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Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

26 novembro 2011

A NOVA ONDA DE IMIGRAÇÃO PARA O BRASIL

Brasil vira meca para mão de obra imigrante

Pablo Pereira, O Estado de S. Paulo

[Arthur Fuchs, da Efacec: 'Nós já trouxemos em 2011 entre 10 e 15 pessoas. Foto: Werther Santana/AE]

O agravamento do quadro econômico internacional nos últimos meses e o crescimento interno brasileiro colocaram o Brasil na rota da imigração de trabalhadores. Dados do Ministério da Justiça mostram um aumento de 52,5% no número de regularização de estrangeiros que buscam uma oportunidade de vida no País, saltando de 961 mil registros em 2010 para 1,466 milhão até junho. Portugueses, bolivianos, chineses e paraguaios lideram os índices de elevação da regularização do Departamento de Estrangeiros do Ministério. E a concessão de nacionalidade brasileira dobrou. Subiu de 1.119 (em 2008) para 2.116 novos brasileiros (em 2010).

No Brasil, os estrangeiros que mais procuram oportunidades de trabalho são os portugueses. No ano passado, a regularização de passaportes pelo Ministério da Justiça contemplou 276.703 portugueses até junho. De janeiro a junho deste ano, esse número pulou para 328.826 mil" 52.123 a mais do que no período anterior. Em seguida, aparecem os bolivianos. O Brasil acertou a situação de 35.092 deles em 2010 e outros 50.640 agora, em 2011. E há ainda crescimento no reconhecimento da migração de chineses e paraguaios.

Para o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, a crescente procura por oportunidades de trabalho no Brasil é resultado de uma mistura entre o momento da economia brasileira e a crise do emprego nos países centrais. Segundo Abrão, há ainda dois aspectos relevantes. Do ponto de vista político, o Brasil adquiriu maior visibilidade internacional e teremos também importantes eventos nos próximos anosâs, observa, referindo-se à Copa do Mundo e à Olimpíada. Por outro lado, argumenta, há a forte demanda de empresas brasileiras que se beneficiam com a chegada de profissionais de alta qualificação.

Números do Ministério do Trabalho também apontam esse aumento de estrangeiros no mercado de trabalho formal. O País tem hoje taxas de desemprego na casa dos 6%, que é próximo do chamado pleno emprego. Segundo estudos do ministério, o total de autorização temporária para estrangeiros passou de 40 mil em 2009 para 53 mil em 2010. Comparados só os dois últimos primeiros semestres, a tendência se mantém. No primeiro semestre de 2010 foram 20 mil. No mesmo período de 2011, 24,6 mil.

Houve aumento também na concessão para permanentes. De 1.428 (janeiro-junho de 2010) para 1.861 (janeiro-junho de 2011), segundo o Ministério do Trabalho. O número de especialistas com vínculo empregatício foi de 1.714 (janeiro-junho de 2010) para 2.024 (janeiro-junho de 2011). E entre os trabalhadores estrangeiros com prazo de 90 dias de autorização, sem vínculo empregatício, classificados também no item “assistência técnica, o número subiu de 3,7 mil para 5 mil.

Nas autorizações de trabalho permanente para profissionais como diretores de empresas e gerentes, o Brasil inclui cerca de 700 deles por semestre em seu mercado de trabalho. Os estrangeiros da categoria investidor pessoa física são cerca de 430 a mais por semestre, segundo o Ministério do Trabalho.

O Brasil tem tradição de receptividade. Somos vistos como um país aberto, democrático, receptivo. O Brasil sempre foi um país de imigração, justifica Abrão. Ele afirma também que não há preocupação do governo com relação a esse movimento. Ao contrário. Os imigrantes sempre cumpriram um papel fundamental. Tivemos somente um único período da nossa história no qual o número de emigrantes foi superior ao número de imigrantes, que coincide com um período da época de recessão entre 80 e 90, lembra Abrão.

Nós já trouxemos em 2011 entre 10 e 15 pessoas, afirma Artur Fuchs, brasileiro, presidente para a América Latina da Efacec, multinacional portuguesa da área de energia, engenharia e logística, com operações no Brasil. Segundo Fuchs, a crise de emprego na Europa está disponibilizando mão de obra altamente qualificada para o Brasil. Ele declara que o ambiente é favorável também porque Portugal tem excelência na formação. E o câmbio também ajuda a pagar salários a profissionais europeus, diz o presidente da Efacec.

Os salários para esses profissionais qualificados são variados, explica o CEO. Executivos do mercado de trabalho calculam que um profissional estrangeiro especializado está chegando a preços que variam entre R$ 5 mil e R$ 10 mil mensais.

Para o professor José Pastore, da USP, o diagnóstico federal está correto. Mas o aumento é de mais de 50%, avalia Pastore. Em 2010, foram cerca de 25 mil autorizações e em 2011 chegaremos perto de 50 mil. Ainda é pouco para o tamanho da força de trabalho no Brasil (100 milhões), mas o crescimento é acelerado.

Os principais setores de atração, segundo Pastore, são químico, petroquímico, energia de modo geral, setor financeiro e auditores. Para Pastore, os dados de emprego de estrangeiros mostram que há grande parte das autorizações referente a pessoal embarcado “ tripulantes de navios estrangeiros que devem se registrar para poder trabalhar na costa brasileira. “Isso distorce os dados finais. Não se trata apenas de mão de obra qualificada. Mas a maior parte dos que vêm são qualificados, afirma.

Segundo o último relatório de emprego da agência europeia Eurostat, de outubro, a Europa vive sua pior crise de desemprego desde 1998. Há hoje 16,2 milhões de pessoas sem trabalho na região. A maior taxa por país foi registrada na Espanha: 22,6%. Em Portugal, 12,5%. Na Grécia, pivô do agravamento da crise econômica em outubro, o desemprego em julho chegou a 18%

'O País está no caminho certo', diz imigrante português

[O português Marcos Pereira no trabalho, na região central de São Paulo. Foto: Ayrton Vignola/AE]

Ele ainda está se acostumando com o tamanho de São Paulo. Chegou ao Brasil em junho, viveu em hotel até agosto, quando alugou um apartamento em Perdizes, zona oeste, para trazer a mulher, Mónica, e a filhinha, Leonor, de 3 anos. Marcos Pereira, de 36 anos, português, nascido e criado até os 10 anos na Alemanha, é formado em eletrotécnica em Portugal e deixou a pequena cidade Vila das Aves, a cerca de 40 quilômetros do Porto, para gerenciar um projeto de modernização das Linhas 2 e 7 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) em São Paulo.

Pereira foi contratado por dois anos pela Efacec, empresa portuguesa que tem negócios no Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, Estados Unidos e Europa, na área de energia e transportes. Operador de um projeto do metrô do Porto, foi chamado para trabalhar no Brasil após o final da obra de extensão na cidade, que fica ao norte de Portugal.

Ele ainda não sabe por quanto tempo vai ficar no País. A empresa cuidou dos trâmites legais da imigração e o futuro depende do andamento dos negócios da Efacec. Há colegas dele, na própria Efacec, que vieram para trabalhar por dois anos, mas estenderam a estadia.

O português migrante ainda estranha o gigantismo da metrópole paulista ao olhar pela janela do 28.º andar do prédio da Rua Líbero Badaró, no centro. "Na minha vila não há edifícios assim", diz, observando a região. Ele estranha especialmente o trânsito. Mas elogia a limitação da velocidade dentro da cidade. "Assim é mais fácil conduzir", argumenta – querendo dizer "dirigir".

A mulher, professora, ocupa o tempo nos cuidados com a filha, que deve ser aceita na escola somente em fevereiro. "Ela está a buscar", continua Pereira, explicando que a mulher procura oportunidade de trabalho "com educação infantil" para quando Leonor for para o colégio. Por enquanto, diz, "a menina ainda está a precisar dos sonos, das sestas".

Cooperação

Nesta fase da adaptação, a família procura mesmo é entender o ambiente brasileiro. Mónica, que é de Peniche, no litoral, a cerca de 100 quilômetros de Lisboa, também não conhecia o Brasil. "Pouco saímos de casa. Despendemos o tempo livre com a oferta cultural infantil, que nesta cidade é incrível", afirma Pereira.

O português diz que a situação na Europa está difícil, que "o Brasil está no caminho certo", e que deve melhorar muito nos próximos anos. Pereira conta que a opção por trabalhar no País, que ele não conhecia, foi feita por causa do idioma. "Para a adaptação da família à língua", explica.

No trabalho, está contente com o que encontrou. "Os portugueses são muito exigentes consigo mesmo. Já o jeito dos brasileiros é diferente. Os brasileiros facilitam a cooperação, a integração. E isso contribui muito para o resultado do trabalho. As pessoas unem-se para fazer acontecer", afirma.

IMIGRAÇÃO HAITIANA PARA O BRASIL

Na fuga da tragédia, a porta para os haitianos. Por Tabatinga, grupos de 20 a 30 pessoas chegam a Manaus duas vezes por semana

Pablo Pereira, O Estado de S.Paulo

[A freita Santina Perin (esq.), com refugiados: 'Eles estão acuados e deprimidos' - Foto: Alberto Cesar Araujo/AE]

Além de transformar o País em sonho de empregos para europeus e asiáticos, que chegam ao Brasil com o status de imigrante, a recuperação da economia nacional atrai também vítimas de tragédias. É o caso dos cidadãos do Haiti, país caribenho devastado em janeiro de 2010 por um terremoto. O volume de haitianos que migram à procura de ajuda humanitária é crescente nos últimos meses. Eles estão em uma categoria especial de migração, a dos refugiados. Embora não estejam enquadrados nas premissas básicas dos refugiados - a da ameaça política, que justifica o pedido legal de refúgio -, os haitianos recebem atenção diferenciada e autorização para trabalhar.

A principal porta de entrada dessa população, que até o primeiro semestre era principalmente de homens jovens, tem sido a fronteira amazônica de Tabatinga, divisa com Peru e Colômbia. E agora estão chegando com mulheres e filhos. De acordo com o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, a questão dos haitianos é extraordinária.

"O Conselho Nacional já tomou uma deliberação e nós já regularizamos mais de 500 haitianos", explica o secretário. Segundo ele, "a demanda é alta e a capacidade operativa do Estado brasileiro nem sempre está preparada" para o atendimento. "Mas a atitude tomada nos primeiros 500 casos mostra qual tem sido a diretriz. O Brasil tem responsabilidades com a situação do Haiti."

Os haitianos chegam a Manaus duas vezes por semana, em grupos de 20 a 30 pessoas, embarcados em Tabatinga. Do porto, vão direto para a Paróquia São Geraldo, no centro da capital, em busca de ajuda para sobreviver na nova pátria. Nos últimos dias, o fluxo de pedidos de permanência aumentou e o perfil dos viajantes mudou. Os padres já têm mais de 2.500 cadastrados que buscam auxílio de moradia e alimentação e passaram a receber mulheres e crianças.

