Google
Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

31 dezembro 2010

REVALIDAÇÃO DE DIPLOMAS

Revalidar diplomas obtidos em universidade do exterior ainda é uma 'aventura' com roteiro indefinido no Brasil

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Em 20001, quando conclui meu doutorado em Plant Sciences na City University of New York, voltei feliz para o Brasil, para o Acre, onde pretendia continuar a atuar profissionalmente.

Sendo servidor público federal, e trabalhando em uma instituição de pesquisa, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/INPA, tinha que revalidar o meu diploma de Ph.D. (como os doutores são classificados nos EUA) para poder fazer jus a um complemento salarial equivalente a 70% do meu salário base.

E ai foi que descobri que o Brasil, de uma maneira geral, não tem uma política de âmbito nacional para regular o assunto. Era um samba do crioulo doido.

Por conta da autonomia existente nas universidades federais espalhadas pelo país, cada uma tem um sistema diferenciado para revalidar diplomas de alunos formados em universidades estrangeiras. Aliás, algumas, como parece ser o caso da UFAC, não estão completamente preparadas para dar encaminhamento a solicitações desse tipo.

No meu caso, meu curso equivalia no Brasil ao doutorado em botânica. E não existem muitos cursos desse tipo no país. Por isso eu deveria, obrigatoriamente, solicitar a revalidação de meu diploma junto a uma das universidades federais que oferecesse tal curso.

Inicialmente consultei a Universidade Federal do Amazonas, que mantém um curso de doutorado em conjunto com o INPA, e tive, de cara, de me abster de tentar revalidar meu diploma ali. Nem formalizei o processo, pois me foi enviado antes o conjunto de regulamento, normas e procedimentos que eu deveria seguir. Era tudo tão complexo, tão cheio de detalhes inúteis que para sanar algumas das exigências, eu deveria retornar aos EUA para providenciar algumas 'provas' de que eu tinha realmente atendido o curso naquele país. Coisa típica da nossa personalidade brasileira, moldada para antes de confiar, desconfiar de tudo.

Minha revolta foi grande e por algum tempo fique a imaginar como aquela universidade chegou a tais normas para revalidar um simples diploma. Quantas reuniões devem ter sido realizadas, quantas horas de 'trabalho produtivo' para elaborar normas virtualmente impossíveis de serem atendidas. Tudo fruto da autonomia universitária, da pitada de ego de cada um dos elaboradores, das visões pessoais - provavelmente impostas após horas de reuniões e discussões, votações, etc...enfim, um pacote de exigências oriundo de uma universidade cujo curso de doutorado em botânica não tinha boa avaliação da CAPES.

Depois de outras consultas a universidade 'menores' do país, decidi tentar revalidar na USP, a mais poderosa e influente universidade do Brasil.

E sabem o que aconteceu?

Em cerca de 3 meses tive meu diploma revalidado. Consegui atender todas as exigências da universidade paulista sem maiores contratempos. E o melhor: o custo das taxas de revalidação era o mais baixo dentre todas as universidades que consultei.

A conclusão que tirei dessa experiência foi a seguinte: quanto mais periférica, pobre, carente, mais exigente e careira as universidades federais tendem a ser nessa questão da revalidação.

Outra conclusão: deve existir sim uma norma de âmbito nacional para regular essa questão. E a iniciativa do MEC de criar uma prova de nível nacional para resolver a questão dos graduados de medicina formados no exterior é extremamente válida, pois acaba de uma vez por todas com a 'diversidade' de exigências que cada universidade federal deve ter para resolver o assunto.

30 dezembro 2010

A HISTÓRIA DO MASSACRE DE ÍNDIOS NO ACRE

Pedro Biló: O massacre do lago Arapapá (*)

Sérgio Aparecido Dias (**)

"E a lua prateada testemunhou a extrema covardia do ser humano, embrutecido em sua loucura assassina"

Segunda Parte

Evaristo tinha lá as suas razões, o Arapapá parecia um socavão de serra. Barrancos altíssimos, de rocha pura, erguiam-se ameaçadores ao longo de grande parte das terras firmes, pela margem esquerda do rio Envira. Mesmo adentrando os vários lagos, as várzeas altas se alternavam com as baixadas, misturando pedras duras como o aço, com a tabatinga argilosa. Um paraíso de riquíssimo ecossistema, abrigava vários espécimes vegetais como cedro, mogno, angelim, copiúba e outras, além do “ouro branco”, o látex das seringueiras. Seus lagos eram um autêntico viveiro de pacús, curimatãs, matrinchãs, piaus e tucunarés. Nas matas, bandos de queixadas conviviam com veados, caititús, pacas, capivaras, antas e onças. E as aves e pássaros, às centenas de milhares, enchendo a floresta de gorjeios e trinados, de colorações as mais diversas, desde o próprio arapapá, que deu nome ao local, aos magoarís, garças, papagaios, araras, mutuns, galos da serra, ciganas e maracanãs.

Depois de 2 dias de cautelosa aproximação, Pedro Biló e seus homens se acercaram do Arapapá.

Viajando com extremo cuidado, sempre rente às margens, adentravam em todos os igapós, escondendo-se entre as canaranas e o araçazal e dormindo nas ilhotas de terra úmida dos chavascais. Quando necessário, a canoa seguia com 2 homens, ziguezagueando entre as moitas de espinhos e as tiriricas, enquanto o resto do grupo se esgueirava entre os paredões do barranco alto, procurando fazer o mínimo ruído possível, quase invisíveis aos olhos de uma possível sentinela.

Por volta das 3 horas da tarde do 3º dia, já observavam a aldeia e estudavam a disposição das malocas. Tudo muito simples: as famílias ficavam em cabanas dispostas em volta das malocas principais. Nestas, em número de 2, ficavam os guerreiros, o chefe e o pajé. Havia ainda 2 cabanas onde armazenavam alimentos e guardavam as suas armas.

Teriam que tomar cuidado com os cães. Contaram mais ou menos uns 8, afora alguns filhotes. Esses cães, embora dóceis na aparência, eram acostumados a enfrentar queixadas e acuar onças nos grotões das furnas. Tinham um excelente faro, especialmente para detectar a presença de seres humanos.

Mas Pedro Biló havia tomado suas precauções. Desde o dia anterior, ele e seus homens besuntaram os seus corpos com uma mistura de malva, malvarisco, ahuasca, pólvora e fumo. Além disso, procuraram colocar-se contra o vento, para dificultar o máximo possível a detecção pelo faro. Prepararam vários nacos de carne de sol, temperados com uma mistura de timbó com ahuasca. A ahuasca (também conhecida como ayahuasca), planta nativa comum na Amazônia, especialmente no Estado do Acre, provoca delírios, visões, descoordenação motora e distúrbios mentais. O timbó é um cipó das muitas espécies de plantas tóxicas da floresta amazônica, que inibe os sentidos, entorpece o sistema nervoso e leva à morte por asfixia e paralisação do sistema respiratório.

Tudo agora era uma questão de tempo e paciência. Neutralizados os cães, tomadas as armas e dominadas as sentinelas, o resto seria um combate normal, com o rugido do papo amarelo e a agudeza das lâminas dos punhais.

Noite alta, lua brilhando no céu azul. A aldeia Caxinauá era uma clareira aberta na selva, inundada com a luz do luar. Nas malocas centrais, os guerreiros ressonavam e roncavam, tomados pelo sono profundo. As 4 sentinelas recostavam nas árvores próximas às cabanas laterais, visívelmente entorpecidas de sono, práticamente dormindo em pé.

