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Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

31 agosto 2009

FRATERNIDADE ECOLÓGICA

Moisés Diniz *

Quanto texto, conferência, dissertação, opinião, tinta, tipografia, hemorragia de letras e quanto verbo acerca da necessidade de manter preservada a floresta. Só a quantidade de celulose utilizada em bilhões de páginas de papel, escritas sobre o assunto, reporia 2% da floresta devastada do planeta. E ninguém sugere que olhemos para as nossas origens na floresta, após a nossa longa, fria e tenebrosa passagem pelas águas.

Temos um medo abissal de olhar para as extremidades de nossos dedos e descobrir que, durante quase um século de milhões de anos, resistimos nas árvores. Nossas garras, que depois se transformaram em mãos, guardaram as marcas digitalizadas das cascas das árvores. Quando vamos retirar a nossa carteira de identidade, o nosso polegar denuncia a nossa origem animal e as marcas indeléveis que ficaram do tempo inestimável de nossa vida braquiadora na floresta.

Viemos de uma resistência biológica e ecológica de milhões de anos. Nossos antepassados, esgotado o período de especiação, estão na floresta a nos lembrar que a única coisa que nos separa dos mamíferos inferiores é a palavra e o raciocínio lógico. Isso já basta para entendermos que entre nós e os mamíferos inferiores deve existir uma cumplicidade que não deixa de ser gratidão.

Além de termos vindo de lá, a partir da evolução das espécies, nos alimentamos de sua carne e de seus frutos. Mesmo os animais domesticados um dia viveram na floresta. A partir das florestas ocupamos as planícies, as cavernas. De lá retiramos as nossas primeiras ferramentas, nossos nomes e vestimentas.

À exceção do sal, o que consumimos que não tenha vindo da floresta? Até os combustíveis fósseis são resultados de trilhões de árvores envelhecidas, apodrecidas e soterradas no quase intocável subsolo do planeta.

Tudo o que temos de mais forte e mais precioso em nossa carga biológica, genética e humana foi adquirido e aperfeiçoado na floresta. Nossas mãos retráteis nasceram do contato rústico e dolorido com as cascas das árvores. Nosso esqueleto de alta resistência e formidável elasticidade óssea foi construído entre os galhos, em nosso deslocamento arbóreo. Nossa visão estereoscópica é fruto da vivência entre as folhagens da copa das árvores.

Adquiridas essas ferramentas biológicas e esgotado o alimento em nosso nicho ecológico arbóreo, como uma espécie fugindo da extinção, descemos ao solo das imensas florestas, antes de nos aventurarmos nas planícies. Nas florestas demarcamos os nossos territórios, organizamos as nossas hordas e famílias e iniciamos o manuseio primitivo das primeiras ferramentas.

Antes de nossa espécie ter realizado a curva pré-histórica de supremacia ‘espiritual’ entre si e os animais inferiores, a alma não era exclusividade do homo sapiens. Os animais da floresta, especialmente os mais fortes e os mais inteligentes, eram dotados de espírito, que orientavam ou puniam o homo erectus. O espírito do búfalo, do urso, do leopardo, da águia, da serpente.

No longo período de transição entre o primata e o homem, nós vivíamos numa relação desigual com o meio ambiente e seus recursos naturais poderosos. Sofremos intempéries mortais do tempo glacial, da chuva ácida, do sol escaldante, dos vulcões, das torrentes e das tempestades. As feras da floresta nos dizimavam como formigas e nosso tempo era curto em cada território e caverna. Então, decidimos nos vingar, nos transformamos numa força geológica. O antropoceno está matando aqueles que o criaram, como um monstro que nasce do parto de uma borboleta.
A nossa vingança se voltou contra nós mesmos e estamos a destruir as últimas reservas de água, floresta e toda a acumulação primitiva de recursos naturais. Estamos matando a nossa galinha dos ovos de ouro e sequer a maioria da população tem acesso aos ovos.

Uma minoria consome os recursos naturais, que se tornam bens sofisticados, enquanto a maioria da população do planeta não sabe o que é beber água potável ou alimentar-se três vezes ao dia. Apesar disso, o planeta está se exaurindo e deixando órfãs de seus recursos naturais as gerações do futuro.