"Já registramos 480 grupos de 4 ou 5 pessoas", afirma o padre Valdecir Molinari, um dos religiosos que lidam todos os dias com uma diáspora que só cresce nos últimos meses. "A situação está muito difícil", afirmou o religioso, pelo telefone, na quinta-feira, lembrando que as levas de haitianos chegam duas vezes por semana, terças-feiras e sábados, nos barcos que partem de Tabatinga.

Desamparo. "O Haiti é um país bem pobre, e lidei com muita tristeza nos anos que trabalhei lá, mas os que estão aqui estão numa condição bem pior dos que aqueles encontrados lá: estão acuados e deprimidos, tendo de pedir abrigo", conta a religiosa Santina Perin.

A maior parte dos imigrantes chega pelo Peru. Eles alugam casas em Tabatinga, onde permanecem à espera da documentação provisória, válida por 90 dias, concedida pelo governo brasileiro, em processos administrados pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça.

Precisando de ajuda diária para sobreviver, os haitianos procuram a Igreja. "Distribuímos aqui 160 kg de feijão, 160 kg de açúcar, 600 kg de arroz, 300 kg de macarrão e 160 latas de óleo", explica o padre Valdecir. Segundo a religiosa Arceolídia de Souza, que trabalha com essa comunidade de migrantes, 90% deles são homens na faixa de 24 a 28 anos.

O fluxo em busca de auxílio brasileiro se intensificou no segundo semestre do ano passado, mas agora, um ano depois, é praticamente constante. A média de entrada, no mês de outubro, foi de 9 haitianos por dia. Em setembro eram 7,5 por dia e em agosto, 6,8.

O número de atendimentos no posto brasileiro de fronteira em 2010 foi de 456 haitianos. A procura pelo menos quadruplicou em 2011. Até o dia 11, 1.605 pessoas pediram documentos e há uma lista de 685 à espera de atendimento na fronteira.

Sonhos e aflições de quem acabou de chegar

Desafio: Falar o português,primeira tarefa de todos

Pablo Pereira, O Estado de S.Paulo

Haitiana e "amazonense de coração" há 28 anos, a enfermeira Marie Ketly Vibert Franceschi, de 58, criou há seis meses a Associação dos Trabalhadores Haitianos no Amazonas.

A entidade tem CNPJ, mas não conseguiu ainda construir uma sede própria. "Lutamos para ter essa sede porque queremos ser um porto seguro para tentar encaminhar outros haitianos que chegam na cidade em busca de postos de trabalho", diz a enfermeira.

De acordo com a Polícia Federal, pelo menos 30 haitianos procuram a sede em Manaus, a cada dia, para conseguir vistos provisórios. Marie costuma abordá-los lá ou nas igrejas, porto seguro de todos os haitianos que chegam à capital amazonense depois de passar pelo primeiro anfitrião no País - o padre Gonçalo, em Tabatinga, na fronteira do Brasil com a Colômbia.

"Alguns dos que chegam são muito desconfiados, mas se sentem seguros quando percebem que falo a língua deles", diz. Segundo Marie, embora o Ministério do Trabalho no Amazonas tenha organizado uma força-tarefa para ajudar os haitianos na cidade, ainda há muito a ser feito. "O imprescindível é ajudar com cursos de português assim que chegam".

Santina, a freira, tradutora e 'mãe' das haitianas

A freira gaúcha Santina Perin, de 71 anos, morou 22 anos no Haiti e voltou de lá para o Rio Grande do Sul apenas dois meses antes do terremoto. De lá, sua congregação, a Sagrado Coração de Maria, enviou-a para Manaus logo que os primeiros haitianos começaram a chegar à cidade, depois do terremoto. Ela é a tradutora oficial do creole (o dialeto do Haiti) no grupo de padres e freiras católicas que oferecem teto, comida e toda espécie de ajuda aos haitianos no Amazonas.

Foi dispondo de suas "últimas economias" que a freira Santina chegou a Manaus. Ela mora numa casa ao lado de um dos dez abrigos de imigrantes mantidos pela Igreja Católica, onde vivem hoje 30 mulheres haitianas que chegaram sozinhas. "A maioria é de homens, por isso reservamos uma casa só para elas", explica. Há quatro bebês na casa e duas crianças de 12 anos.

Todas na casa estão aprendendo a bordar, num curso promovido pelo governo do Estado. "Pelo menos onze delas estão empregadas em casas de família. Penam pela diferença de língua, mas são muito trabalhadoras e prendadas", afirma Santina. Para ela, antes de trabalho, as haitianas precisam aprender o português - mas os cursos ainda não atendem a todos. / L.A.

Monique viajou grávida e cria o 1º 'haitiano brasileiro'

Os três filhos maiores de idade ficaram no Haiti, mas Agnaldo veio para o Brasil no ventre da mãe, Marie Monique Demexat Valerius, de 40 anos. Há quase nove meses, o menino nasceu em uma maternidade pública de Manaus e foi o primeiro bebê de pais haitianos nascido em solo brasileiro, segundo os padres que atuam nas igrejas católicas que recebem os imigrantes.

"Foi duro fazer tão longa viagem grávida, mas valeu a pena porque, apesar das dificuldades, este País tem sido muito solidário com a gente", diz Marie. Ela e o marido, Anoux Valerius, de 41 anos, estão amadurecendo a ideia de mudar para São Paulo. "É que sou motorista e mecânico e aqui, até agora, só consegui emprego de faxineiro", diz o haitiano.

Valerius se diz feliz por ter conseguido trabalho, mas sonha em voltar a exercer sua profissão. "Quero conseguir mandar dinheiro para meus filhos e, nosso sonho, trazer os três para o Brasil: Besson e as meninas Minerve e Mickerlange."

Pesquisador critica política de refúgio

Pablo Pereira, O Estado de S.Paulo

Mas nem tudo é festa e motivo de otimismo na migração estrangeira para o Brasil. "Falta muito para sermos solidários", afirma o pesquisador Alex André Vargem, que estuda a imigração africana para o Brasil. Graduado em Ciências Sociais na PUC-SP e com formação em Direito Internacional dos Refugiados pelo International Institute of Humanitarian Law, na Itália, ele critica a política brasileira para africanos e a forma como funcionários públicos do País tratam os imigrantes nos postos de entrada.

"Os imigrantes não são informados de seus direitos quando chegam aqui", diz Vargem. "É comum encontrar entre eles aqueles que não sabem quais são as possibilidades de imigração segundo as regras internacionais." Na opinião do pesquisador, o Brasil "não é essa maravilha toda" apresentada oficialmente pelo governo federal. "Os africanos, por exemplo, são vistos como migrantes indesejáveis", declara.

Ele lembra que há dois grupos diferentes de migrantes: os que migram por questões econômicas ou por decisão própria de mudar de vida e aqueles que são forçados a deixar seus países. Neste último caso estão muitos dos africanos que chegam ao Brasil escondidos em navios. De acordo com o pesquisador, o governo brasileiro não atende às regras internacionais que pregam a concessão de refúgio e impede a entrada e a permanência legal desses cidadãos em situação de perigo.

Segundo os estudos de Vargem, o Brasil concede refúgio a estrangeiros nos mesmos níveis dos Estados Unidos, ou seja, em torno de 35% dos pedidos recebidos. "E 65% das solicitações são rejeitadas", ressalta ele. Mesmo a Itália, que tem forte pressão interna contrária a imigrantes, costuma conceder refúgio a 52% dos pedidos. O pesquisador, que é membro da ONG Instituto do Desenvolvimento da Diáspora Africana no Brasil (IDDAB), afirma que há hoje em todo o mundo um forte questionamento sobre os acordos internacionais de direito ao refúgio. "É uma legislação que está em xeque no mundo", ressalta.

No que se refere à conduta do governo brasileiro, Vargem é duro. Defende uma revisão da política de anistia aos estrangeiros, mais transparência no processo de concessão de refúgio existente no Conare e o fim das taxas para estrangeiros que não podem pagar pelos documentos exigidos. De acordo com os dados dele, há hoje no País cerca de 600 mil ilegais. "A cantada solidariedade brasileira é uma falácia", critica. "Há preconceito contra ao africanos."

Receptividade. O secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão discorda da avaliação do pesquisador. "Se você pegar os números brutos das nossas repatriações ou deportações, elas são infinitamente menores, proporcionalmente, do que em outros países", afirma Abrão. "Por vezes, países europeus têm números mensais que são dez vezes maiores do que os nossos anuais. No ano passado, deportamos 175 estrangeiros, e repatriamos 136. Somados, não são nem 10% de um único país."

23 novembro 2011

A IMPUNIDADE NA JUSTIÇA BRASILEIRA

Ex-deputado Talvane Albuquerque e os quatro executores do crime serão julgados em janeiro. Processo sofreu várias reviravoltas, envolvendo conflitos de competência entre a Justiça Federal e a Estadual, além de sucessivos recursos movidos pelos réus. Mesmo após a confissão de participantes do assassinato e a conclusão da investigação, o caso ainda não teve um desfecho e os réus estão até hoje em liberdade..

Assassinos de deputada vão a júri após 13 anos.

Vannildo Mendes & Felipe Recondo
O Estado de S. Paulo

Passados quase 13 anos do assassinato da deputada Ceci Cunha (PSDB-AL) - fuzilada com o marido e dois parentes em casa -, a Justiça enfim vai levar os assassinos ao banco dos réus. O júri popular foi marcado este mês para o dia 16 de janeiro de 2012.

O julgamento fechará assim um dos dez casos de impunidade, selecionados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que mais afetam hoje a credibilidade do Poder Judiciário e mancham a imagem do País no exterior.

O ex-deputado Talvane Albuquerque, acusado de ser o mandante do crime, e os quatro suspeitos apontados como autores não têm mais chance de adiar o julgamento. O juiz André Granja, da 1.ª Vara Federal de Alagoas, decidiu que novos recursos, sempre possíveis no sistema penal brasileiro, não terão efeito suspensivo e só serão apreciados depois do julgamento.

Em mais de 12 anos de tramitação, o processo sofreu várias reviravoltas, envolvendo conflitos de competência entre a Justiça Federal e a Estadual, além de sucessivos recursos movidos pelos réus, o que atravancou a ação. Mesmo após a confissão de participantes do assassinato e a conclusão da investigação, o caso ainda não teve um desfecho e os réus estão até hoje em liberdade.

Na varanda. O processo, que forma uma pilha mais de 6 mil páginas em 29 volumes, passou pelas mãos de uma dúzia de magistrados de primeira e segunda instância, além de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Entre idas e vindas, a causa tramitou seis anos na Justiça estadual, até ser reconhecida a competência federal.

Robusto conjunto de provas levantadas pelo Ministério Público não deixa dúvida de que Talvane foi o mandante do crime. A motivação estava ligada ao cargo na Câmara que Ceci conquistara nas urnas. Primeiro suplente, Talvane precisava do mandato e da imunidade em razão de outros processos a que respondia na Justiça, inclusive por assassinato de um radialista em 1994.