Pedro Biló deslizava como cobra, rente ao solo, sem fazer o mínimo ruído, protegendo-se entre as moitas. De vez em quando, levantava levemente o braço e jogava um naco de carne em direção aos cães. Esses, sem a menor cerimônia, disputavam os pedaços e engoliam gulosamente cada porção daquele alimento letal. Sorrindo, Pedro Biló rastejou de volta. Agora era só aguardar que as drogas fizessem efeito. A mistura havia sido muito bem planejada. Se apenas tivesse usado a ahuasca, os cães se recuperariam 1 hora depois. Se tivesse colocado só o timbó, o ruído que eles fariam na proximidade da morte teria alertado as sentinelas. Perfeito, em cerca de 30 minutos poderiam agir com mais segurança!

O leve estremecimento dos cães mostrou que a morte havia chegado para eles. Pedro Biló e mais 3 capangas deslocaram-se ágilmente em direção às sentinelas, protegendo-se na escuridão da mata. Nas mãos, levavam os temidos punhais nordestinos, de 2 gumes, utilizados pelos cangaceiros, com grossas lâminas de aço temperado, com ponta de 25 centímetros de agudeza.

Saltando das trevas, num movimento felino e uno, cada um tomou a sua vítima, tapando a sua boca com uma das mãos e, com a outra, enterrando profundamente o punhal nos rins. Com um estertor convulsivo, na terrível dor do rompimento dos rins, as sentinelas tombaram sem um gemido sequer, com os olhos a saltarem das órbitas, e os dentes cerrados rilhando num ruído áspero, violentamente sacudidas numa terrível crise aguda de insuficiência renal, mortífera e súbita. A morte sobreveio em cerca de 10 segundos.

Em seguida, todo o bando invadiu a aldeia e tomou posições estratégicas em relação às malocas principais. Pedro Biló apontou para a porta da maloca dos guerreiros e acionou o gatilho do papo amarelo. Em meio a um cerrado tiroteio, ainda entorpecidos de sono, os caxinauá saíram da maloca e correram em direção à cabana das armas. Mas encontraram-se com os homens de Pedro Biló, fortemente armados, que os mataram às dezenas. Mesmo assim, vários alcançaram as armas e ofereceram uma resistência heróica.

Crianças e mulheres, gritando aterrorizadas, procuravam se proteger nas cabanas ou entre as árvores. Alguns alcançaram as águas do lago e nadaram para os igapós. Mas diversos foram atingidos por balas certeiras e tingiram as águas do lago com a cor vermelha do seu sangue. Os valentes guerreiros caxinauá tombaram de pé e venderam bem caro as suas peles. Várias flechas trespassaram o peito dos homens de Pedro Biló e alguns tiveram as suas cabeças despedaçadas pelas bordunas e pelos tacapes. Invocando seus deuses e gritando, defenderam até à última gota de sangue a terra de seus ancestrais. Mas não podiam competir com a superioridade bélica dos homens brancos. E a lua prateada testemunhou a extrema covardia do ser humano, embrutecido em sua loucura assassina.

Após liquidar os guerreiros, aqueles homens, sedentos de sangue e possuídos de uma tara pervertida, agarraram as índias mais jovens e as que mais lhes apeteceram e promoveram um festim de estupros. Índias foram violentadas em meio ao sangue quente que jorrava dos guerreiros mortos. Seus gritos lancinantes ecoaram em vão através da selva. Ao longe, seus lamentos apenas eram ouvidos pelas outras índias e pelas crianças, jovens e velhos em fuga, que nada podiam fazer, a não ser chorar e esperar por uma futura vingança. E por toda aquela madrugada de horror, as índias capturadas foram o prêmio dos vencedores de uma batalha inglória.

Ao romper da manhã, havendo saciado a tara dos conquistadores, aquelas desventuradas índias tiveram as suas preces atendidas: uma bala na cabeça aliviou-lhes o sofrimento e levou-as aos braços piedosos de Mavutsinim, o deus maior, criador dos seres vivos e da floresta Com-pletada a obra e contabilizadas as baixas, o grupo vitorioso regressou para reportar a conquista e entregar o Arapapá nas mãos criminosas do mandante do covarde massacre.

Uma festa estrondosa foi realizada e o mundo testemunhou o surgimento de mais um herói.

Esta é apenas a ponta do iceberg, tão somente uma das muitas histórias envolvendo a figura controversa de Pedro Biló. E não somente ele, mas muitos outros matadores e pistoleiros, fizeram his-tória naqueles tempos perdidos de Deus. Teodoro, Evaristo, Zé da Onça e tantos outros, protegidos pelos coronéis de barranco, acobertados por autoridades corruptas, foram o terror das pessoas honestas, essas sim as verdadeiras desbravadoras do Acre e de toda a Amazônia.

Seringueiros trabalhadores e corajosos, heróis anônimos, não festejados e nem reconhecidos nas datas do calendário nacional. Seus nomes jamais figurarão em nossas praças e nem em nossas ruas e avenidas, emporcalhadas com os nomes de Raposo Tavares, Domingos Jorge Velho e Bartolomeu Bueno da Silva.

Fica registrado mais este protesto contra esses falsos heróis. Já basta de promover a fama de assassinos, mesmo que seus feitos tenham alargado as nossas fronteiras ou rechaçado os invasores de nossa pátria.

O que tenham feito de correto não é suficiente para encobrir seus crimes hediondos, assim como toda a água do mundo não é suficiente para lavar as mãos sujas de sangue de Pôncio Pilatos, que condenou Jesus à morte e tentou justificar-se lavando as suas mãos.

E tampouco conseguirão clarear as águas tintas de sangue do lago do Arapapá.

POST SCRIPTUM (12/11/1998): conheci e entrevistei Pedro Biló, em Feijó, no Estado do Acre, no verão de 1977. No inverno do ano seguinte, retornando de uma viagem missionária que fizera aos índios Caxinauá, acima do Seringal “Olinda do Maciel”, ele estava num dos seringais rio abaixo e tomou o mesmo barco em que eu estava. Pude testemunhar, pessoalmente, o pavor que ele despertava nos índios. Um velho índio Caxinauá, remanescente dos antigos guerreiros (talvez do Arapapá, mas não pude confirmar), encolhia-se num canto do barco e tremia como vara verde, olhando aterrorizado para Pedro Biló, que sorria, divertido com a situação. Acheguei-me ao índio velho, abracei-o e lhe assegurei que nada lhe aconteceria. Mesmo assim, o seu pavor incontrolável serviu para divertir os passageiros, até à chegada no porto de Feijó.

- O nome “Arapapá” foi dado ao local do massacre, em virtude da mudança do nome da comunidade na época, para proteger seus atuais moradores, a maioria ignorando os fatos que lá se deram;
- Caxinauá também pode ser grafado como Caxinawá e significa “povo morcego”;
- O deus maior dos indígenas brasileiros (de origem tupi-guaraní) é mais conhecido por Tupã. Todavia, na Amazônia, especialmente nas regiões do rio Xingú, seu nome é Mavutsinim. O rio Envira é tributário do rio Juruá, região mediana entre o alto e médio Amazonas. Mas os deuses diferem apenas pelos nomes regionais, sendo similares suas lendas e seus feitos;
- O nome “Nezinho”, dado ao seringalista é fictício, para proteger o autor desta história, tendo em vista possíveis represálias. Sobre Pedro Biló, basta verificar com os seus descendentes ou com os moradores mais antigos de Feijó. Quanto a “Evaristo”, “Zé da Onça” e os demais, são apelidos de pistoleiros conhecidos e fazem parte também de outros relatos em outras histórias.