No decorrer dos séculos, com o avanço da tecnologia, perdemos a cumplicidade entre o ser humano e o espaço verde que nos criou e nos alimenta. Os homens que dirigem o planeta são os antigos mamíferos que se tornaram lobos do semelhante. Eles cuidam de sua alcatéia, de sua minoria, a controlar e consumir os recursos naturais com cérebro de lobo e estômago de lagarta.

Talvez uma maldição biológica explique a nossa vingança. Nossos genes são quase iguais aos genes dos ratos. Quanto aos macacos somos mais semelhantes, além dos genes, da herança do esqueleto, da fisiologia, da fisionomia e das digitais. Somos descendentes próximos dos macacos e parentes distantes dos anjos. E ainda temos a ousadia de afirmar que somos filhos de Deus.

Durante setenta milhões de anos vivemos nas florestas. Quanto à vida humana nas cidades, ainda não completou meio milhão de anos. E por que tanto desamor aos recursos naturais? Por que tanta indiferença às formas de vida indefesa das florestas e das águas?

Dentre os animais nós somos os únicos capazes de envenenar a própria água que bebemos, de matar um ser vivo sem ter a necessidade de comê-lo para saciar a fome, de escravizar o semelhante, de torturá-lo. Contraditoriamente, somos os únicos que têm alma e, se não bastasse, somos os únicos seres vivos que riem.

A verdade é que toda a nossa ferocidade ancestral e os nossos instintos mais primitivos foram organizados em leis, em códigos canônicos e em sociais convenções. O presídio de hoje é a árvore oposta que abrigava a família de símios que queria roubar os meus frutos. A civilização é uma pele humana que cobre a nossa animalidade ancestral.

Talvez, por isso, não consigamos olhar com fraternidade para as formas de vida que não riem, não torturam, não matam a si mesmas, não rezam, não escravizam. Felizmente, nossos somos a única espécie que perdoa.

Por isso a nossa aposta na espécie humana, na sua capacidade de transformar lixo em arte, de recuperar os rios, de reciclar sua urina, de fazer de um grito uma música, de transformar o desejo mais simples em utopia e de, finalmente, perceber a dimensão da dor nas formas de vida que não fazem parte da civilização.

Somente uma nova ordem humana e ecológica e uma nova filosofia de produção e de consumo serão capazes de deter a barbárie da civilização. Que os antigos espíritos dos animais da terra e das águas nos orientem no rumo ontológico de nossas origens e de nossas utopias coletivas, embebidas no orvalho amazônico da fraternidade e na cura das enfermidades da alma humana, reconstruindo o pacto sócio-ecológico entre o homem e a floresta.

* Moisés Diniz é deputado estadual pelo PC do B - Acre

SOCIOLOGIA DO CÂNCER DE MAMA

Pesquisa aponta que características sociais, como baixa escolaridade, raça e cor, estão intimamente associadas ao tempo de sobrevida das mulheres após o diagnóstico de câncer de mama

Por Thiago Romero

Agência FAPESP – Um estudo feito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) apontou que características sociais, entre as quais “baixa escolaridade” e “raça e cor”, são fatores importantes associados ao tempo de sobrevida das mulheres após o diagnóstico de câncer de mama.

O trabalho foi publicado nos Cadernos de Saúde Pública após a defesa da dissertação de mestrado de Ione Joyce Ceola Schneider, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da UFSC.

Orientado pela professora do Departamento de Saúde Pública da UFSC Eleonora d’Orsi, o estudo analisou registros de cerca de mil mulheres com diagnóstico de câncer de mama em dois centros de assistência de alta complexidade em oncologia localizados em Florianópolis.

“Levando em conta todas as variáveis de risco de morte da doença avaliadas na amostra estudada, a escolaridade foi a mais determinante e a única a não ser afetada por nenhum outro fator, como o estadiamento, que é a fase em que a doença é diagnosticada. Verificamos, por exemplo, entre outras pontos, que as mulheres analfabetas tiveram um risco até sete vezes maior de morrer por câncer de mama do que as que tinham nível superior”, disse Ione à Agência FAPESP.