Ceci foi morta na noite de 16 de dezembro de 1998. Após a solenidade de diplomação, em Maceió, ela foi visitar a irmã, que acabara de ganhar bebê, no bairro Gruta de Lourdes. A varanda da casa, onde todos conversavam, foi invadida por três assessores de Talvane armados de revólveres e pistolas. Jadielson Barbosa da Silva, Alécio César Alves e José Alexandre dos Santos fizeram dezenas de disparos, não dando chance de defesa às vítimas.

Além de Ceci, foram fuzilados seu marido, Juvenal Cunha, o cunhado Iran Maranhão e a mãe deste, Ítala Maranhão. Escaparam com vida apenas a irmã da deputada e o bebê. Depois do massacre, conforme as investigações, os assessores de Talvane seguiram para a cidade de Satuba, a 30 quilômetros de Maceió, onde encontraram Mendonça Medeiros, também assessor do deputado e principal operador da ação. Medeiros queimou o Uno verde usado na fuga dos criminosos.

Filho de Ceci Cunha desabafa: "Não há dúvidas sobre a autoria, eles serão condenados"

Agência Alagoas
por Teresa Cristina/cadaminuto.com.br

Após o anúncio da realização do júri popular dos acusados de matar a deputada federal Ceci Cunha, parentes da parlamentar se dizem aliviados com a decisão. Segundo Rodrigo Cunha, filho de Ceci, a família nunca perdeu a esperança de que os suspeitos fossem julgados e condenados, mesmo passados 13 anos do assassinato.

"A gente sempre acreditou e sempre fez de tudo para que esse júri acontecesse", afirmou Rodrigo à reportagem do CadaMinuto. O filho de Ceci disse que, mesmo com tantas brechas na lei que abriram espaço para os recursos impetrado pela defesa dos suspeitos, acredita na condenação dos acusados.

"O processo ficou parado por questões jurídicas, mas não há dúvidas sobre a autoria do crime. Estamos confiantes que os indiciados serão condenados.

O ex-deputado federal Talvane Luiz Gama de Albuquerque Neto, acusado pelo Ministério Público Federal de ser o mandante do crime, Jadielson Barbosa da Silva, Alécio César Alves Vasco, José Alexandre dos Santos e Mendonça Medeiros Silva são os réus no processo.

O crime

Na noite do dia 16 de dezembro de 1998, horas depois de ser diplomada deputada federal pelo PSDB de Alagoas, a médica Ceci Cunha estava na casa do cunhado Iran Carlos Maranhão, no bairro Gruta de Lourdes, em Maceió, em companhia do marido, Juvenal Cunha, e da mãe de Iran, Ítala Maranhão, onde comemoraria a eleição, quando foi morta a tiros por pistoleiros.

As outras três pessoas também foram assassinadas. Ceci Cunha foi atingida na nuca e morreu instantaneamente.

De acordo com a acusação do Ministério Público Federal, o então deputado Talvane Albuquerque, na época filiado ao PTN e suplente de Ceci na Câmara, foi apontado como mandante do crime.

Na interpretação do MPF, ele queria o cargo e a imunidade parlamentar que dele adviria. Os assessores e seguranças de Albuquerque, Jadielson Barbosa da Silva, Alécio César Alves Vasco, José Alexandre dos Santos e Mendonça Medeiros da Silva, foram apontados pelo MPF como executores.

A defesa dos acusados nega a autoria do crime.

22 novembro 2011

'O PDT É UM PARTIDO SEM ALMA', DIZ HISTORIADORA

Para pesquisadora, partido foi "comido" de um lado pelo PT e de outro pelo PMDB

Luciana Nunes Leal
O Estado de S. Paulo

Enfraquecido pelas denúncias de fraudes nos contratos de ONGs com o Ministério do Trabalho, que ocupa desde 2007, e dividido quanto à permanência do ministro Carlos Lupi no governo, o PDT nasceu há 31 anos como tentativa de "modernização" do trabalhismo de Getúlio Vargas, mas esbarrou nas velhas marcas da centralização e dos líderes absolutos. Viu o PT assumir o domínio do movimento sindical e, em 2004, com a morte de seu fundador, Leonel Brizola, perdeu ainda mais a identidade. "É um partido sem alma", define a historiadora Marly da Silva Motta, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Para a pesquisadora, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entregou ao PDT um Ministério do Trabalho totalmente esvaziado, característica que se mantém no governo de Dilma Rousseff. Segundo ela, seja qual for o destino de Lupi, "o tranco é muito grande" para o partido.

Entre a criação do PDT por Brizola, em 1980, e as recentes denúncias no Ministério do Trabalho, o que ainda existe do trabalhismo brasileiro?

Uma das características mais interessantes da redemocratização era o que fazer com a herança trabalhista da República democrática de 1946 a 1964. Era uma herança disputada por correntes políticas que englobavam setores variados, o que, aliás, foi uma característica do trabalhismo: mantinha um perfil ideológico afinado com a esquerda, mas tinha muitos seguidores diferentes. Há interpretações e depoimentos que dizem que, ao contrário do que imaginamos, Brizola não queria o PTB. Ele queria incorporar às bandeiras tradicionais do trabalhismo - carteira de trabalho, férias remuneradas, CLT - valores mais modernos. Dar uma nova cara ao trabalhismo do PTB. Brizola se apresentou como vítima (quando perdeu a legenda para Ivete Vargas), mas não achou ruim se livrar um pouco da parentela Vargas, que era a marca do trabalhismo. Quis incorporar uma nova marca, o PDT, só que tinha de enfrentar as urnas. E a tradição de competição eleitoral trazida do trabalhismo era dos grandes líderes, de puxadores de voto.

O PDT acabou marcado por esse domínio de um grande líder. Por quê?

Os limites da modernidade esbarraram na visão personalista, carismática, centralizadora, que era a marca do antigo PTB. Brizola talvez seja o exemplo máximo, mas era uma geração formada nessa visão. Quando passou a olhar a possibilidade da Presidência, que Brizola sempre teve em mente, o PT foi na direção da capilaridade, para entrar, via Igreja e movimentos sociais, no interior do País e em outras regiões. O PDT não fez. Provavelmente essa terá sido a grande diferença do projeto nacional do PT que deu certo e do fracasso do PDT. Brizola buscou sustentação nos grandes centros.

E o PT tinha base no movimento sindical. Foi o maior prejuízo para o PDT?

Brizola teve enormes dificuldades com o movimento sindical organizado. Subestimou a entrada do PT. Achava que ia ser recebido de braços abertos pela tradição trabalhista e foi surpreendido. E o PT acabou se apoderando da base sindical. Em certo momento (no fim dos anos 80), começou a haver uma dissensão no PDT entre os velhos trabalhistas e o grupo com uma visão mais modernizadora, com representação não apenas pela via partidária, mas pela via dos movimentos sociais. O trabalhismo passou a ser associado ao que era velho. E os grupos do PDT mais ligados a movimentos sociais, como Saturnino Braga, se afastaram.

E como Lupi emerge no partido?

Acho que veio por esse viés da tradição trabalhista. Centralizador, pessoa simples, o jeito do povo. Brizola não tinha instrumentos políticos para aglutinar tendências diferentes. Ao contrário do Lula, Brizola não soube conciliar, conviver. Resultado: o grupo socialista saiu do PDT e ficaram os trabalhistas que não tinham acesso a outros partidos.

Se não fosse a proximidade com Brizola, Lupi teria destaque no PDT?

Na União Soviética, tinha um termo, apparatchik, para aqueles quadros que não têm muita cultura, mas circulam em torno dos grandes líderes. Boris Yeltsin era um apparatchik. Lupi se aproxima do lado do PDT formado por pessoas que não se expressam bem, não têm fervor ideológico e, nessa condição, é um bom membro partidário, organizador, extremamente fiel a Brizola. Faz lembrar o papel do Gregório (Fortunato, chefe da guarda pessoal de Vargas) com o Getúlio. Ele penteava o cabelo de Getúlio e chegou a ser influente na era Vargas. Quando o PDT foi perdendo expressão, permaneceram, de um lado, pessoas como Miro Teixeira, que tem atuação independente e eleitorado próprio, e de outro ascenderam pessoas como o Lupi. Se a gente olhar por um lado, foi uma democratização do partido. É uma pessoa de pouca instrução, que não conhece muito bem as regras do comportamento político, que choca.

O fato de ser presidente do PDT foi decisivo para Lupi chegar ao Ministério do Trabalho?

A verdade é que a questão do trabalho não é decidida no Ministério do Trabalho. As grandes discussões trabalhistas passam por outras instâncias do governo e pela relação direta entre Lula e as lideranças sindicais. Lula botou o PDT no Ministério do Trabalho porque é um partido de tradição trabalhista, o Lupi tem esse perfil, supostamente é afinado com os pobres, com a classe C. Mas as decisões não passam pelo ministério. O ministério acaba ficando nesse jogo de ONGs, de capacitação de trabalhadores. Certamente se isso (as denúncias) acontecesse no governo Lula, não daria em nada. Lula logo ia dizer que era preconceito, que estavam batendo no Lupi porque ele é pobre, porque fala mal, porque é feio. O problema não é esse. Acho que esse caso está tendo repercussão porque Lupi é o sétimo (ministro a cair, se deixar o ministério). Se fosse o primeiro, em um estalar de dedos teria saído, porque ele não tem força no PDT.

Mesmo sendo o presidente licenciado do partido?

Você tem claramente dois PDTs, que continuam uma tendência que vem desde sua formação. Quando Brizola morreu e não havia substituto, o espaço começou a ser articulado por um tipo de liderança como o Lupi, que não veio pelo carisma.

Que futuro imagina para o PDT?

Acho que vai ficar como o DEM. O PFL perdeu o nome e perdeu a alma. O PDT manteve o nome, mas perdeu a alma.

21 novembro 2011

A GUERRA DAS DROGAS

"Como o crime, a pauta do Brasil modificou-se. Não se pode dizer que o Rio está dominado, mas já está sendo ocupado, e é essa a boa notícia. Um povo também muda a pauta"

Mac Margolis*
O Estado de S. Paulo

No Rio de Janeiro, onde a pobreza e a prosperidade se esfregam, Robin Hood usa chinelo Havaiana, boné de beisebol e uma submetralhadora Uzi. Chama-se Meio Quilo, Cabeludo, e Buzunga e sua floresta de Sherwood é a favela. Para sustentar seu reinado, lança mão de pavor e favor, tirando de quem tem para dar a quem ele quiser...

Escrevi essas frases em 1988, na primeira vez que abordei o tema do tráfico, com mistura de espanto, curiosidade intensa e a convicção de que tamanha barbaridade, em tamanho país, não poderia continuar. Ao longo dos anos seguintes, voltei ao tema, não sei quantas vezes. Trocando de morro e das alcunhas dos bandidos, é claro, mas já sem o espanto, muito menos a convicção original.

Quando o repórter vira um disco arranhado, está na hora de se mexer. Mas foi o Rio que se mexeu. Hoje, o Rio já contabiliza 18 zonas pacificadas.