* Este conto faz parte do livro “Dramas da Amazônia”

** Sérgio Aparecido Dias é pastor evangélico há mais de 30 anos, tendo realizado missões evangélicas entre várias tribos indígenas da Amazônia acreana e matogrossense. Morou em Feijó, Acre, entre 1976 e 1979, ocasião em que conheceu pessoalmente Pedro Biló e falou com muitas pessoas que contaram sobre os crimes hediondos cometidos por ele alguns anos antes. Foi informado dos assassinatos dos índios, especialmente dos Caxinawá. Baseado em algumas dessas histórias, escreveu "O Massacre do Lago do Arapapá". Depois de vários anos pastoreando Igrejas em Manaus e lecionando no Seminário Batista Regular do Amazonas, aceitou o convite para pastorear uma Igreja Batista em Tefé, no médio Solimões a partir da segunda semana de Janeiro de 2011, de onde também dará assistência a 4 comunidades indígenas no rio Japurá. Apoia toda as atividades que possam auxiliar os índios, preservando-lhes a vida e defendendo-os das investidas de abutres carniceiros, à semelhança de Pedro Biló.

Foto: Paulo França, disponível no site Povos Indígenas no Brasil, da organização Socioambiental

29 dezembro 2010

A HISTÓRIA DO MASSACRE DE ÍNDIOS NO ACRE

Pedro Biló: O massacre do lago Arapapá (*)

Sérgio Aparecido Dias (**)

"E a lua prateada testemunhou a extrema covardia do ser humano, embrutecido em sua loucura assassina"

Primeira Parte

A História é imparcial e fria nos registros e relatos dos personagens. Feitos heróicos e atos de-gradantes caminham paralelos, ao longo da estrada da vida. Muitas vezes, a linha que delimita heróis e bandidos é muito tênue, e o bom se mistura com o mau, sendo quase impossível separar o joio do trigo.

O que caracteriza um bandido? Qual o perfil do herói?

Se, para a justiça, todo matador é assassino e, conseqüentemente é um criminoso, talvez não o seja para a comunidade onde mora. Matar em defesa das terras ameaçadas é um ato heróico ou um ato criminoso? Exterminar um povo selvagem para ficar com suas terras também é crime?

Caso afirmativo, porquê consideramos os Bandeirantes como heróis e lhes homenageamos, batizando cidades e logradouros públicos com os seus nomes?

Quem foi Raposo Tavares? Quem foi Bartolomeu Bueno da Silva, conhecido como Anhangüera (diabo velho)?

Em duas investidas conquistadoras pelas terras brasileiras ( incursões essas chamadas bandeiras), Raposo Tavares destruiu aldeias jesuítas em Guayra, na fronteira com o Paraguai, aprisionando centenas de indígenas e matando outras tantas centenas, em 1629, com o auxílio de outro bandeirante, Manuel Preto. Entre 1648 e 1651, saiu de São Paulo e fez incursões no Amazonas e no Pará, chegando ao Perú. Nessas investidas conquistadoras, extinguiu tribos inteiras e escravizou os índios sobreviventes nessas regiões. Hoje, seu nome está associado ao heroísmo, à coragem e à honra. Seus crimes o colocam na galeria dos heróis nacionais, por matar os índios e tomar-lhes as terras de seus ancestrais.

E o que dizer de Domingos Jorge Velho ? Esse bandeirante, entre outras coisas, adentrou pelo nordeste brasileiro entre 1695 e 1697, destruindo aldeias indígenas no Maranhão e no Pernambuco, tornando centenas deles em seus escravos e carregadores de sua bagagem. Participou ativamente do cerco ao Quilombo dos Palmares, sendo um dos responsáveis pela morte de Zumbí dos Palmares.

Esses homens e todos os outros bandeirantes são hoje festejados como heróis, mas a questão é: eles são heróis realmente?

Esse breve relato das atrocidades de alguns dos bandeirantes, a bem da verdade todos eles escravistas e racistas, serve de pano de fundo para a história que agora passo a narrar: a história de Pedro Biló, um dos homens de confiança do coronel José Gurgel Rabêlo, o temido Zeca Rabêlo, todo-poderoso do rio Envira, no estado do Acre.

Ele (Pedro Biló) também se enquadra no perfil dos bandeirantes, já que desbravava regiões em busca de seringais e castanhais, fazendo a necessária “limpeza étnica”, matando índios e incendiando suas aldeias. Entre outras nações índias, certamente os Caxinauá (povo morcego) foram os que mais sentiram o peso de sua mão e a pontaria certeira de seu rifle. Sua área de atuação se estendia desde o atual município de Feijó, descendo até a foz do Envira, no rio Juruá, e subindo uns 2 dias de viagem (num motor de 33 HP) até acima do seringal Olinda do Maciel, fundado pelo coronel Maciel, por volta de 1905, em terras onde viviam, outrora livres, mais de 1000 índios Caxinauá.

Pedro Biló foi o responsável direto pelo decréscimo desse expressivo número de nativos, dizimando-os a tal modo que, em 1976, os dois aldeamentos principais dos Caxinauá se resumiam em algumas poucas dezenas de índios, a maioria já corrompida pela bebida e pela prostituição. E, apesar de seus quase 70 anos, a simples pronúncia de seu nome fazia os índios tremerem de pavor. E as lendas o tornavam mais e mais misterioso.

- Pedro Biló tem parte com o cão, seu moço! Rasteja igual cobra e ninguém vê ele de noite, não! Só enxerga, quando ele já tá enfiando a faca na goela, que Deus me livre e guarde!

- Ele tem reza braba e se apega com São Cipriano, cruz credo!!!

- O Biló? Ah, o seu Pedro é gente boa, é só não bulí com ele!

Opiniões contraditórias sobre um homem contraditório, cujas ações são louvadas por uns e repudiadas por outros. Quem era Pedro Biló? De onde viera até chegar ao Acre? Uns diziam que era cearense, já outros juravam que ele era acreano da gema mesmo, cobra criada da região.

Quanto ao próprio Biló, limitava-se a sorrir de modo enigmático, alimentando ainda mais as lendas em torno de sua pessoa. E as histórias que se contavam sobre ele eram de arrepiar e impunham respeito e medo.

Uma certa vez, num tempo qualquer do passado, necessitaram de seus serviços. Um determinado seringalista precisava de uma área que pertencia aos Caxinauá, cuja aldeia ficava no centro da terra em questão. Não havia sido possível um acordo com o chefe, que não aceitou trocar as terras por outra área num outro local, embora mais vantajoso, do ponto de vista do homem branco, é claro. E Pedro Biló foi chamado para resolver o problema.

- Seu Pedro, os caboclos não trocam aquela terra por nenhuma outra! E nós sabemos que lá tem muitas seringueiras boas de corte, daquelas que dão borracha de primeira! E se eu não posso ter aquelas terras por bem, então que seja por mal mesmo!

- Se voismecê garantí as minhas costa, entonce pode contá comigo e com os meus rapaiz. A gente arresorve isso bem rapidinho.

- Nem fique ressabiado, óxente! Além de mim, ainda tem o coronel Zeca Rabêlo, meu amigo e protetor, que é a lei aqui do alto Envira! Pode fazer o trabalho, que eu garanto que ninguém vai meter o focinho por aqui, num sabe? E se meter, a gente corta na bala, pois não?!?

- Apôis, o senhor pode contá com o meu papo amarelo, meu patrão!

- Isso mesmo que eu esperava ouvir, seu Pedro! E eu fico devendo mais esse favor ao Zeca. Adespois a gente se acerta, no final do fábrico. Vai ser aquele festão, com muita mulher e cachaça! E essa indiarada dos infernos que vá conseguir terra lá com o capêta, ora pois!