Entre as variáveis analisadas no estudo estão faixa etária, estado civil, escolaridade, raça, diagnóstico e tratamentos anteriores. O tempo de sobrevida foi calculado com base no intervalo entre a data do diagnóstico da doença e a data do óbito ou fim do acompanhamento.

De acordo com outros casos na literatura científica consultados pela pesquisadora, que associam a prevalência da doença a fatores de diagnóstico tardio e precoce, além de experiências colhidas durante a prática médica, ela sugere possíveis causas desse risco maior entre as mulheres de baixa escolaridade.

“Sabemos que as mulheres analfabetas muitas vezes não entendem a importância do diagnóstico precoce e do acompanhamento médico, sendo que muitas delas, além de não terem acesso a serviços de saúde tão eficientes, acabam abandonando o tratamento nas fases mais críticas da doença”, apontou.

A sobrevida estratificada por escolaridade indicou que mulheres com nível superior apresentaram melhor sobrevida (92,2%) nos cinco anos analisados pelo estudo, quando comparadas às mulheres com 2º grau (84%), 1º grau (73,6%) e analfabetas (56%).

A variável “raça e cor” também mostrou-se significativa: a cor branca apresentou melhor sobrevida (76,9%) do que as cores negra, parda, amarela e indígena agrupadas (62,2%). Ainda de acordo com o trabalho, as mulheres que chegaram aos hospitais de referência com diagnóstico e tratamento anteriores tiveram melhor sobrevida do que as demais.

“As pacientes que chegaram aos registros hospitalares de câncer sem diagnóstico e sem tratamento tiveram um risco duas vezes maior de óbito do que as mulheres que tiveram algum diagnóstico ou tratamento realizados antes da consulta”, disse Ione, que faz doutorado na área de saúde coletiva na UFSC e atua no serviço privado de oncologia em Florianópolis.

A idade média das mulheres participantes do estudo foi de 54 anos, apesar de que os principais fatores associados ao maior risco de óbito foram observados em mulheres jovens: após cinco anos do diagnóstico a taxa de sobrevida foi pior entre mulheres com idade inferior a 30 anos (47%).

O risco de óbito foi maior em mulheres jovens, possivelmente devido ao câncer de mama ser mais agressivo e ter pior prognóstico nessa faixa etária. “A faixa etária de 40 a 49 anos teve a melhor taxa de sobrevida, com 82%”, disse.

Segundo a pesquisa, anualmente cerca de 1,1 milhão de mulheres têm diagnóstico de câncer de mama no mundo e, no Brasil, estimativas apontam que ocorrerão cerca de 50 mil casos novos de câncer de mama este ano, com um risco de cerca de 50 casos a cada 100 mil mulheres.

“Uma das principais conclusões do estudo é mostrar a necessidade de conscientização das mulheres sobre a importância do diagnóstico precoce e da busca pelos serviços de saúde periodicamente, e não só quando os sintomas da doença já estão avançados. Infelizmente, muitas mulheres ainda têm morrido por falta de informação”, alertou Ione.

Para ler o artigo Sobrevida em cinco anos e fatores prognósticos em mulheres com câncer de mama em Santa Catarina, Brasil, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.

(Foto: divulgação)

A GRIPE ESPANHOLA NO BRASIL

Gripe espanhola revela meandros da República Velha

Edmilson Silva
Agência Fiocruz de Notícias

A forma como os políticos, os médicos, os farmacêuticos e a população locais se posicionaram frente à doença desconhecida que matou cerca de 30 milhões de pessoas, nos anos de 1918 e 1919, estrutura o livro A gripe espanhola na Bahia – saúde, política e medicina em tempos de epidemia, de Christiane Maria Cruz de Souza, lançado, em conjunto, pelas editoras Fiocruz e da Universidade Federal da Bahia (Edufba). Ao analisar os diversos aspectos relacionados à gripe que matou o presidente Rodrigues Alves, em janeiro de 1919, antes mesmo de tomar posse, a autora produziu “um belo e inédito mosaico”, a partir das fontes documentais mais diversificadas para fundamentar a pesquisa sobre o enfrentamento do vírus influenza, segundo o professor do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz, Gilberto Hochman.