A Rocinha, outrora feudo de Buzunga e seus herdeiros, deita e acorda sem tiroteio. Logo mais, será a vez do gigantesco Complexo da Maré, uma dezena de favelas agarradas como um torniquete em volta da Avenida Brasil e a Linha Vermelha, vias expressas que ligam a capital carioca com o mundo.

Ainda não se sabe o desfecho desse novo enredo, mas os cariocas experimentam um raro momento de paz e ordem em bairros que, enfim, prometem fazer jus aos belos nomes fantasia. Rocinha, Mangueira, Providência, Babilônia, Chácara do Céu: morro a morro, os castelos de crime balançam.

Mudança definitiva? Depende. No início dos anos 90, recebi um amigo americano, um professor universitário, em sua primeira viagem ao País. Ele quis conhecer o Rio morro acima e fomos à Rocinha, cartão-postal da cidade partida. "Qual é o pacto que sustenta tudo isso?", questionou-me lá no alto, de onde o Rio esplendoroso descortinava-se na janela de casebre.

A pergunta - ganha-pão de uma centenas de sociólogos - não é nova. Mas a explicação mais eloquente veio agora, no porta-malas de uma Toyota Corolla, onde se escondia Antônio Bonfim Lopes, o traficante Nem, descoberto numa blitz policial.

Com sua escolta, um advogado e um suposto cônsul honorário do Congo, ele tentou negociar sua liberdade, mas - eis o dado crucial - os tenentes da Polícia Militar recusaram a propina, coisa de US$ 1 milhão. Perdeu a banda podre. Vantagem para o Rio novo.

Mudança. A narrativa do jornalista também muda. Cheguei no Brasil quando havia desconfiança de palpites alheios. Eram tempos da reserva de mercado da informática e o Pal-M, linguagem de vídeo que só o Brasil entendia. Isso mudou. Para enfrentar o crime, o Rio, mais confiante, consome ideias boas de onde venham.

Lançou o "Rio, Como Vamos?", inspirada pela experiência de Bogotá, onde cidadãos fiscalizam o crime e problemas urbanos.

O país, já sem bairrismo digital, monitora o crime com sistemas de ponta de georreferenciamento e rastreia o dinheiro lavado com ajuda de computação em nuvem. Importou talento, também, como no caso do Secretário de Segurança Pública José Mariano Beltrame, gaúcho da Polícia Federal que, sem pavonice nem pirotecnia, retoma um por um territórios há anos alienados ao banditismo.

Conflito regional. A guerra das drogas continua na América Latina. Mas a batalha migrou. Robin Hood hoje é um Zeta e Sherwood Forest é a Ciudad Juárez, no México. Com favores e terror, seu bando e filiais controlam um bom pedaço do istmo centro-americano.

Desde 2006, as baixas da guerra de drogas mexicana já passam de 44 mil. Honduras e El Salvador, onde atuam as franquias dos bandidos mexicanos, têm as maiores taxas de homicídio no mundo.

Como o crime, a pauta do Brasil modificou-se. Não se pode dizer que o Rio está dominado, mas já está sendo ocupado, e é essa a boa notícia. Um povo também muda a pauta.

*Correspondente da revista Newsweek no Brasil

PARCIALIDADE PRÓ-DEVEDOR DA JUSTIÇA BRASILEIRA É MITO, PESQUISA COMPROVA

A pesquisa "Pró-devedor ou Pró-credor? Medindo o Viés dos Juízes Brasileiros" mostrou que 53,6% das decisões do STJ foram favoráveis ao credor, enquanto que 44,2% deram ganho de causa ao devedor.

Credor vence maioria das disputas

Bárbara Pombo
Valor Econômico

Apontada no mercado como uma das explicações para a alta taxa de juros e o baixo nível de crédito de longo prazo no Brasil, a instabilidade jurídica está mais ligada à falta de previsibilidade das decisões do que a uma suposta parcialidade dos juízes. A conclusão está em uma pesquisa dos economistas Luciana Luk-Tai Yueng e Paulo Furquim de Azevedo, que analisaram 1.687 recursos especiais referentes a dívidas privadas, julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) entre 1998 e 2008. A constatação é de que a Corte não favorece o devedor. Ao contrário, a jurisprudência pende um pouco mais para o lado do credor. "A existência do viés pró-devedor é usada sistematicamente como um dos motivos para o spread ser tão alto no Brasil", diz Luciana, professora e coordenadora do curso de Economia do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).

A pesquisa "Pró-devedor ou Pró-credor? Medindo o Viés dos Juízes Brasileiros" mostra que 53,6% das decisões (905 processos) foram favoráveis ao credor, enquanto que 44,2% (ou 746 recursos) deram ganho de causa ao devedor. A tendência pró-hipossuficiente foi constatada apenas nos casos em que as pessoas físicas eram as autoras dos recursos (recorrentes). Houve vitória em 50% dos casos em que a outra parte era uma empresa. Quando era uma instituição financeira, o percentual ficou em 46,17%. Nas disputas com empresas, no entanto, os bancos venceram na maioria dos casos - 70% quando era o recorrente e 63% quando era o recorrido.

Os economistas decidiram pesquisar a questão depois de lerem artigo dos colegas Pérsio Arida, Edmar Bacha e André Lara-Resende. No texto sobre crédito, taxa de juros e instabilidade jurídica, publicado em 2004, disseram que "a qualidade da garantia [dos contratos no Brasil] é fraca porque tanto a lei quanto a jurisprudência são enviesados a favor do devedor". Acrescentaram ainda que "a instabilidade jurídica reduz o crédito total disponível na economia e impede a existência de um amplo mercado de longo prazo".

Apesar da inexistência de viés, outros dois problemas são apontados como prejudiciais para o mercado de crédito brasileiro: o tempo de tramitação do processo e a discrepância de entendimentos entre as instâncias. Segundo a pesquisa, 54,3% das decisões analisadas foram reformadas total ou parcialmente pelo STJ. "A instabilidade nas regras do jogo afeta o investimento primário e a demanda pelo crédito", afirma Furquim, professor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV- EESP) e ex-integrante do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Na pesquisa, os economistas constataram ainda um alto número de ações idênticas. A maioria discutia casos de inadimplência em contas de utilidade pública e capitalização de taxa de juros. Para o doutor em direito econômico, Jairo Saddi, os questionamentos repetitivos são um grande problema dentro de um sistema judiciário que não favorece o credor também por ser "moroso e processualístico".

O Rio Grande do Sul foi o Estado que mais levou recursos ao tribunal superior. Foram 406 processos em dez anos. Na maioria dos casos, o STJ decidiu favoravelmente ao credor. O resultado é explicado pela tradição deixada pela Associação dos Juízes para a Democracia, um movimento de juízes gaúchos que, nas décadas de 1980 e 1990, pregavam o "uso alternativo da lei" para "servir aos interesses das classes oprimidas". Para os pesquisadores, isso parece indicar que os ministros têm consciência do ativismo político dos magistrados gaúchos e tentam, de alguma forma, "mitigar o erro".

De acordo com o presidente da Associação dos juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), João Ricardo dos Santos Costa, a função da Justiça pregada pelo movimento teve forte influência entre os magistrados, mas tem perdido força. "Observo que aos poucos temos decidido de acordo com a orientação do STJ", diz Costa, que critica o fato de a jurisprudência ser elaborada "de cima para baixo".

O advogado gaúcho Carlos Klein Zanini, do Matter, Neves, Boettcher & Zanini Advogados, discorda que exista um viés pró-devedor no Estado. De acordo com ele, os índices empregados na atualização de dívidas judiciais são "manifestamente elevados". "Costumo dizer que a melhor aplicação financeira hoje é em crédito que está em cobrança judicial. Qual outra aplicação rendeu mais de 23% no ano passado?"

20 novembro 2011

PEC 99: A VOLTA DA INQUISIÇÃO

Deputado Jean Wyllys questiona projeto que dá poderes a entidades religiosas

O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) criticou duramente o Projeto de Emenda Constitucional 0099/11, que dá às Associações Religiosas o poder de propor ações de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade de leis ou atos normativos. Se aprovado, os grupos religiosos poderão questionar leis favoráveis ao movimento LGBT, argumenta Wyllys.

“Não bastasse à imunidade tributária concedida às associações religiosas cristãs, estas querem, com a PEC, interferir no Poder Judiciário. Caso essa PEC vigore, qualquer ato legislativo em favor de LGBTs, de adeptos da umbanda, espiritismo ou ateísmo será contestado”.

A PEC em questão surgiu quando João Campos (PSDB-GO), presidente da Frente Parlamentar Evangélica questionou, sem sucesso, a decisão do STF sobre da união homoafetiva. A via utilizada foram os projetos de decretos legislativos (PDL), mas a Mesa da Câmara dos Deputados entendeu que a decisão do STF não era de competência do Legislativo, portanto não poderia ser revista por PDL.

A opção da bancada evangélica foi à criação de um Projeto de Emenda Constitucional. Se for aprovada, qualquer associação religiosa, ou várias delas podem propor uma ação no STF considerando, por exemplo, o casamento homoafetivo inconstitucional.

Isso, no entendimento dos opositores, fere o princípio de que o Estado é laico e não poderia beneficiar este ou aquele grupo religioso. Seria, uma tentativa de influência da religião organizada sobre o Estado, o que por si só já é inconstitucional. Mesmo assim, 186 deputados assinaram a PEC, permitindo assim que ela pudesse tramitar na Câmara.

Além do deputado Jean Wyllis, vários grupos que afirmam defender as minorias (religiosas, sexuais, etc.) se manifestaram contrários, alegando que os membros da bancada evangélica “querem impor um único modelo de religião cristã, que é diversa também, aos que não compartilham de suas filosofias e ideologias. O Governo pouco tem feito para proteger as minorias. Nada o impede que não o faça no futuro, mas o que mostra é que, quando precisam atuar neste campo, precisam da bênção dos caciques políticos evangélicos para se protegerem da “maldição do eleitorado religioso”.

Jornal do Brasil

UNIÃO EUROPÉIA INVESTE NA PROTEÇÃO DAS ABELHAS

Declínio das populações de abelhas tem um impacto econômico muito alto para a agricultura européia. O valor econômico da polinização é estimado em 22 bilhões de Euros.

Bettina Barros
Valor Econômico

O Parlamento Europeu aprovou nesta semana uma resolução para a adoção de ações mais contundentes para proteger a população de abelhas, que de alguns anos para cá desapareceram em larga escala no Velho Continente.

O texto, aprovado por ampla maioria de 534 votos a favor, 92 abstenções e apenas 16 votos contrários, determina que mais fundos sejam destinados para a pesquisa com abelhas, novos incentivos para que a indústria farmacêutica desenvolva antibióticos e que os rótulos de advertência nos pesticidas do campo sejam mais claros.

Além de uma questão ambiental preocupante, o declínio dessas populações tem um impacto econômico que não se pode desprezar. Cálculos da Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia, estimam que a polinização tem um valor econômico de € 22 bilhões para a região.