E Pedro Biló ajuntou seus homens de confiança. Com a garrafa de cachaça passando de mão em mão, iniciou um pequeno discurso, tendo à mão o seu temido rifle papo amarelo. A visão de Pedro Biló, atarracado e forte, empunhando o seu temível papo amarelo, gelava o sangue de qualquer um. E olhando fixamente aqueles rudes pistoleiros, colocou-os a par da situação:

- O seu Nezinho contratou a gente prá mode arretirá aqueles caboclo lá da terra firme do Arapapá. É serviço garantido, mais eu preciso que todo mundo se agaranta na pontaria. Se a gente se arresguardá, entonce tudo vorta vivo. Mais se argum morrê, entonce que morrido fica, ocêis tão me entendendo?

- Tamo sim - responde um dos capangas - Mais num vai sê fácil tirá os caboclo de lá! O Arapapá é quase uma serra, cheio de furna, parece mais é morada de onça, aquilo lá! Sei não Biló, mais eu acho que é bão tomá cuidado! Aquela cabocrada pode armá cilada prá cima de nóis!

- Óxente Evaristo, mais que cagança é essa?!? Nóis aqui tudo é gente do gatilho, num tem medo de cabra nenhum, quanto menos de índio, que só tem arco e flecha?! E adespois, tu tá te esquecendo do meu São Cipriano? Vou fechar meu corpo com a oração da cabra preta e com a oração do sapo seco, que eu quero ver a indiarada me enxergar! Num carece de se preocupá, não! Só quero que cada um faça a sua parte, que a reza braba e as mandinga são por minha conta, tá combinado?

- Combinado e meio, Biló! Pode contá com nóis!

Tudo acertado com os seus capangas, o caso agora era acertar os preparativos para a empreitada.

[Artigo continua]

* Este conto faz parte do livro “Dramas da Amazônia”;
** Sérgio Aparecido Dias é pastor evangélico há mais de 30 anos, tendo realizado missões evangélicas entre várias tribos indígenas da Amazônia acreana e matogrossense. Morou em Feijó, Acre, entre 1976 e 1979, ocasião em que conheceu pessoalmente Pedro Biló e falou com muitas pessoas que contaram sobre os crimes hediondos cometidos por ele alguns anos antes. Foi informado dos assassinatos dos índios, especialmente dos Caxinawá. Baseado em algumas dessas histórias, escreveu "O Massacre do Lago do Arapapá". Depois de vários anos pastoreando Igrejas em Manaus e lecionando no Seminário Batista Regular do Amazonas, aceitou o convite para pastorear uma Igreja Batista em Tefé, no médio Solimões a partir da segunda semana de Janeiro de 2011, de onde também dará assistência a 4 comunidades indígenas no rio Japurá. Apoia toda as atividades que possam auxiliar os índios, preservando-lhes a vida e defendendo-os das investidas de abutres carniceiros, à semelhança de Pedro Biló.
Alguns nomes de lugares e pessoas citados no conto foram alterados para proteger pessoas e o autor do texto.

Foto: Paulo França, disponível no site Povos Indígenas no Brasil, da organização Socioambiental

27 dezembro 2010

AS FRASES DO LULA

"A coisa que eu mais queria na minha vida, quando eu casei com a minha galega, era um filho. Ela engravidou logo no primeiro dia de casamento, porque pernambucano não deixa por menos"

Junho de 2003. Pelotas-RS.

25 dezembro 2010

OS ANOS LULA 2003-2010

Os bastidores da queda de Palocci: Lula deu a Palocci 4 dias para se livrar da culpa do caso Francenildo

Kennedy Alencar
Folha de S. Paulo

Apesar de ter sido informado de que Antonio Palocci Filho ordenara quebra do sigilo do caseiro Francenildo Costa, Lula deu prazo de quatro dias para o ministro da Fazenda tentar um acordo pelo qual o presidente da Caixa, Jorge Mattoso, assumiria a culpa.

Lula queria demitir José Dirceu da Casa Civil desde março de 2004, nos desdobramentos do caso Waldomiro Diniz. Mas só agiu quando Roberto Jefferson enviou um recado na Câmara de que deixaria de preservá-lo se Dirceu permanecesse.

Revelações como essas estarão no livro do repórter Kennedy Alencar sobre o governo Lula a ser lançado no ano que vem pela Publifolha.


Leia, a seguir, alguns trechos do livro.

BOMBA

A primeira grande crise do governo Lula começou no aniversário de 24 anos do PT, a sexta-feira 13 de fevereiro de 2004. Reportagem da revista "Época" revelava o vídeo no qual Waldomiro Diniz pedia propina, em 2002, ao empresário do setor de jogos Carlinhos Cachoeira.

Homem de confiança de José Dirceu e subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil, Waldomiro fora filmado quando presidia a Loterj no Rio de Janeiro.

Na segunda-feira, dia 16 de fevereiro de 2004, Dirceu pôs o cargo à disposição em reunião com Lula e ministros. Pesquisa telefônica do publicitário Duda Mendonça mostrava que a maioria achava "importante" uma CPI no Congresso.

No começo da reunião, Dirceu surpreendeu ao sugerir que poderia sair: "Estou disponível". O ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo) defendeu a permanência. Palocci também.

Lula avaliou que a demissão equivaleria a confissão de culpa e enfraqueceria o governo. Fazia menos de uma semana que dissera que Dirceu era o "capitão" do time. Em recente reforma ministerial, tirara atribuições políticas da Casa Civil e pedira ao ministro que priorizasse o gerenciamento dos ministérios, o que já era muito.

Depois, Lula soube que Dirceu desejava ficar. Antes da reunião em que pôs o cargo à disposição, ele havia pedido socorro a dois senadores: Antonio Carlos Magalhães, do antigo PFL baiano, e José Sarney (PMDB-AP). Ouviu deles que não deveria sair e que os três atuariam juntos para abafar a CPI.

Ao deixar o governo no mensalão, Dirceu se arrependeu de não ter ido embora no caso Waldomiro.

POR POUCO

Duas semanas depois, Lula mudaria de opinião. Na manhã de 2 de março de 2004, a Folha manchetava uma pesquisa Datafolha: "Maioria quer afastamento de Dirceu, mas poupa Lula". Segundo o levantamento, 67% dos entrevistados queriam o afastamento do ministro-chefe da Casa Civil.

Naquela manhã, o ministro da Fazenda dera entrevista à Rede Globo para repetir pela enésima vez que a política econômica não mudaria. Lula e Palocci estavam contrariados com ações de Dirceu para transferir parte da crise para a área econômica.

O ministro da Casa Civil estimulou documento do PT com crítica à notícia de queda de 0,2% do Produto Interno Bruto em 2003 --depois, esse número seria revisado para 1,1% de crescimento.

Por causa da entrevista, Palocci faltou à tradicional caminhada com Lula no Palácio da Alvorada. O ministro pediu a seu assessor Marcelo Netto que telefonasse para o Alvorada e perguntasse se poderia ir lá tomar um café.

Netto não localizou Freud Godoy, secretário particular do presidente. Falou com a telefonista. Ela consultou Lula, que autorizou a visita.

Sem camisa, de bermuda, passando manteiga no pão para dar à cadela Michelle, Lula discutiu a pesquisa com Palocci: "Precisamos pensar no afastamento do Zé Dirceu. A pesquisa foi muito ruim para ele". Palocci concordou.

Os dois acertaram que tentariam convencer Dirceu a tirar licença e reassumir o mandato de deputado. No entanto, ao longo do dia, Dirceu teve um aliado inesperado. Após prometer uma bomba, o senador Almeida Lima, então no PDT, fez um discurso vazio e deu argumentos a favor de suposta campanha para desestabilizar o governo derrubando Dirceu. Lula e Palocci recuaram.

