro, que abriga em sua parte central, e por toda a sua extensão, uma ciclovia com pavimentação asfáltica de aproximadamente 2 m de largura.

As mudas plantadas foram adquiridas em viveiros localizados fora do Acre. Considerando o tamanho das mesmas por ocasião do plantio, estima-se, de forma conservadora, que o custo de cada uma, incluindo o frete até Rio Branco, foi de pelo menos R$ 4 mil. Assim, o gasto estimado para o plantio das mudas de palmeiras imperiais na Via Chico Mendes foi de pelo menos R$ 1 milhão.

Passados oito anos da sua inauguração, os usuários da Via Chico Mendes devem ter observado que a quantidade de palmeiras imperiais diminui sensivelmente. Observaram também que a maioria delas não cresceu como esperado. Aos mais atentos, seguramente surgiu a questão:

- O que aconteceu ou está acontecendo com a arborização da Via Chico Mendes?

Para tentar responder a essa pergunta, em meados de 2011 realizamos um estudo para determinar a situação da arborização daquela Via. Foram abordados aspectos relacionados com a mortalidade, porte atual e estado fitossanitário das plantas, área disponível na base dos troncos, ocorrência de vandalismo, efeito deletério das plantas na rua/calçada e replantios realizados.

Os resultados foram os seguintes. Das 250 mudas originalmente plantadas, apenas 128 (51,2%) encontravam-se vivas. Esta alta taxa de mortalidade pode ser atribuída, em grande parte, à insuficiência de área livre de pavimentação no colo das plantas, fator que restringe de forma severa a penetração de água no solo e causa o fenecimento das palmeiras em razão das dificuldades que elas têm de absorver água e nutrientes do solo. A avaliação mostrou ainda que das plantas sobreviventes, 83,5% não possuíam área livre suficiente na base dos troncos, sugerindo que a tendência de mortalidade se manterá elevada nos próximos anos. Esta também pode ter sido a causa de aproximadamente 40% das plantas vivas não terem se desenvolvido de forma satisfatória, permanecendo com o porte aproximado ao que exibiam quando foram plantadas.

A condição fitossanitária das plantas vivas indica que 72,6% delas apresentam condição boa ou regular. Entretanto, 40,6% delas apresentavam sintomas de ataques por broca (Rhynchophorus palmarum) e/ou fungos (Phytophthora palmivora, Rhizoctonia solani e Pythyum sp.) nos troncos, que poderão ser severamente danificados, ficando sujeitos ao tombamento pela ação do vento e comprometendo a capacidade de transporte de água e nutrientes do solo para a parte aérea das plantas, aumentando ainda mais a mortalidade entre as plantas remanescentes. Um fator que provavelmente favoreceu o ataque de brocas e fungos foi o vandalismo no tronco das palmeiras, observado em 67,9% das plantas sobreviventes.

Como esperado, a maioria das palmeiras vivas (78,9%) não apresentava sistema radicular afetando de forma severa o pavimento adjacente da ciclovia ou da rua. Isso ocorre porque as raízes das palmeiras são fasciculadas e não pivotantes.

Para compensar a diminuição no número de palmeiras imperiais, foram feitos replantios com 28 indivíduos adultos da palmeira macaúba (Acrocomia aculeata), uma espécie espinhosa nativa do cerrado que recentemente foi usada em grande número na arborização da Avenida Amadeo Barbosa. Outros 11 indivíduos da palmeira guariroba (Syagrus oleracea), também nativa do cerrado, foram plantados. Permanecem vazios 83 locais, que aguardam o replantio com palmeiras imperiais ou outra espécie.

A principal conclusão do estudo foi de que a alta taxa de mortalidade das palmeiras imperiais introduzidas na Via Chico Mendes decorre da insuficiência de espaço livre na base de seus troncos, seguido da ocorrência de brocas e doenças em decorrência do vandalismo nos troncos. A solução para esses problemas é ampliar a área livre de pavimentação na base das plantas e realizar campanhas de conscientização junto aos usuários da Via para evitar a ação dos vândalos.

A substituição da palmeira imperial pela palmeira macaúba não parece ser adequada por razões paisagísticas e pela presença de espinhos, apêndices inadequados em plantas cultivadas em lugares com grande circulação de pessoas, como é o caso da Via Chico Mendes. O uso de espécies de palmeiras do gênero Syagrus parece ser uma boa solução. Entretanto, no lugar de importar mudas de espécies exóticas, seria recomendável que os responsáveis pela arborização da Via Chico Mendes priorizassem o uso de espécies nativas como a jaciarana (Syagrus sancona), uma palmeira de porte mediano e rara beleza que tem sido cultivada com sucesso no Campus da UFAC e na área do Parque Zoobotânico há mais de 25 anos. Sementes e tecnologia para o cultivo da mesma existem e podem ser repassadas para viveiros locais de produção de mudas.