Cerca de 84% das espécies de plantas europeias e 76% da produção de alimentos da região dependem dela. A União Europeia produz anualmente cerca de 200 mil toneladas de mel. Bulgária, França, Alemanha, Grécia, Hungria e Romênia são os maiores produtores, empregando, direta ou indiretamente, 600 mil pessoas.

"As abelhas são cruciais na nossa sociedade, na medida em que a polinização tem um papel essencial na preservação da biodiversidade e na manutenção da segurança alimentar da Europa", disse o legislador socialista Csaba Sandor Tabajdi, autor da resolução.

A falta de informações sobre a saúde dessas abelhas tem sido um obstáculo na identificação das causas do desaparecimento desses insetos. Por isso, a Comissão Europeia pretende lançar um programa-piloto de monitoramento no início do próximo ano.

Estados Unidos

Especialistas já documentaram o desaparecimento em massa de abelhas em vários países, com um cenário mais crítico nos Estados Unidos, onde o fenômeno tem sido comumente chamado de "desordem de colapso das colônias". A causa do problema ainda não é conhecida, mas a destruição dos habitats e o uso extensivo de agrotóxicos no campo (que pode ter afetado o sistema imunológico das abelhas) são possibilidades consideradas pelos especialistas.

Segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), o número de colônias de abelhas caiu de 5,5 milhões em 1950 para 2,5 milhões em 2007. Somente na Califórnia, um dos principais berços agrícolas de pequenas culturas nos Estados Unidos, abelhas de quase 1,5 milhão de colmeias fazem o trabalho da polinização - uma média de duas colmeias por acre.

O Pnuma, braço ambiental da ONU, advertiu no início deste ano que a população mundial de abelhas continuará em declínio. Em relatório, o órgão defendeu o pagamento de incentivos a agricultores e proprietários rurais para que os habitats desses insetos sejam restaurados, como florestas com espécies de floração.

18 novembro 2011

JORGE VIANA ADIA PARA SEGUNDA-FEIRA LEITURA DO PARECER SOBRE O CÓDIGO FLORESTAL

Senador alegou necessidade de mais tempo para analisar as mais de 60 emendas apresentadas ao projeto

O senador Jorge Viana (PT) adiou para segunda-feira (21), às 10 da manhã, a leitura do relatório ao projeto de novo Código Florestal na Comissão de Meio Ambiente. A previsão é de que a proposta seja votada na quarta-feira (23).

Viana alegou necessitar de mais tempo para analisar as mais de 60 emendas apresentadas ao projeto e garantir um texto claro e preciso sobre as novas regras ambientais. Além disso, será possível ampliar os entendimentos sobre os pontos mais polêmicos do texto.

O Código Florestal não é um tema fácil, nossa responsabilidade é grande e essa deve ser uma decisão do país. Poderia ter apresentado o relatório hoje, mas ele não estaria completo. Preferi evitar a apresentação de um texto que poderia trazer surpresas. Pontos que geraram polêmica não podem ter surpresa para nenhum lado. O tempo de que precisamos agora é para aperfeiçoar o texto e buscar o entendimento, afirmou.

Da Assessoria

14 novembro 2011

RELATÓRIO DO CÓDIGO FLORESTAL SERÁ LIDO NA QUINTA-FEIRA NA COMISSÃO DE MEIO AMBIENTE DO SENADO

Iara Guimarães Altafin / Agência Senado

O relatório do senador Jorge Viana (PT-AC) sobre o projeto do novo Código Florestal Entenda o assunto (PLC 30/2011) deve ser lido na quinta-feira (17) na Comissão de Meio Ambiente (CMA) e não na quarta-feira (16), como previsto na semana passada pelo presidente da comissão, Rodrigo Rollemberg (PSB-DF).

Como deve ser apresentado pedido de vista ao texto, para que os senadores tenham mais tempo para analisar as modificações sugeridas pelo relator, a votação deve ficar para a próxima semana. Após a decisão da CMA, o projeto segue para exame do Plenário. Na sequência, será reenviado à Câmara, para que os deputados se manifestem sobre as modificações feitas pelos senadores.

O PLC 30/2011 passou primeiramente pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, na última semana, pelas comissões de Agricultura (CRA) e de Ciência e Tecnologia (CCT). Nas três comissões, foi aprovado substitutivo do senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC) e, nas duas últimas, foram destacadas 20 emendas, para votação após a aprovação do texto base do relatório. Por falta de acordo, só houve deliberação sobre três emendas, tendo uma sido aprovada e duas rejeitadas.

As demais 17 emendas destacadas foram enviadas para a CMA e poderão ser incorporadas ao relatório de Jorge Viana. Entre as emendas, estão as que alteram artigos sobre a regularização de atividades mantidas em Área de Preservação Permanente (APP), de autoria de Rollemberg, Acir Gurgacz (PDT-RO), Casildo Maldaner (PMDB-SC) e Sérgio Souza (PMDB-PR). As modificações sugeridas pelos senadores são divergentes, o que evidencia a polêmica em torno do tema.

Casildo Maldaner, por exemplo, quer o fim da obrigação de recomposição de mata ciliar de rios com até dez metros de largura, como previsto no substitutivo. Em sentido oposto, Rollemberg quer estender a obrigação para rios acima dessa largura.

Os destaques em exame tratam ainda dos prazos para adesão a programa de regularização ambiental, dos segmentos que poderão ser beneficiados pela isenção de recomposição de reserva legal e de mecanismos para pagamento por serviços ambientais, entre outros aspectos.

Em seu relatório, Jorge Viana poderá também prever regras específicas para a manutenção de áreas protegidas nas cidades e um capítulo específico para os agricultores familiares. Em debate na última sexta-feira (11), o represente do Ministério do Meio Ambiente apresentou pontos que o governo quer ver modificados no texto.

Leia mais:

- Estados poderão definir atividades de baixo impacto em APP

- Governo espera ajustes em seis aspectos do novo Código Florestal

- Agricultores querem dividir com a indústria reparação de danos ambientais

CRM CRITICA REVALIDAÇÃO DE DIPLOMAS MÉDICOS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CRM acusa a UFPB de afrouxar regras de validação de diploma de médicos formados no exterior. Nesse ano, na última avaliação a ser realizada pela universidade, 536 candidatos se inscreveram. Em todo o país o Revalida, exame nacional feito pelo Inep, recebeu 677 inscrições

Lígia Formenti/Estado de S. Paulo
Brasília

O CRM acusa a UFPB de afrouxar as regras para a validação do título, o que permitiria profissionais com formação duvidosa ingressar no mercado. A UFPB admite mudanças, mas diz que são uma adequação às regras do Conselho Nacional de Educação.

A alteração do regulamento já trouxe um resultado prático. De olho em um processo seletivo mais fácil, centenas de estudantes formados em faculdades do exterior procuraram a UFPB para revalidar seus diplomas e ganhar um “passaporte” para poder trabalhar no País.

Pela regra antiga, o médico interessado na validação era obrigado a apresentar o currículo da faculdade e fazer uma prova para verificar seus conhecimentos. Agora, aqueles que apresentarem um currículo com até 85% de equivalência ficam dispensados das outras etapas. “Isso aumenta o risco de alunos que cursaram faculdades de baixo nível trabalhem no País”, afirma João Medeiros, do Conselho Regional de Medicina da Paraíba.

Pelas contas do CRM, 536 candidatos se inscreveram na avaliação deste ano - a última que será realizada pela universidade.

A partir do próximo ano, a UFPB passará a integrar o Revalida, o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Já em sua segunda edição, o Revalida é feito apenas pelas universidades interessadas. Como elas têm autonomia, elas podem optar por manter seus processos seletivos próprios.

O pró-reitor de graduação da UFPB saiu em defesa da seleção feita pela instituição. “As regras não estão mais frágeis. Seguimos uma norma nacional. Além disso, as provas não foram abolidas, somente dispensadas para aqueles que apresentarem currículos equivalentes.” Bezerra não confirmou os números de alunos apresentados pelo CRM. Mas afirmou que a procura pela validação foi grande.

Para dar uma ideia, o Revalida, com alcance nacional, recebeu na edição deste ano 677 inscritos. “Não é difícil explicar a avalanche de inscrições na Paraíba”, disse Medeiros. Neste ano, dos 677 inscritos no Revalida, apenas 65 foram aprovados. “A prova do Inep tem um formato ideal, é completa, avalia de fato o profissional”, comparou Medeiros. Em 2010, primeiro ano do Revalida, dos 628 candidatos, apenas 2 foram aprovados.

13 novembro 2011

ESTUDO MOSTRA RISCO DE INCÊNDIO NA AMAZÔNIA

Um novo método promete prever com até cinco meses de antecedência os surtos de incêndios florestais que ocorrem na Amazônia cada vez que uma seca inesperada atinge parte da floresta

Rafael Garcia/Folha de S. Paulo
De Washington

A nova técnica foi apresentada ontem por cientistas da Universidade da Califórnia em Irvine e do Centro Goddard da Nasa. Os pesquisadores elaboraram o método com base em medições feitas entre 2001 e 2009, analisando a influência do clima dos oceanos sobre a floresta.

O modelo de computador que os cientistas criaram conseguiu prever como oscilações no superaquecimento do Pacífico (o El Niño) estão relacionadas a secas no leste da Amazônia. Anomalias de temperatura no Atlântico, por outro lado, favorecem mais o espalhamento de incêndios no sul e sudoeste.

Fazer esse tipo de previsão é complicado porque, além de estimar quando e onde a floresta vai estar seca, é preciso saber onde agricultores vão iniciar os incêndios nas lavouras. Quando o fogo para limpar o campo de plantio sai do controle é que a floresta começa a queimar.

Segundo Yang Chien, autor principal do trabalho, a criação do novo modelo precisou de uma espécie de salto de fé dos cientistas. "Estudos anteriores em geral separavam esse problema em dois, primeiro observando como a temperatura da superfície do mar afeta as chuvas e, segundo, como o nível de chuvas afeta a ocorrência de fogo", diz. "No nosso estudo, decidimos combinar isso diretamente para inferir como a temperatura do mar afeta os incêndios."

O que os pesquisadores também fizeram foi procurar correlações de longo prazo entre o clima oceânico e o florestal. O mecanismo com que essa influência se dá ainda é pouco compreendido. "Nós sugerimos que as temperaturas oceânicas durante a estação úmida e no começo da estação seca são muito importantes para recarregar o nível de umidade do solo", diz Chien. "Elas afetam a umidade que alimenta a chuva na estação seca."

O trabalho dos pesquisadores, publicado nesta sexta-feira na revista "Science", segue os passos de um estudo publicado em julho, liderado pela brasileira Kátia Fernandes, que já tinha conseguido previsões até mais precisas que as de Chien, mas apenas para o oeste da Amazônia.

Segundo Fernandes, as duas técnicas podem ajudar a aumentar a robustez dos sistemas de monitoramento do clima da região, que hoje só conseguem identificar secas violentas com três semanas de antecedência.