ISOLAMENTO

Em março de 2005, José Dirceu tinha consciência de que perdera a proeminência política para Palocci. Numa conversa, na residência oficial da Casa Civil, na Península dos Ministros, no Lago Sul, desabafou enquanto tomava café com leite e comia torrada com mortadela. "O Palocci me disse no final do ano que já tinha pedido demissão cinco vezes ao presidente. Filho da puta. Sempre consegue o quer."

Queixava-se também da indicação de Romero Jucá para ministro da Previdência. "O PMDB está indicando, mas é ladrãããooooo", falou, com o característico sotaque do sul de Minas Gerais. Jucá durou quatro meses como ministro, mas, hábil conhecedor do Congresso, virou um líder do governo no Senado útil durante todo o resto do governo.

Dirceu criticava Lula: "É conservador. Esse pessoal do sindicalismo do ABC sempre teve casa, carro. Não é como o pessoal que viveu clandestino na ditadura. O Lula fala cada coisa. Quando fala em família, fico me controlando para não rir. Já disse para o presidente que fiz a minha parte. Já tive três famílias".

A irritação era maior com Antonio Palocci. Em 2004, em um intervalo de 20 dias, o chefe da Casa Civil e o ministro da Fazenda tiveram dois embates pesados.

No dia 22 de novembro de 2004, Lula se reuniu com ministros do PT na Granja do Torto. O encontro fora planejado pelo presidente do partido, José Genoino, para discutir os resultados das eleições municipais de outubro. Mas a economia acabou virando o assunto principal.

Ministros atacaram os juros altos. "Enxugamos gelo", disse Dirceu. Quando Palocci começou a responder à crítica, Dirceu o interrompeu: "Palocci, aqui não tem nenhum imbecil para aceitar essa explicação".

O ministro da Fazenda se virou para Lula: "Assim não tenho como continuar". Lula o apoiou: "Está dando certo. O caminho é esse".

A reunião acabou em constrangimento.

No dia seguinte, Antonio Palocci disse a Jaques Wagner, ministro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que Dirceu havia sido desleal: "Você poderia ter me inquirido daquele jeito. Ele não. Sabe de coisas que eu não posso falar. Sabe de coisas que só falo com ele e com o presidente. Anotei no meu caderno".

É revelador o desabafo de Dirceu sobre outro encontro, a reunião ministerial de 11 e 12 de dezembro de 2004: "No final do ano, não engoli o desaforo. O Lula ficou elogiando o Palocci. Até aí, tudo bem. É duro de engolir. Tava todo mundo lá bebendo, relaxando. Mas, depois, começou a elogiar o [Henrique] Meirelles [presidente do Banco Central]. Fechei a cara. Todo mundo foi ficando preocupado. O Jaques [Wagner] me passou a palavra. Eu disse: 'Bom Natal, feliz Ano Novo e boa noite'. Foi o fim".

NA MARRA

Lula sempre teve uma relação fria com Dirceu. Mas reconhece seu papel fundamental na vitoriosa estratégia de chegar ao poder com a guinada do PT ao centro na política e na economia.

Também considera que Dirceu paga um preço mais alto do que sua culpa pelo mensalão: "Ele não pode nem sair de casa. Não pode andar de avião que é ofendido, como se fosse bandido".

Quando Jefferson destampou a panela de pressão do mensalão, Lula ficou atordoado. Reservadamente, responsabilizava Dirceu, que queria cuidar do gerenciamento do governo e da articulação política, mas não dava conta do recado.

Dirceu culpava Lula pelo veto à aliança com o PMDB na formação do governo, em dezembro de 2002, o que o obrigou a fazer composições políticas no varejo com o pior do Congresso.

Em 12 de junho de 2006, um domingo, Jefferson deu à Folha a segunda de três entrevistas demolidoras. Nela, bombardeou a cúpula do PT, mas resguardou Lula. "Várias vezes conversei com o [José] Genoino [presidente do PT] e com o Delúbio [Soares, tesoureiro do partido] no gabinete do ministro Zé Dirceu", disparou.

No mesmo dia, Lula convocou Dirceu para uma reunião na Granja do Torto. Dirceu chegou às 18h. Lula foi claro: "Isso não vai parar se você não sair". O presidente defendeu um afastamento temporário que ambos sabiam definitivo.

Lula dizia que o governo estava paralisado com um chefe da Casa Civil que tinha de se explicar permanentemente. Dirceu resistiu. Voltou a falar em "confissão de culpa". Presente, José Genoino lhe deu apoio. O presidente cedeu: "Vamos esperar um pouco mais".

Jefferson socorreria Lula em breve. Na terça, dia 14 de junho, no Conselho de Ética, o presidente do PTB disse: "Zé Dirceu, se você não sair daí rápido, vai fazer réu um homem bom, o presidente Lula". Recado entendido, Lula reuniu de emergência 16 ministros no dia seguinte. Avaliação unânime: repercussão péssima do depoimento de Jefferson, mas Lula havia sido preservado.

Naquela tarde, Lula conversou com Dirceu. "Não dá mais." O chefe da Casa Civil negociou a saída para a manhã seguinte. Impediu Palocci de assumir a Casa Civil. Bancou Dilma, então ministra das Minas e Energia. Isso explica a atenção que a presidente eleita dispensa a ele nos bastidores.

CONTRA O RELÓGIO

A queda de Palocci foi um golpe mais duro para Lula. Tempos depois, o presidente a enxergaria como positiva. Pôde afrouxar o rigor fiscal e monetário com menor resistência interna.

Grato pelo arrocho do primeiro governo, o que julga um dos fundamentos do sucesso de seus oito anos, Lula tirou Palocci do purgatório e o indicou para a Casa Civil de Dilma. Não foi a primeira vez que o ajudou.

Na tarde de 16 de março de 2006, no Palácio do Planalto, Palocci contou ao presidente da Caixa, Jorge Mattoso, que soubera que o caseiro Francenildo Costa havia recebido muito dinheiro. O caseiro dissera ter visto Palocci numa casa frequentada por lobistas em Brasília.

Palocci pediu para Mattoso averiguar a movimentação financeira do caseiro na conta da Caixa. De noite, Mattoso foi à casa do ministro e lhe deu o extrato.

No dia seguinte, sexta, o assessor de imprensa de Palocci, Marcelo Netto, passou o documento para "Época", que o publicou no blog da revista. Mas a versão do caseiro se sustentou: dinheiro do pai que hesitava em reconhecê-lo como filho. Começava a ruína de Palocci.

Nos dias seguintes, em reuniões com colegas, Palocci negava ter dado a ordem de violação. Mas o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, tinha informações em sentido contrário. Para a Polícia Federal, Palocci era culpado. Dois assessores de Thomaz Bastos, que estiveram com Palocci na noite de 16 de março, convidados para uma reunião fora da agenda, responsabilizavam Palocci. Mattoso foi explícito numa conversa com um auxiliar de Lula. Disse que Palocci fora o mandante.

Ciente disso, Lula chamou Palocci e Thomaz Bastos para beber um uísque 12 anos no gabinete presidencial no final da tarde de 23 de março. Nessa conversa, Palocci admitiu ter pedido a Mattoso que levantasse informações sobre a movimentação financeira do caseiro, mas criticava a forma como o presidente da Caixa a efetuara e como o seu assessor de imprensa a divulgara. Palocci disse que não era para a ação ter sido feita daquele jeito.

"Palocci, sabe qual foi o teu erro? Foi ter mentido", disse Lula. Para o presidente, se tivesse admitido que fora à casa, o testemunho do caseiro cairia no vazio.