A solução para o problema da onerosa arborização da Via Chico Mendes existe e não demanda grandes investimentos, mas é importante que os responsáveis pela mesma tomem uma atitude imediata para corrigir os erros cometidos no passado. De outra forma, a maioria das majestosas (e caríssimas) palmeiras imperiais da Via Chico Mendes irá desaparecer.

* Evandro Ferreira é Engenheiro Agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC.

** Ednéia Araújo dos Santos é Engenheira Florestal e Bolsista do Parque Zoobotânico/Embrapa-Cenargen.

PESQUISA QUE RESULTOU EM MELHORAMENTO DA MANDIOCA É PREMIADA

Estudo melhorou produtividade e resistência da mandioca amarela, que tem 10 vezes mais 'vitamina A' que a mandioca branca

Karina Toledo

Agência FAPESP – A participação em pesquisas que resultaram no desenvolvimento de uma variedade de mandioca mais nutritiva, saborosa e produtiva rendeu à pesquisadora Teresa Losada Valle, do Instituto Agronômico (IAC), o Prêmio Péter Murányi 2012.

A homenagem é concedida pela Fundação Péter Murányi a trabalhos que ajudem a melhorar a qualidade de vida dos brasileiros e de outras populações situadas ao sul do paralelo 20 de latitude norte. A edição deste ano priorizou estudos na área de alimentação. A pesquisadora receberá R$ 150 mil.

Em entrevista à Agência FAPESP, Valle contou que as pesquisas com a variedade de mandioca amarela batizada de IAC 576-70 começaram na década de 1970 e que o grupo deve lançar em breve no mercado uma nova variedade ainda mais nutritiva.

“Antes a mandioca branca, menos rica em vitamina A, era a mais consumida. A mandioca amarela que existia naquela época produzia pouco e tinha baixa resistência a doenças e pragas”, disse.

A diferença de cor entre os dois tipos, explicou, deve-se ao fato de que a variedade amarela é mais rica em carotenoides – substâncias antioxidantes que, no organismo humano, se transformam em vitamina A. “Enquanto uma porção de mandioca branca tem 21 unidades internacionais de vitamina A, a mandioca IAC 576-70 tem 230”, disse.

Por meio de técnicas tradicionais de melhoramento genético, ou seja, cruzamento entre variedades distintas e seleção de exemplares com as características desejadas, os cientistas do IAC conseguiram desenvolver uma variedade de mandioca amarela mais produtiva, saborosa e resistente a doenças e pragas. O trabalho levou aproximadamente 20 anos para ser concluído.

“Essas sementes chegaram ao mercado no fim dos anos 1980 e nos anos 1990 se difundiram completamente. Hoje, em São Paulo, praticamente só se consome a IAC 576-70. Ela também é muito comum no Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Distrito Federal”, disse.

Para disseminar a nova variedade principalmente entre pequenos produtores rurais e a população de baixa renda das grandes cidades, sementes da IAC 576-70 eram distribuídas até em igrejas e postos de saúde, graças a parcerias com assistentes sociais, profissionais de saúde e organizações assistenciais.

“Essa variedade produz praticamente o dobro em relação ao grande número de variedades que eram cultivadas anteriormente em quintais. Essas populações passaram a ter mais alimentos e de melhor qualidade e ainda podiam vender o excedente”, disse Valle.

O trabalho foi considerado inovador pela organização do Prêmio Péter Murányi por se preocupar também com as questões de acesso da população a essa variedade da mandioca.

Valle revelou que um novo tipo ainda mais rico em vitamina A já está em fase final de estudo e deve ser lançado em breve pelo IAC. “Tem cerca de 800 unidades internacionais do nutriente por porção”, disse.

A pesquisadora já coordenou cinco projetos de pesquisa com diferentes variedades de mandioca com apoio da FAPESP. O mais recente tinha como objetivo identificar novas variedades do tubérculo com alta produtividade e alto rendimento industrial, que possam ser usados para a produção de farinha de mandioca, amido e biomassa, com potencial para fabricação de etanol e alimentação animal.

Os outros dois finalistas do prêmio foram Marília Regini Nutti, da Embrapa Agroindústria de Alimentos, e Eder Dutra de Resende, Eliana Monteiro Soares de Oliveira e Suelen Alvarenga Regis, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.

PECUÁRIA DE CORTE: ESTUDO DA USP ELEVA PRODUÇÃO DE CARNE PARA 600 QUILOS POR HECTARE

No Brasil a produção anual média de carne gira em torno de 54 kg/ha. Pesquisa da USP sugere ser possível elevar a produção para 600 kg/ha, com lotação de até 8 animais em cada hectare de pasto

Valéria Dias
Agência USP de Notícias

[Na estiagem, dieta oferecida é a base de milho, soja, cana-de-açúcar e ureia]

Na pecuária de corte tradicional brasileira, cada hectare (ha) de terra — que equivale a 10 mil metros quadrados (m²) — é usado para a pastagem de um único animal, levando a uma estimativa de produção anual média de carne em torno de 54 quilos (kg)/ha. Porém, neste mesmo espaço, quase do tamanho de um campo de futebol, é possível criar, ao mesmo tempo, 8 animais e ainda assim elevar a produção de carne para 600 Kg/ha ao ano. Essa alta produtividade pode ser encontrada no sistema de pastagens de alta lotação de animais, desenvolvido na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, em Pirassununga.