"No ano passado, que teve uma seca forte, o governo do Acre suspendeu as permissões de queima para os agricultores, porque o tempo já estava seco e a previsão era que continuasse assim", conta. Com uma previsão de três meses, diz Fernandes, os governos podem antecipar o planejamento desse tipo de medida complicada.

Outros climatólogos, porém, ainda são céticos quanto à confiabilidade do método para períodos tão longos. "Faltou os autores desse estudo trabalharem com as previsões reais, e não só com os dados coletados", diz Alberto Setzer, coordenador do monitoramento de queimadas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Chien, porém, afirma que o modelo conseguiu uma previsão adequada para meados de 2011. "Só não incluímos no estudo porque a estação seca ainda não tinha acabado."

Fonte da ilustração: Editoria de Arte/Folhapress

11 novembro 2011

A MARCHA DOS JUÍZES INSENSATOS

Elio Gaspari
Folha de S. Paulo

As guildas e o corporativismo de juízes estão produzindo fatos e números que apequenam o Poder Judiciário.

A corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, criticou a "impunidade da magistratura", reclamou da sua blindagem e fez a frase de sua vida: "Sabe que dia eu vou inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro." (O gorducho Garcia está atrás dele desde 1919.)

Em seguida, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso (ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo), deu-lhe resposta: "Em 40 anos de magistratura nunca li coisa tão grave. (...) É um atentado ao Estado Democrático de Direito."

Menos de um mês depois, o presidente do tribunal paulista pediu à Secretaria de Segurança a criação da figura de um "delegado especial" para cuidar de incidentes que envolvam juízes ou desembargadores. Só para eles. Os cardeais, as costureiras e os contadores continuariam democraticamente com a patuleia.

Vai-se adiante e vê-se que em 152 inquéritos que tramitam no STF envolvendo deputados, senadores e ministros, os nomes dos hierarcas são protegidos, apesar de não correrem em segredo de Justiça.

Por exemplo: há um inquérito que trata das atividades de J.M.R. (a deputada filmada recebendo dinheiro do mensalão do DEM chama-se Jaqueline Maria Roriz, mas isso não é da sua conta).

A blindagem do andar de cima tem registro estatístico: há no Brasil 512 mil presos, 76 por corrupção passiva.

As guildas de magistrados organizam eventos arrecadando patrocínios junto a empresários e instituições que têm interesse em processos que podem passar por suas mesas. Isso para não falar do turismo embutido em muitos congressos, conferências e reuniões de fancaria.

A doutora Eliana Calmon pretende estabelecer critérios para essas atividades, e as associações nacionais de juízes federais e do trabalho informam que recorrerão em defesa daquilo que é um direito "inerente a todos os brasileiros e ao regime democrático".

Grande ideia, pois os tribunais são o foro adequado para resolver questões desse tipo. (Graças à grita de alguns magistrados, Eliana Calmon detonou uma caixa de fraudes nos empréstimos que a Associação de Juízes Federais da 1ª Região fazia junto a uma financeira.)

A magistratura é uma carreira vitalícia iniciada, por concurso, num patamar de R$ 18 mil mensais, com dois meses de férias, aposentadoria integral e plano de saúde. Ninguém pode demitir um juiz. Já o juiz pode ir embora no dia que quiser, passando para a advocacia privada, muitas vezes com êxito.

Essa característica diferencia os magistrados dos vereadores e deputados, obrigados a renovar o contrato de trabalho junto à clientela a cada quatro anos. Eles optaram por uma carreira especial e são os responsáveis exclusivos pelo prestígio do poder republicano que exercem.

A insensatez e o corporativismo jogaram a imagem do Judiciário no balcão da defesa de causas perdidas.

Não se pode criar um critério para decidir o que engrandece ou apequena a magistratura. Pode-se, contudo, seguir a recomendação subjetiva do juiz Potter Stewart, da Corte Suprema americana, tratando de outra agenda: "Eu não sei definir pornografia, mas reconheço-a quando a vejo."

EXCESSO DE PESO EM HABITANTES DE RIO BRANCO JÁ É UM PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA

"Pesquisa revela que a prevalência de pessoas com excesso de peso em Rio Branco é de 46,9%, valor superior ao observado nas demais capitais da região norte"

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

A obesidade é o estado mais grave do excesso de peso corporal e integra o grupo de doenças e agravos não transmissíveis que, a partir dos anos 60, passaram a ocupar a principal posição entre as causas de mortes no Brasil.

O desenvolvimento do excesso de peso envolve múltiplos fatores relacionados com o hábito de vida, consumo alimentar, características socioambientais e susceptibilidade genética e biológica. Estudos revelam que indivíduos obesos apresentam maior risco de desenvolver doenças como hipertensão arterial, enfermidades cardiovasculares, diabetes e doenças gastrintestinais.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou, em 2005, que globalmente cerca de 1,6 bilhões de adultos com mais de 15 anos de idade apresentavam excesso de peso, e pelo menos 400 milhões apresentavam obesidade. Projeções da OMS estimam que em 2015 cerca de 2,3 bilhões de adultos estarão em condição de excesso de peso e mais de 700 milhões estarão obesos.

No Brasil, a tendência de aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade deriva do processo de transição nutricional ocorrido no país e estudos comparativos realizados entre 1974 e 2003 mostram que o crescimento da prevalência de excesso de peso e obesidade em adultos ocorre em todas as regiões.

Foi neste contexto que os pesquisadores Marina Zago Ramos Lino, Pascoal Torres Muniz e Kamile Santos Siqueira, do Centro de Ciências da Saúde e do Desporto da Universidade Federal do Acre, avaliaram o perfil de indivíduos adultos com excesso de peso e fatores associados no Município de Rio Branco, Acre.

Para o estudo foram selecionados 977 domicílios e entrevistados e avaliados fisicamente quanto peso e altura 1.469 indivíduos com mais de 18 anos, sendo 45,3% do sexo masculino e 54,7% do sexo feminino.

Do universo de pessoas entrevistadas, 48,1% tinha idade variando entre 18 e 34 anos; predominaram indivíduos solteiros, separados ou viúvos; moradores de zona urbana; que possuem atividade remunerada; com escolaridade entre 0-8 anos de estudo; e pessoas que referiram não possuir renda ou possuir renda menor que um salário mínimo.

No que se refere ao estado nutricional, 46,9% dos indivíduos avaliados fisicamente apresentaram excesso de peso, subdivididos em 31% com sobrepeso e 15,9% com obesidade. O excesso de peso foi maior nas mulheres (51,8%) do que nos homens (41%).

Entre os homens a prevalência de excesso de peso foi maior naqueles nas faixas etárias de 35-44 anos e 55-64 anos, com renda mais elevado, residentes na zona urbana, sem companheira, que declaram possuir trabalho remunerado e maior escolaridade (12 ou mais anos de estudo). Aqueles que informaram possuir hipertensão arterial e alteração dos níveis de gordura no sangue, bem como estar em dieta e ser ex-fumantes apresentaram maiores prevalências de excesso de peso.

Em mulheres, o excesso de peso prevaleceu na faixa etária de 55-64 anos e naquelas com renda igual ou superior a 10 salários mínimos. As que apresentaram prevalências de excesso de peso foram aquelas que referiram problemas de hipertensão arterial e alteração dos níveis de gordura no sangue, bem como percepção de saúde regular a ruim, adesão de dieta para perda de peso e que declararam ser ex-fumantes.

Considerando o alto índice de prevalência de pessoas com excesso de peso encontrado durante a pesquisa (46,9%), os autores consideram que o mesmo se constitui em um problema de saúde pública. Para comparação, a prevalência de excesso de peso em pessoas com mais de 15 anos de idade é de 35,1 e 39% em Belém e Manaus, respectivamente. A situação em nossa cidade é pior do que a observada nas demais capitais da região norte e em Palmas, Tocantins.

Diante desse quadro, os autores sugerem que é necessário tomar medidas de controle e prevenção dos riscos à saúde associados ao excesso de peso, tendo, como pressuposto, ações de incentivo para hábitos de vida saudáveis.
_______________________________
O artigo “Prevalência e fatores associados ao excesso de peso em adultos: inquérito populacional em Rio Branco, Acre, Brasil, 2007-2008”, de autoria de Marina Zago Ramos Lino, Pascoal Torres Muniz e Kamile Santos Siqueira foi publicado na revista Cadernos de Saúde Pública vol. 27 no. 4 (2011).

10 novembro 2011

DROGA ANTIOBESIDADE DESENVOLVIDA POR BRASILIEIROS

Brasileiros abrem perspectivas para drogas antiobesidade

Reinaldo José Lopes
Editor de Ciência e Saúde

Um casal de cientistas brasileiros conseguiu o que só pode ser descrito como um ato de justiça poética no mundo das células: matar de fome a gordura do organismo.

A molécula desenvolvida por eles consegue atacar, de forma específica, os vasos sanguíneos que alimentam o tecido adiposo (de gordura). Sem esse suprimento crucial de nutrientes, as células de gordura batem as botas.

A nova droga que bloqueia a atividade normal das células do tecido adiposo ainda não foi testada em humanos

Wadih Arap e Renata Pasqualini, que trabalham no Centro do Câncer MD Anderson, da Universidade do Texas, descrevem os resultados, parcialmente antecipados pela Folha no ano passado, na revista especializada "Science Translational Medicine".

O êxito, por enquanto, foi obtido em três espécies de macacos: resos, cinomolgos e babuínos. Em média, os bichos perderam 40% de sua gordura corporal no teste. Em parceria com uma empresa farmacêutica que licenciou a produção da molécula, a equipe está projetando os testes em seres humanos nos Estados Unidos.

"É difícil prever quando isso vai acontecer. Dependemos das agências reguladoras, e o processo é naturalmente demorado, porque uma nova droga contra a obesidade teria uma demanda imensa e risco de uso impróprio", disse Pasqualini à Folha, por telefone.

É preciso levar em conta, por exemplo, que a formulação atual da substância afeta o funcionamento dos rins. São efeitos colaterais considerados leves, que desaparecem quando a substância não é mais ministrada, mas mesmo assim é preciso cuidado.

A ideia de matar células indesejadas de fome, restringindo o suprimento de sangue, surgiu originalmente como arma contra o câncer.

Para o endocrinologista Alfredo Halpern, do Hospital das Clínicas da USP, faz todo o sentido que a gordura virasse um alvo também. "A capacidade de proliferação do tecido adiposo é tamanha que às vezes ele parece um tumor mesmo", compara Halpern.

A vantagem é que as injeções do peptídeo (fragmento de proteína) usado pelos brasileiros, batizado de adipotídeo, são endereçadas de forma precisa aos vasos sanguíneos que alimentam as células de gordura, e só a eles. "Já sabemos que esse 'endereço' também funciona para a gordura humana", diz Arap.

Por enquanto, segundo Pasqualini, a equipe deve continuar investindo em injeções subcutâneas, porque elas favorecem a liberação gradual da substância no organismo dos pacientes. "É uma abordagem muito interessante, e o trabalho deles é muito bonito", elogia Halpern. "Mas vai demorar anos e anos para que isso chegue à aplicação clínica."