Francenildo simplesmente jurava que vira Palocci na casa em que lobistas de Ribeirão Preto (SP), amigos do ministro, faziam festas com garotas de programa.

"A questão é a seguinte. Se até segunda essa coisa não tiver sido resolvida com o Mattoso, você vai ter de pedir demissão", advertiu Lula. "Tá bom", respondeu Palocci.

Nos próximos dias, o ministro da Fazenda tentou convencer Mattoso e Marcelo Netto a assumir a culpa pela violação e divulgação. Eles não aceitaram.

Na segunda 27, Thomaz Bastos deu a Lula informações do diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda. Em depoimento à PF, Mattoso admitira ter dado a ordem interna na Caixa para quebrar o sigilo e imprimir um extrato. Contou que entregou o documento nas mãos de Palocci. Não disse que recebera ordem do ministro, mas não o inocentou, como queria Lula.

Na hora, o presidente telefonou para Palocci. Disse que ele teria de pedir demissão. O ministro tentou afastamento temporário. Lula refutou. Já escolhera o substituto: Guido Mantega, presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Publicamente, Palocci sempre negou ter ordenado a violação e a divulgação do sigilo. Alega ter triturado o extrato em 17 de março de 2006 sem tê-lo visto. Netto sempre negou a divulgação.

Numa votação apertada em 27 de março de 2009, o Supremo Tribunal Federal rejeitou, por falta de provas, a denúncia do Ministério Público contra Palocci e Netto. O STF decidiu que Mattoso responderia a processo criminal na primeira instância.

Feliz Natal


23 dezembro 2010

RESPOSTA DO SINPLAC

Ubiratan Rodrigues Lobo
Secretário de imprensa e divulgação do SINPLAC

Em resposta ao texto escrito por Evandro Ferreira, do Blog Ambiente Acreano, vinculado na Gazeta.net no dia 22 de dezembro de 2010 as 12:40

Tomei conhecimento desse fragmento de matéria escrito por um jornalista infelizmente pouco informado a respeito do posicionamento do Sindicato dos professores do Acre- SINPLAC, no que diz respeito a problemática existente na realização do último certame ocorrido nesse Estado, para preenchimento de vagas ao cargo de professor da SEE. Pelo que sabemos, nós da diretoria do SINPLAC, não sustentamos alguma teoria que pudesse transmitir falsas expectativas aos candidatos, e nem tão pouco afirmar que iríamos pedir anulação do certame na justiça. Entendemos que houve transtornos no momento de realização das provas, e que vários candidatos se sentiram prejudicados e até mesmo injustiçados por não terem tido tempo suficiente para concluir o preenchimento do gabarito, porém, essa afirmação foi eles que fizeram, ou seja, os candidatos, nós da diretoria apenas tivemos o interesse e a preocupação de ouvi-los, já que se trata de interesse da nossa categoria, para posteriormente nos pronunciar a respeito do ocorrido.

Alguns candidatos relataram a falta de zelo na aplicação das provas por parte da coordenação, por ela não ter fiscalizado melhor o cumprimento do tempo preestabelecido no edital, que era de 4 horas, pois, segundo eles, houve candidatos que mesmo com o toque final da sirene continuaram a preencher seus gabaritos. É lamentável que isso possa ter acontecido, pois sabemos que esse tipo de atitude é desonesta e consequentemente inaceitável num concurso, onde todos deveriam ter as mesmas oportunidades de forma igualitária, e se realmente algum deles utilizou essa prática, isso os trará vantagens, que não é correto, portanto, defendemos que tais candidatos sejam desclassificados por essa prática, e isso é justamente o que reza o edital.

Em minha opinião e essa talvez seja a mesma de toda Diretoria deste Sindicato, é que todos esses acontecimentos deveriam ter sido postos em ata, para posteriormente ter embasamento jurídico de pedir a desclassificação desses candidatos que fizeram uso indevido do tempo, caso isso não se concretize, surge então uma expectativa de direito para os candidatos que concluíram as provas no tem regulamentar ou hábil, pois esses realmente foram prejudicados com essa atitude.

Não queremos aqui causar um confronto entre o autor da matéria publicada e esse Sindicato, que sempre vem lutando em prol dos interesses de uma categoria que exerce um papel de extrema importância para o crescimento intelectual e profissional do indivíduo na sociedade brasileira, uma classe que não tem o devido reconhecimento por parte dos governantes desse país, porém, sabemos que esse jornalista também é um trabalhador como nós, e apenas está fazendo o seu trabalho, que lhe é devido e necessário para que tenhamos uma democracia mais livre e consistente. Claro, reconhecemos a brilhante importância da imprensa na formação da nossa sociedade e na democracia, porém, defendemos que esse trabalho seja feito com responsabilidade e comprometimento com a verdade, pois dessa maneira, teremos uma sociedade bem mais centrada e consciente de suas responsabilidades e atitudes, dirimindo assim, os conflitos e facilitando a resolução dos seus respectivos problemas.

Quero também pedir as minhas desculpas por ter enviado ontem um texto sem ter subscrito, pois o mesmo ocorreu de maneira acidental e não havia feito as devidas correções e concluído o meu pensamento.

Deixo o aqui o meu agradecimento, e que havendo alguma dúvida nos procure neste Sindicato, que sempre estará a disposição para receber não somente os nossos filiados como também aqueles que fazem dos órgãos de comunicação a verdadeira porta de entrada para o mundo da informação e liberdade de expressão nesse Estado e no nosso País.

MANEJO DE QUELÖNIOS NO JURUÁ

SOS Amazônia presta assistência técnica para manejo da espécie no Alto Juruá

Soltura de quelônios no interior do Estado

Raimundo Cavalcante
Jornal Página 20

[Moradores de comunidades do Juruá participam da soltura de quelônios]

Moradores das comunidades do Rio Juruá e Juruá Mirim participaram nos dias 19 a 26 de novembro da soltura de quelônios. A ação teve o apoio e assessoria técnica da SOS Amazônia através do Projeto: "Fortalecendo a Integração Fronteiriça do Acre – Ucayali."

Segundo a engenheira florestal, Anelena Carvalho, da SOS Amazônia, as ações contribuem para a preservação das tartarugas, iaçás e tracajás do Alto Juruá, de forma integrada com as comunidades ribeirinhas localizadas no Alto Juruá.

As ações desenvolvidas pela SOS Amazônia, junto aos manejadores de quelônios na região, conta atualmente com o apoio da OTCA/GTZ e do consorcio MABE.

“Atualmente, através de ações voluntárias dos monitores, são monitoradas três espécies de quelônios na região: a tartaruga (Podocnemis expansa), ameaçada de extinção; o iaçá (Podocnemis sextuberculata) e o tracajá (Podocnemis unifilis), considerados uma iguaria da culinária local”, explicou Anelena.

“Nove espécies de quelônios estão em fase de extinção, devido à caça predatória. Assim, somente um terço dos quelônios terrestre e aquáticos ainda pode ser considerado fora de perigo”, esclarece Anelena.

A degradação do habitat natural dos quelônios, pela ação humana, também é observada na região do Alto Juruá. Segundo João Ricardo dos Santos, da comunidade Porto Seguro, o trabalho de monitoramento de quelônios está ficando cada vez mais complicado, devido à falta de conscientização das pessoas.

“Os próprios moradores da comunidade passam varias horas por dia capturando grandes quantidades de tracajás e pirarucu para vender na cidade”, afirma João.

Em virtude da atual situação da população de quelônios na região, a SOS Amazônia vêm prestando assessoria técnica aos manejadores para a manutenção permanente destas espécies na natureza.