“Essa produção elevada decorre de uma série de fatores que incluem, entre outros, nível alto de adubação da pastagem com nitrogênio e o confinamento do gado durante os meses de inverno. Nesse período de estiagem, o gado recebe uma dieta a base de milho, soja, cana-de-açúcar e ureia a fim de levar a um desempenho máximo dos animais”, explica o professor Luis Felipe Prada e Silva, do Laboratório de Pesquisa de Gado de Corte, do Departamento de Nutrição e Produção Animal (VNP) da FMVZ.

De acordo com o professor, “Dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes [ABIEC] indicam que, no Brasil, em 2010, foram produzidas 9,2 milhões de toneladas de carne em equivalentes de carcaça. Se dividirmos este número por 170 milhões de hectares, que é a área de pasto existente no país, chegaremos ao número de produção anual de carne de 54 Kg/ha”, esclarece.

Prada e Silva comenta que, atualmente, a pecuária de corte tradicional, no estado de São Paulo, está deixando de ser atrativa, pois não consegue ser tão competitiva em relação ao cultivo de cana-de-açúcar ou laranja, ou mesmo à pecuária leiteira. “A criação de gado de corte está mudando para o norte do País, em regiões de terras mais baratas e de fronteira. Com isso, há uma intensificação do desmatamento de florestas. Vende-se a madeira de forma a ocupar a área desmatada com pastos destinados a pecuária de corte”, explica o coordenador do Laboratório.

[Sistema começou a ser implantado em 2009 numa área de 25 hectares do campus de Pirassununga]

No entanto, como mostram os estudos da FMVZ, é possível sim inverter este quadro. “Nosso objetivo é promover a intensificação da pecuária de corte, tornando possível que um número maior de animais sejam criados numa mesma área, com alta produtividade”, destaca o professor. Os professores Augusto Hauber Gameiro e Angélica Pereira, do VNP, também integram o projeto, além de cerca de 15 pesquisadores, entre mestrandos e doutorandos, que desenvolvem estudos com o grupo.

Uma dessas pesquisas foi desenvolvida pelo pesquisador Rinaldo Rodrigues. Orientado pelo professor Gameiro, Rodrigues realizou, durante o seu mestrado, uma análise econômica da iniciativa implantada no campus de Pirassununga. A conclusão do trabalho é que o sistema de pastagens de alta lotação de animais é competitivo mesmo em regiões de terras mais caras utilizadas para a plantação de laranja e cana-de-açúcar.

Diferenciais

O sistema começou a ser implantado em 2009 numa área de 25 ha do campus de Pirassununga e passou a funcionar plenamente em 2010. A criação, atualmente, conta com 240 animais, de bezerros a animais adultos. A maioria é criada no pasto. Já os machos adultos próximos ao abate (de 16 a 20 meses) ficam em confinamento. “A média nacional para o abate de machos é de 36 a 48 meses”, informa o pesquisador.

No sistema desenvolvido na USP, as fêmeas têm a primeira cria aos 24 meses. No Brasil, isso ocorre, em média, entre os 36 e os 48 meses. A fertilidade também é outro diferencial: na média brasileira, a cada 100 vacas expostas aos touros, entre 50% a 60% ficarão prenhes. No sistema implantado na FMVZ, esse índice é de 90%.

[Adubação do pasto é essencial para a alta produtividade. FMVZ já utilizou 300 quilos de nitrogênio por hectare ao ano]

A adubação do pasto é outro ponto importante. “A maioria dos pecuaristas não cultivam o hábito de adubar o pasto. Em nosso sistema, chegamos a utilizar cerca de 300 quilos de nitrogênio por hectare ao ano”, destaca.

Para os pesquisadores da USP, existem formas eficientes de prevenir o desmatamento das florestas do norte do País. “Isso pode ser feito fornecendo crédito para os pecuaristas investirem em suas propriedades a fim de se adaptarem ao sistema de pastagens de alta lotação de animais”, diz. Segundo o professor, o investimento ficaria em torno de R$5 mil por ha para a adaptação da propriedade ao confinamento, manutenção de pastos, cochos, sem contar o valor dos animais. “Nossos estudos indicam que a taxa interna de retorno [lucro] é de 11% ao ano. Vale lembrar que a aplicação na poupança traz um retorno de cerca de 7%.”

Imagens cedidas pelo pesquisador