09 novembro 2011

A VOLTA DO FUSO HORÁRIO ACREANO

O Governador Tião Viana ainda tem tempo de transformar a volta ao antigo fuso horário acreano em uma autêntica 'festa da hora'. Se não fizer isso a questão vai, mais uma vez, virar 'caso de política'.

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Finalmente a Câmara Federal aprovou o projeto de lei que restaura a 'hora certa' acreana. Desde a realização do referendo que decidiu pela volta do nosso antigo horário, em 31 de outubro de 2010, se passaram um ano e nove dias de espera para que a vontade soberana da população acreana fosse respeitada.

Falta pouco para que o processo possa ser finalizado. Ainda teremos que aguardar a realização de cinco sessões legislativas ordinárias na Câmara Federal para que o texto aprovado seja encaminhado para a sanção presidencial. Por uma feliz coincidência, isto deverá acontecer no dia 17 de novembro, data em que o Acre foi definitivamente incorporado ao Brasil pelo Tratado de Petrópolis.

Após a sanção presidencial, a entrada em vigor da lei deverá acontecer, conforme estabelecido no projeto do Senador Pedro Taques (PDT-MT), 30 dias após a sua publicação no Diário Oficial da União. Podemos, portanto, esperar que a mudança seja efetuada antes do natal.

Vai ser um presente de natal antecipado para os acreanos que lutaram pela correção da injustiça que foi a mudança autoritária do nosso fuso horário ocorrida em 2008. E como já havia sido sugerido anteriormente, não podemos deixar de realizar a 'festa da hora' para celebrar a ocasião.

Embora pareça provocação, a festa tem um significado meramente simbólico. O período de 30 dias para a entrada em vigor da mudança do fuso horário deverá ser usado para esclarecer a população por meio de campanhas no rádio, tv, outdoors e outros meios de divulgação. A festa se constituirá no encerramento dessa campanha. Exatamente como aconteceu por ocasião da mudança do horário em 2008, cuja campanha de esclarecimento foi bancada com recursos do governo do Estado.

Se o Governo do Estado não tomar a iniciativa de coordenar, desta vez de forma isenta, esta campanha de esclarecimento, é grande o risco do assunto virar 'caso de política'. E nessa situação quem tem a perder é o próprio governo, seus aliados e a população em geral, que vem sofrendo com a mudança ocorrida há mais de três anos.

Estamos aguardando providências Governador Tião Viana! Chega de conflitos e discussões sobre um assunto que já está resolvido.

FUSO HORÁRIO: ENFIM APROVADO

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) aprovou nesta quarta-feira, em caráter conclusivo, o Projeto de Lei 1669/11, do Senado, que retoma o antigo fuso horário do Acre e de parte dos estados do Pará e Amazonas, com duas horas de defasagem em relação ao horário de Brasília. Atualmente, a diferença é de apenas uma hora, fruto de alteração realizada em 2008 (Lei 11.662/08). A proposta segue para sanção presidencial.

A proposta do Senado restabelece o padrão que vigorou entre 1913 e 2008. O objetivo da lei de 2008 era contribuir para a integração econômica, política e cultural desses estados com o restante do País. No entanto, a população acreana não se adaptou ao novo horário.

Em referendo realizado em outubro do ano passado, a maioria dos eleitores do Acre (56,7%) votou a favor da retomada do fuso anterior.

"O dia passou a começar mais cedo, no escuro, e as crianças não conseguiram mais chegar à escola às 7 horas, então o estado e alguns municípios mudaram o horário da aula para 7h30, mas mesmo assim não deu certo. Elas sempre chegam atrasadas", explicou o deputado Flaviano Melo (PMDB-AC), autor da proposta de referendo.

Tiago Miranda
Agência Câmara

HISTÓRICO, CONFLITOS E LEGALIZAÇÃO DA EXPLORAÇÃO DE ÁGUA SUBTERRÂNEA EM RIO BRANCO

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano
[Atualizaod e corrigido às 12:35h]

A deficiência na captação e distribuição de água potável em Rio Branco, capital do Acre, incentivou muitos moradores a captar água de fontes subterrâneas, especialmente aquelas existentes no segundo distrito da cidade, em uma ampla região que engloba os bairros Vila Acre e Corrente, e a área de proteção ambiental Amapá.

Além de abastecer os moradores dessas regiões, a água subterrânea extraída tem sido amplamente comercializada em caminhões-pipa por toda a cidade e se constitui na principal fonte alternativa de água potável para os habitantes de Rio Branco.

Em longo prazo, a forma não sustentada de captação da água poderá acarretar uma exploração excessiva dos aqüíferos, não podendo ser descartada a possível exaustão dos mesmos. Entretanto, o principal problema decorrente da extração intensiva de água são os conflitos entre os moradores das áreas dos aqüíferos e os empreendedores que exploram comercialmente os mesmos.

Estes conflitos são mais freqüentes durante o período do verão amazônico, quando o nível da água subterrânea baixa acentuadamente, dificultando a sua captação por parte dos moradores, que tradicionalmente usam poços pouco profundos para obter a água.

Um desses conflitos, ocorrido por volta de 2005, envolveu a Associação dos Moradores dos Bairros Vila Acre e Vila da Amizade e os exploradores de água instalados naqueles bairros. Os moradores solicitaram ao Ministério Público-MP e ao Instituto de Meio Ambiente do Acre-IMAC a imediata interdição da atividade de captação de água com fins comerciais.

Instado pelo MP, que ameaçava encerrar a extração comercial de água nos bairros onde foi verificado o conflito, o IMAC elaborou os procedimentos necessários para licenciar as atividades. Isto foi possível porque na época a lei que instituiu a política estadual de recursos hídricos no Acre (Lei Nº 1.500, de 15 de julho de 2003) já estava em vigor.

Este caso foi emblemático porque até então a exploração comercial de água nos aqüíferos do segundo distrito de Rio Branco era feita sem licenciamento. Por sua importância, ele foi objeto de um trabalho apresentado no XIV Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas pela técnica do IMAC, Maura Regina Ribeiro, e os técnicos Elizabeth Ferreira Cartaxo, da Universidade Federal do Amazonas, e João Tito Borges da Fundação Centro de Análise Pesquisa e Inovação Tecnológica do Amazonas.

Segundo os autores do trabalho, o licenciamento exigido pelo MP não foi fácil de ser realizado porque os empreendedores envolvidos com a exploração comercial da água não estavam identificados. Isso foi feito com o auxílio de informações fornecidas pela vigilância sanitária do Estado-CONVISA, que permitiu identificar e notificar os empreendedores sobre os procedimentos de licenciamento ambiental da atividade.

Hoje se encontram licenciados junto ao IMAC cinco processos de captação de água subterrânea na Vila da Amizade, com 15 poços, dois na Vila Acre, com sete poços, e dois no bairro Corrente, com 20 poços. A profundidade dos poços licenciados varia entre 6,5 m a 14,0 m.

Durante o trabalho de campo foi possível identificar a situação de abastecimento de água dos moradores nas áreas dos aqüíferos. A maioria deles capta água subterrânea e os tipos de poços mais usados são os semi-artesianos, com profundidade variando entre 8 e 12 metros, e os do tipo amazonas, popularmente chamados de caçimbas, com profundidades que varia entre 4 e 8 metros.

Os pesquisadores verificaram que a Coordenadoria de Vigilância Municipal exigia que a água comercializada pelos empreendedores fosse analisada sob o ponto de vista bacteriológico (coliformes) e físico-químico (aspecto, odor, gosto, cor aparente, turbidez e pH, ferro, condutividade, dureza total, cálcio, magnésio, sólidos totais e cobre). Além disso, cada explorador deveria ter um profissional habilitado e registrado em conselho para responsabilizar-se pela fonte.

A situação verificada em Rio Branco apenas reforça o fato de que mesmo o país tendo um Código de Águas em vigor há mais de 70 anos, até hoje seus dispositivos que disciplinam o uso das águas subterrâneas não foram efetivamente aplicados, resultando no extrativismo privado e público não controlado, ainda vigente. Como resultado, qualquer proprietário de atividade individual ou coletiva (rural ou urbano) pode perfurar um poço nas suas dependências sem nenhum controle federal, estadual ou municipal e, freqüentemente, sem tecnologia apropriada.

A exploração sem planejamento de águas em aqüíferos pode ter várias conseqüências indesejáveis, das quais as mais extremas são a exaustão do aqüífero, a contaminação da água e o afundamento do solo nas áreas onde a retirada de água for excessiva.

Diante dessas possibilidades, os autores do trabalho acreditam que para viabilizar o controle do uso das águas subterrâneas em Rio Branco é indispensável detalhar o conhecimento científico-tecnológico sobre os aqüíferos explorados, incluindo informações sobre os volumes das reservas, os mecanismos de recarga e, sobretudo, sistematizar todas as informações hidrogeológicas disponíveis para definir a melhor forma de uso da água. Somente assim será possível diminuir os conflitos e garantir a conservação dos mananciais.

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Clique aqui para ler a íntegra do artigo "Conflitos decorrentes da exploração da água subterrânea para comercialização em carros-pipas na região da Corrente, Vila da Amizade e Vila Acre, Rio Branco, Acre", de autoria de Maura Regina Ribeiro, Elizabeth Ferreira Cartaxo e João Tito Borges.

08 novembro 2011

NÚMERO DE MATRICULADOS NO ENSINO SUPERIOR SOBE 110% EM 10 ANOS

Em 2010, número de estudantes em busca do diploma chegou a 6,4 milhões. As matrículas nos cursos noturnos cresceram de 56,1% para 63,5% entre 2001 e 2010, aponta censo

Folha de S. Paulo

O número de alunos matriculados em cursos de graduação no país aumentou 7% no ano passado em relação a 2009. Segundo a edição 2010 do Censo da Educação Superior, divulgado nesta segunda-feira pelo Ministério da Educação, o Brasil atingiu 6,3 milhões de matrículas em 29,5 mil cursos oferecidos por 2.377 instituições.

Considerando toda a última década, de 2001 a 2010, o crescimento no número de matrículas foi de 110%.

"O resultado é positivo e prenuncia o cumprimento das metas estabelecidas para 2010. Houve aumento na matrículas em todo o país e também na qualificação dos docentes, portanto há mais pessoas estudante com mais qualidade", disse o ministro Fernando Haddad.

"Talvez tenha sido a melhor década de acesso à educação superior, tanto em termos relativos como em absolutos --mas sobretudo em absolutos."

Segundo o ministério, um dos fatores que explicam o crescimento é o aumento da oferta de cursos à distância e tecnológicos --a modalidade à distância representou 15% do total em 2010.

Haddad disse que o ritmo de crescimento do ensino à distância só não foi mais forte porque o MEC controlou a alta. "O EAD [ensino à distância] só não cresce mais em função do MEC. O MEC está ditando o ritmo de crescimento do EAD para não ter o efeito da educação presencial. Não queremos que aconteça com a EAD aquilo que aconteceu nos anos 1990 com a educação presencial --crescer descontrolado e com qualidade inferior".