Na soltura realizada no mês de novembro, foram devolvidos à natureza 1.390 filhotes, com a participação voluntária de crianças, familiares, manejadores e vizinhos das áreas de realização do monitoramento.

As tartarugas são os maiores quelônios de água doce da América do Sul, podendo atingir pouco mais de um metro de comprimento (a média dos animais adultos encontrados é de 75 centímetros), pesar 60 quilos, o que resulta em um animal muito grande e pesado, quando fora da água torna-se uma presa fácil para os predadores. Esta espécie, apesar de está classificada como Baixo Risco, sua esticão não está descartada pela International Union for the Conservation of Nature (IUCN) de 2004 e no Apêndice II da Convention on International Trade in Endangered Species (CITES).

“É visível a necessidade de ampliarmos a parceria com aliados locais, entre eles o ICMBio, visando um melhor resultado, tanto nas questões do monitoramento de quelônios quanto as outras atividades ilegais que ocorre nas áreas de conservação, explica Anelena.

O Projeto pretende dar continuidade às ações que contribuam para a preservação das tartarugas, iaçás e tracajás do Alto Juruá, de forma integrada com as comunidades ribeirinhas, localizadas no Parque Nacional da Serra do Divisor e na RESEX Alto Juruá.

“Acreditamos que informar a população e despertar nela a necessidade de sua participação na gestão dos recursos naturais resulta em modificações duradouras e positivas em sua relação com essas e as demais espécies”, concluiu Anelena.

NOVA FORMA DE ENSINAR BIOLOGIA, QUÍMICA E FÍSICA

Professor questiona pensamento positivista ainda vigente nas escolas e propõe nova forma de ensinar biologia, química e física

O que não é óbvio e nem ululante

Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line

[Um retrato de Kant: o filósofo prussiano tentou transportar as teorias físicas de Newton para o mundo das ideias. Forças naturais pairariam sobre a ética dos homens (foto: Wikimedia Commons)]


O ocidente teve lá seus momentos-chave. A construção do pensamento do lado de cá foi abalada, por exemplo, no século 16, quando a unidade política, religiosa e espiritual, a relação da Igreja com o Estado e as demais condições estabelecidas previamente foram questionadas. Isaac Newton e René Descartes lançaram-se em busca de novos modelos investigativos, mais deterministas, que rumaram a passos largos para ideias positivistas de mundo.


"A ideia de clareza, tanto científica quanto ética, foi desconstruída pelas proposições humanas e científicas do início do século 20"



Não era apenas nas ciências duras que se vislumbrava um novo mundo. O filósofo Emanuel Kant propunha um diferente olhar sobre a ética dos homens, estabelecendo visões que, grosso modo, corroboravam um comportamento individual que deveria ser condizente com leis pré-estabelecidas pela sociedade. Ou seja: propunha um mundo regido por regras claras.


Essa ideia de clareza, tanto científica quanto ética, foi, em larga escala, desconstruída pelas proposições humanas e científicas do final do século 19 e início do século 20. Einstein talvez seja o bastião dessa desconstrução, dessa literal relativização das coisas.


Pois bem. E a educação, e o Alô, Professor com isso?


O doutor em educação pela PUC-RJ e docente da faculdade de educação da UFRJ Renato José de Oliveira ajuda a responder a pergunta, em artigo publicado na edição de novembro da revista Química Nova na Escola.


"Acho que a ciência mudou, não se pensa mais como no século 19, quando se viam uma natureza e um universo estáticos. Só que essa mudança ocorreu nos centros de pesquisa, na elaboração do conhecimento científico, não ocorreu nas salas de aula"
, explica Oliveira, que deu aula por mais de uma década no ensino médio de colégios da rede pública fluminense.


O professor, atualmente com 52 anos, responsabiliza – tanto no artigo quanto na conversa por telefone com a CH – os livros didáticos pelo olhar restrito. Segundo ele, esses livros estão "impregnados de cânones positivistas".


A ética nas escolas



Para Oliveira, a solução passaria por uma nova postura do professor diante do aluno. Na verdade, uma nova postura que superasse o positivismo e a ética kantiana. Ou seja, uma nova proposição de mundo e de ensino, que se chocaria com o que o químico chama de "farsa didática". Em vez da certeza de uma postura secular sobre as coisas do mundo (típica do positivismo e das ideias de Kant), o convívio saudável de certezas e incertezas.


No artigo, Oliveira afirma que alguns debates precisam ser levados à baia:


[...] Temas como o aborto, a eutanásia e os direitos sexuais podem ser trabalhados pelos professores de biologia quando abordarem, por exemplo, conteúdos como a origem da vida e a reprodução. Interfaces com a ética podem ser estabelecidas mediante a problematização desses temas: em que situações o aborto e a eutanásia merecem ser considerados crimes? A orientação sexual adotada por um individuo é motivo para considerá-lo melhor ou pior do que outro?



Uma das propostas do químico é dar margem sempre ao diálogo – atitude que gera, inevitavelmente, uma fundamental dialética. Cita Paulo Freire como teórico e educador que bebe dessa fonte, daqueles que percebem que o que é óbvio e ululante é, apenas, um lado de uma coleção de saudáveis dúvidas.

22 dezembro 2010

E A QUALIDADE DO ENSINO?

Só no Acre: Sindicato de professores pretende apelar para a justiça para garantir que correção de provas de concurso seja revista para permitir que candidatos que não mostraram bom desempenho possam ser classificados


Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Leio nos sites de noticias locais que o Sinplac, um sindicato de professores, quer anular o concurso realizado pelo Governo do Estado na semana passada para preencher 800 vagas para professores de diversas áreas.

A alegação dos sindicalistas, que dizem agir em nomes de alguns candidatos prejudicados, e' de que houve insuficiência de tempo para preencher o gabarito de respostas.

Sei não. Pedir anulação porque alguns candidatos não conseguiram fazer a prova a tempo da' a impressão de que esta' se tentando premiar a incompetência. Digo isso porque acho que quem conseguiu responder a tempo não esta reclamando.

O que você acha de tudo isso leitor? O que pensar?

Eu imagino candidatos apurados, mordendo o canto da língua, se esforçando para ler as questões, passando vagarosamente o lápis em cima de cada linha para ter a certeza de que não pulou nenhuma delas...enfim...para alguns, seguramente foi difícil ler com rapidez os enunciados das questões. Quem dirá ler e entender as opções de respostas.

São esses que estão reclamando. Que estão querendo ter vez como `professores` no sistema de ensino acreano. Será que nossos filhos merecem isso?

Vamos aguardar o resultado do certame. Se houver quantidade suficiente de aprovados, e' justo deixar para la' esta idéia de anular o concurso. Seria vergonhoso e constrangedor para o sindicato que esta' reivindicando isso.

Ou sera' que esse sindicato de professores acha que qualidade de ensino não e' fundamental para o avanço da nossa educação?

06 dezembro 2010

AMAZÔNIA: FALTA DE PESQUISADORES É IMENSA E URGENTE

Amazônia tem demanda “imensa e urgente” de recursos humanos para pesquisa, de acordo com Adalberto Val, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)

Obstáculo para o desenvolvimento

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – A Amazônia legal brasileira tem um território que corresponde ao de 32 países da Europa ocidental, mais de 20 milhões de habitantes e concentra a maior parte da biodiversidade do planeta. Mas a grandiosidade da região não corresponde, nem de longe, à estrutura de pesquisa científica e tecnológica ali existente.

De acordo com Adalberto Luís Val, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), estima-se que apenas 4 mil doutores atuem em toda a Amazônia nas diversas áreas de pesquisa. Um efetivo menor do que o da Universidade de São Paulo (USP), que possui mais de 5 mil doutores em seus quadros.

Em entrevista à Agência FAPESP, Val falou sobre a magnitude da carência de recursos humanos na área de ciência e tecnologia na Amazônia, que, segundo ele, é um dos principais obstáculos ao desenvolvimento da região.

A solução para o problema, segundo ele, passa pelo incremento da estrutura científica na região e pelas políticas de atração e fixação de mão de obra científica, que, por sua vez, estabelecerá a base para a formação de novos quadros na própria Amazônia. Esse círculo virtuoso, no entanto, exigirá vontade política e uma articulação interministerial bem planejada.

Biólogo, Val pesquisa no Inpa, desde 1981, a respiração e as adaptações dos peixes da Amazônia às modificações do meio ambiente, tanto aquelas de origem natural como as causadas pelo homem. Membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e do corpo editorial de várias revistas científicas, tem mais de 100 artigos publicados em periódicos do Brasil e exterior.

Agência FAPESP – Qual a dimensão da carência de recursos humanos em ciência na Amazônia?
Adalberto Luís Val – Em 2009, participei do grupo que montou o documento Amazônia: Desafio brasileiro do século 21, lançado pela Academia Brasileira de Ciências, que continha proposta para um novo modelo de desenvolvimento da região. Ali, foi feito um dimensionamento da carência de mão de obra científica na Amazônia, que foi considerado um dos entraves fundamentais para o desenvolvimento. Para se ter uma ideia, o Brasil está formando a cada ano cerca de 11 mil doutores, mas toda a região amazônica tem atualmente apenas 4 mil doutores trabalhando em pesquisa. É muito pouco, infelizmente, considerando que os nove estados da Amazônia correspondem a 60% do território nacional e a 10% do PIB nacional. A USP, sozinha, tem mais de 5 mil doutores. A demanda na região amazônica é imensa e urgente.

Agência FAPESP – Qual seria a melhor alternativa para reverter esse quadro?
Val – Temos convicção de que há várias alternativas para resolver essa questão. No entanto, nenhuma delas isoladamente pode dar conta do problema. O primeiro ponto em que temos que pensar é na montagem de uma estrutura de capacitação de mão de obra na própria Amazônia. É preciso capacitar e fixar pessoal na região. Não podemos, por outro lado, relegar a Amazônia à sua própria sorte. Temos que montar um sistema nacional capaz de atender a toda essa demanda. Uma campanha para inserir a Amazônia no Sistema de Ciência e Tecnologia do Brasil de forma efetiva.

Agência FAPESP – O ideal é trazer gente de outras regiões para a Amazônia, ou é preciso formar pessoal no próprio contexto regional?
Val – Os dois pontos são importantes. Aumentar a quantidade de gente formada na Amazônia é essencial para facilitar a fixação de pessoal. Por outro lado, temos que trazer recursos humanos de fora para acelerar a formação dessa mão de obra local.

Agência FAPESP – É preciso levar mais recursos financeiros para a região também?
Val – Sem dúvida é necessário investir, mas – isso é muito importante – não adianta despejar uma determinada quantidade de recursos na região e achar que o problema vai se resolver só com isso. Porque falta gente. Sem gente qualificada, não conseguiremos dar conta da demanda por pesquisa na região, mesmo que tenhamos recursos financeiros. É preciso fazer as duas coisas. Como eu disse, não há nenhuma ação capaz de resolver o problema isoladamente.

Agência FAPESP – É possível fazer isso em pouco tempo?
Val – Sim, contanto que exista um modelo de desenvolvimento bem planejado. Temos que fazer a coisa da forma correta. Por exemplo: é preciso evitar ações pontuais, que não se perenizam. Uma das nossas maiores necessidades é atrair e fixar recursos humanos na Amazônia. Mas, para fazer isso, esses recursos devem ser atraídos para uma estrutura organizada em grupos. Não temos nenhum programa de pós-graduação na Amazônia, por exemplo, na área de imunologia. Seria importante trazer, digamos, dez excelentes profissionais dessa área, que pudessem capacitar estudantes na região. Isso teria que ser feito dentro de um programa articulado.

Agência FAPESP – Existem políticas públicas sendo implementadas nesse sentido?
Val – Na questão da formação, sim. As políticas estão sendo implantadas. A Capes e o CNPq têm programas para isso. Mas é necessário fixar os recursos humanos com estratégias mais amplas. Não adianta apenas distribuir bolsas, porque, quando a bolsa acaba, o pesquisador quase sempre vai embora. Para contornar essa situação, temos que abrir concursos públicos e contratar pessoal. Caso contrário, o pesquisador que completou o período da sua bolsa acaba passando em concursos em outros centros com mais oferta e vai embora. É em consequência dessa dinâmica que temos tão poucos doutores na Amazônia. Isso só vai mudar se houver vontade política.

Agência FAPESP – Que impactos a carência de recursos humanos tem nas atividades do Inpa, por exemplo?
Val – No Inpa, temos desenvolvido vários projetos de pesquisa associados à inclusão social e geração de renda com base em produtos da floresta. Com isso, conseguimos gerar renda para a população e, assim, manter a floresta em pé. Por exemplo, desenvolvemos piscicultura em canais de igarapé, novas tecnologias para diagnósticos de doenças tropicais – como a leishmaniose –, a produção de pigmentos para tingir couro de peixe que não agridem o meio ambiente e uma série de outras atividades. Desenvolvemos essas tecnologias para disponibilizar para o mercado. Você pode ver no site do Inpa que conseguimos muitas patentes e muitos produtos. Mas, para que essa experiência seja multiplicada, necessitamos de mais pesquisadores. De modo geral, a Amazônia tem uma grande carência de conhecimento. Precisamos, por exemplo, planejar alternativas para produção de energia elétrica com redução de danos ambientais. Os programas brasileiros para isso envolvem a construção de muitas hidrelétricas. Mas onde construí-las? Com mais pesquisa científica, poderíamos saber onde os impactos ambientais seriam menores. Há infinitos exemplos.

Agência FAPESP – De quem deveria partir a iniciativa para organizar essas políticas públicas que ainda fazem falta?
Val – Na realidade, isso passa por vários ministérios. O mais importante é que precisa ser uma ação integradora, capaz de articular ações em vários ministérios: Ciência e Tecnologia, Educação, Meio Ambiente, Saúde, Exército, Minas e Energia... O que precisamos é ter um órgão que centralize as ações de todos esses ministérios para formular uma ação conjunta, única. Caso contrário, cada um dos ministérios vai puxar as iniciativas para um caminho diferente. Os interesses são bastante divergentes e é preciso ter um espaço definido para dialogar.

Agência FAPESP – A Reunião da SBPC de 2009, realizada em Manaus, concluiu que investir em ciência na Amazônia é uma prioridade e, para isso, seria preciso estabelecer parcerias entre comunidade científica, institutos de pesquisas, sociedade civil organizada, setor privado, governo e cidadãos. Desde então houve avanços nesse aspecto?
Val – Desde a Reunião da SBPC tivemos algum progresso, mas um progresso ainda tímido, porque o tamanho da necessidade é descomunal, muito maior do que tudo o que fizemos. Tivemos um resultado prático, que foi a criação da Universidade Federal do Oeste do Pará, com a contratação de novos professores, com gente nova que veio de fora, seguindo a diretriz que estamos comentando. Acredito que a solução passa por aí, mas precisamos de várias dessas universidades e de uma grande quantidade de Institutos de Tecnologia na região – que teriam a função de transformar em novos produtos e processos a informação científica produzida na universidade. A evolução está ocorrendo, mas precisa ser acelerada.

Foto: ABC

05 dezembro 2010

JOSÉ FELICIANO - "QUE SERÁ"