O Censo também detectou que o percentual de matrículas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste aumentou de 2001 para 2010, em contrapartida ao decréscimo da participação das regiões Sudeste e Sul no total.

Os alunos de graduação também estão mais jovens e preferem estudar à noite.

Em 2010, a média de idade dos alunos dos cursos presenciais foi de 26 anos. Já nos cursos a distância, a média é de 33 anos. Entre 2000 e 2010, as matrículas presenciais noturnas passam de 56% para 63% do total. Considerando apenas as instituições privadas, as matrículas noturnas corresponderam a 73% em 2010.

As mulheres são maioria entre os alunos. No ano passado, 57% das matrículas foram feitas por mulheres, índice que sobe para 61% considerando apenas os alunos no último ano do curso.

"Há uma fronteira a ser explorada. Brasileiros entre 30 e 40 anos que querem voltar a estudar, mas nesse momento estamos mais preocupados com a qualidade do que com a questão quantitativa."

Concluintes

Em relação aos alunos concluintes, o Censo aponta que o crescimento não acompanhou o número de matriculados -- ou seja, menos alunos conseguiram terminar os cursos.

Os resultados indicam que praticamente não houve aumento de 2009 para 2010, ano em que foi atingido o número recorde de 973 mil concluintes.

Sobre o ritmo de crescimento menor entre os concluintes, Haddad disse que hhttp://www.blogger.com/img/blank.gifouve uma mudança de metodologia no ano de 2009, o que superdimensionou os dados naquele ano, e por isso o crescimento verificado entre os dois anos foi menor:http://www.blogger.com/img/blank.gif

"Peço para desconsiderarem o ano de 2009. Houve uma metodologia que foi introduzida e depois revista." Segundo o ministério, a metodologia usada em 2009 incluía a categoria "provável formando" para classificar os alunos, o que inflacionou os resultados. A categoria deixou de existir em 2010.

Saiba mais:

- Mais de 60% dos alunos do ensino superior no País estudam à noite
- Educação a distância já responde por quase 15% das matrículas no ensino superior

07 novembro 2011

A QUESTÃO DO ACRE*

Fernando Siliano Reyes**

Em 1900 eclodiu a rebelião no Acre, que se prolongou por três anos e, ante a ameaça de uma intervenção direta do governo brasileiro, foi firmado entre Bolívia e Brasil o Tratado de Petrópolis (1903), no qual a Bolívia cederia o território do Acre ao Brasil em troca de dois milhões de libras esterlinas e o governo brasileiro se comprometeria a construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré, para superar o trecho encachoeirado do rio Madeira, possibilitando o acesso das mercadorias bolivianas aos portos brasileiros do Atlântico (inicialmente Belém do Pará, na foz do rio Amazonas).

Tal conflito tem sua origem ligada à mundialização do capitalismo fundamentada na Segunda Revolução Industrial, que passou, a partir da segunda metade do século XIX, a utilizar de maneira crescente a borracha, seja para a produção de pneus seja na fabricação de correias para máquinas e outros artefatos industriais. O látex, matéria-prima da borracha, naquela época, apenas era encontrado na parte sudoeste da floresta equatorial amazônica, dividida entre a República da Bolívia e o Império brasileiro.

Até o final do século XIX, a fronteira entre Brasil e Bolívia foi alvo de constantes embates entre os dois países. Vários insucessos marcaram a tônica das negociações bilaterais como a missão de Duarte da Ponte Ribeiro (1851-1852) e a tentativa de João da Costa Rego Monteiro em 1860. Esse problema só seria resolvido com o Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição, assinado no dia 27 de março de 1867. Mesmo favorecendo a Bolívia e sofrendo duras críticas no Brasil, nas palavras de Duarte da Ponte Ribeiro, pois contrariava o princípio do uti possidetis, defendido pelo Brasil, estava acertada a fronteira entre os dois países.

Novos conflitos vieram a acontecer na última década do século XIX em função de problemas na demarcação dos marcos fronteiriços entre os dois países, principalmente no que tange à definição dos limites entre os rios Madeira e Javari. Neste ínterim milhares de brasileiros, vindos principalmente do nordeste, já ocupavam uma extensa área de terras até então pertencentes à Bolívia, atrás de trabalho nos seringais do local.

A questão dos marcos fronteiriços só se resolveria em 23 de setembro de 1898, depois de três anos de negociações, quando o Brasil reconhecia que o território de Aquiri seria definido pela Linha Cunha Gomes, considerando-o boliviano. Aproveitando o acordo, o ministro boliviano José Paravicini fundou o povoado de Puerto Alonso, além de legislar sobre a navegação dos rios da região, estabelecendo taxas aduaneiras e impostos de comercialização.

Tais atitudes do representante boliviano não foram aceitas pelos cerca de 60 mil brasileiros residentes no Acre e, em 14 de julho de 1899, o espanhol Luiz Galvez Rodriguez de Arias, a soldo do presidente da Província do Amazonas, Coronel Ramalho Júnior, declara o Estado Independente do Acre, solicitando sua anexação ao Brasil, porém, tal proposta foi recusada pelo governo brasileiro. Tal aventura durou até 9 de março de 1900, quando uma coluna militar organizada pelo governo brasileiro terminou com Estado recémfundado e devolveu-o para a Bolívia.

Batalhas foram travadas entre exércitos particulares organizados pelos “barões da borracha” e o exército boliviano, porém, sem intervenção do exército brasileiro. Para ocupar a área, o governo boliviano fechou um acordo, em dezembro de 1901, com a empresa The Bolivian Syndicate of New York City in North America, cujo presidente indicado era o filho de Theodore Roosevelt, o novo ocupante da Casa Branca.

Nas palavras de DORATIOTO (1994, p. 77): “uma empresa estrangeira, o Bolivian Syndicate. O Sindicato, como essa empresa ficou conhecida, era formado por firmas inglesas e norte-americanas. Ele recebeu autor ização de La Paz para explorar e administrar o território acreano, podendo nele arrecadar impostos, organizar polícia, manter tropas e barcos de guerra. Enfim, a Bolívia praticamente transferia sua soberania (no Acre) para uma empresa privada”.

Em 1902, em função das medidas draconianas impostas pelo governo boliviano, eclode uma nova rebelião de brasileiros, comandada pelo ex-militar José Plácido de Castro e com o apoio do presidente do Amazonas. O grupo de cerca de oitocentos homens comandados por Plácido de Castro expulsou tropas bolivianas estacionadas no Acre, expulsou da área a diretoria do Bolivian Syndicate para Belém, no Pará, e decretou a segunda independência do Acre.

Para reprimir os sublevados, o presidente da Bolívia, general José Manuel Pando prepara pessoalmente uma pequena tropa para marchar contra os brasileiros. Nesse contexto de crise, assume o Ministério das Relações Exteriores do Brasil o monarquista José Maria da Silva Paranhos Filho, o Barão de Rio Branco que “Inverteu a política seguida pelo Brasil, de reconhecer como indiscutível a soberania boliviana sobre o Acre. Rio Branco declarou o território zona litigiosa, lembrando o artigo XIV do acordo de limites de 1867, o qual afirmava que ‘se no ato da demarcação ocorrerem dúvidas graves, provenientes de inexatidão do presente tratado, serão estas dúvidas decididas amigavelmente por ambos os governos’. Rio Branco passou, então a reclamar da Bolívia o território ao norte do paralelo 10 graus 20 minutos.”

Em fevereiro de 1903, o presidente brasileiro Rodrigues Alves deu permissão para o deslocamento de tropas brasileiras para a área em litígio. Nesse cenário, o Barão de Rio Branco par te para as negociações com o governo boliviano. Rio Branco tratou de cuidar para que o Bolivian Syndicate não tivesse participação nas negociações. Para tanto, o governo brasileiro pagou para essa empresa a importância de 110.000 libras esterlinas para renunciar a quaisquer pretensões no Acre, vale salientar que tal empresa não havia feito investimentos na área.

O acordo entre os dois países foi alcançado em 17 de novembro de 1903, na assinatura do Tratado de Petrópol is. Por esse tratado o Acre, em um total de 191.000 km², tornou-se brasileiro. À Bolívia coube, na região amazônica, um trecho de 2296 km², situado entre os rios Abunã e Madeira, obtendo acesso, assim, ao oceano Atlântico, mediante a navegação do rio Amazonas e seus afluentes. O corredor amazônico, nas palavras de Bradford Burns, ‘deu maior facilidade de manobra à Bolívia em suas relações com a Argentina e o Chile, ao mesmo tempo que a ligava ao Brasil ainda mais intimamente.

Na região platina foram transferidos à soberania boliviana 723 km² sobre a margem direita do rio Paraguai, dando ao país outro acesso ao Atlântico, além de 194,7 km² de outras pequenas parcelas de terra. Por não haver equivalência nas áreas transferidas, o Tratado de Petrópolis determinou que o Brasil pagasse dois milhões de libras esterlinas à Bolívia. Foi estabelecido também que o Brasil construiria entre os rios Madeira e Mamoré uma estrada de ferro que permitiria à Bolívia ter acesso ao oceano Atlântico através da região amazônica.”

De acordo com dados extraídos do sítio do Museu Paulista “O projeto de construção da ferrovia Madeira – Mamoré encerra um dos episódios mais significativos da história da ocupação da Amazônia e tentativa de integrá-la ao mercado mundial at ravés da comercialização da borracha. A intenção do projeto era estabelecer a ligação entre as regiões produtoras de látex, nas proximidades dos rios Madeira, Mamoré, Guaporé e Beni (este último na Bolívia). As primeiras tentativas, datadas ainda da Segunda metade do século XIX, fracassaram ou por falta de verbas ou por falta de infra-estrutura possível, a partir de 1907, graças à experiência da companhia americana May, Jekyll & Randolph, que já desfrutava de considerável Know-how na área, em virtude de projetos arregimentação maciça de mão-de-obra. Por esta razão, entre 1907 – 1912, período de construção da ferrovia, cerca de 30.000 trabalhadores de várias partes do mundo foram engajados, dos quais aproximadamente 6.000 faleceram no local.

Ironicamente, a ferrovia Madeira- Mamoré entra em funcionamento no ano em que tem início a derrocada da produção de borracha nacional no mercado mundial. Mais tarde, a opção de Juscelino Kubitschek pelo investimento em rodovias como via de integração nacional se concretiza na região nortista com a inauguração da estrada ligando Cuiabá a Porto-Velho, em 1960. Teve início, então, a fase de sucateamento e abandono da fer rovia. Em 1972, ela foi totalmente desativada e seus arquivos incinerados.”

* Este texto é parte do artigo "AS PERDAS TERRITORIAIS DO ESTADO BOLIVIANO (1825-1935)", originalmente publicado na revista GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Edição Especial, pp. 161 - 181, 2009.

** Mestre em Geografia Humana pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Fonte da figura: FREIRE. E. M., 2008, a partir de MESA, J.; GISBERT, T. e GISBERT, C. Historia de Bolívia. La Paz: Ed. Gisbert, 2003.