Orientador da tese e autor do prefácio do livro que dela resultou, Hochman exalta “o delicado artesanato” na produção da narrativa que, para ele, é capaz de provocar o interesse, a surpresa e até mesmo a compaixão pelos que sofrem nos tempos de epidemia. “Se nos mostra com brilhantismo e angústia as cores e dores da chegada, da passagem e do término da gripe espanhola em terras baianas, Christiane também nos revela, de modo arguto, inúmeras facetas da sociedade, da política e da saúde na Bahia por meio da dança mortal”, diz Hochman. Segundo o historiador, além de permitir compreender as especificidades locais da chamada República Velha naquele estado brasileiro, o livro faz comparações e possibilita compreender a epidemia na Bahia em perspectiva global. Ainda mais em meados de 2009, quando a pandemia pelo vírus da influenza A (H1N1) começa a perder força no Hemisfério Sul, de acordo com especialistas, mas fala-se também sobre a possibilidade de futura ocorrência de novo repique da pandemia.

A complexidade e a desigualdade da sociedade baiana, reveladas pela crise epidêmica, servem de mola-mestra ao trabalho de Christiane, que se volta não apenas para a Salvador daquele período tumultuado por disputas políticas, crise financeira do estado, greves de professores e de operários, mas também para o Recôncavo e os sertões baianos. Tempo em que a carestia, a corrosão salarial, o desemprego e a crise de moradia contribuíam para alargar o espectro da pobreza, favorecendo a ação de doenças como a tuberculose, a gripe, a varíola, a febre amarela, a malária e a peste bubônica. Período em que as elites nacionais estavam mobilizadas em torno do saneamento das áreas urbanas e rurais do Brasil e em que se procurava formar uma rede de assistência pública à saúde. Ações que, segundo a autora, a irrupção da gripe espanhola veio evidenciar o caráter incipiente.

Devido às condições de moradia dos mais pobres na Salvador dos porões, sobrelojas, casas de cômodo e cortiços, além do quase desconhecimento do agente etiológico da doença, a gripe espanhola, mesmo não fazendo o mesmo número de vítimas que em São Paulo e no Rio de Janeiro, atingiu, em três meses, aproximadamente um terço dos moradores da capital baiana. As autoridades, que, a princípio procuraram negar a gravidade da doença, passaram a aconselhar, pela imprensa, a adoção de medidas de prevenção, tais como evitar o convívio em locais de aglomeração.

Conhecido por sua religiosidade, o povo baiano, por sua vez, recorria aos vários espectros do sagrado. “A tensão desencadeada pela crise epidêmica aumentou as expressões de religiosidade – as pessoas buscavam na religião explicação e consolo para o castigo da doença. As missas, romarias, adoração de imagens e os ‘beija-pés’ dos santos, entre outros ritos católicos, eram realizados no intuito de suplicar a misericórdia divina. Os rituais reuniam muitos fiéis, ainda que tal confluência de indivíduos nos espaços confinados das igrejas fosse desaconselhada pelas autoridades sanitárias. Os fiéis estavam tão seguros da proteção divina no espaço sagrado das igrejas que não temiam o risco de contaminação”, conta Christiane no livro.

Mesmo tendo sua prática proibida, na década em que o Catolicismo era tido como manifestação religiosa superior, os candomblés de Salvador “atraíam pessoas de diversas camadas da sociedade, em busca do auxílio das forças sobrenaturais para vencer aquele período de dificuldades”, de acordo com a autora. O fervor religioso, entretanto, não impediu o adiamento, sem data prevista, da festa de Nossa Senhora de Sant’Anna, padroeira de Feira de Santana, em virtude do mau estado sanitário dos feirenses.

O relato de Christiane contempla desde as disputas políticas acirradas sobre as mazelas da “peste da guerra” – nominação que a gripe espanhola recebeu por conta da proximidade do final da Primeira Guerra Mundial – até a incorporação que o comércio passou a fazer, a fim de melhorar as vendas de alguns produtos, tais como uma marca de conhaque e uma emulsão feita a partir do fígado de bacalhau. A autora também não deixa de lado aspectos pitorescos relacionados ao enfrentamento da epidemia, como o alerta, em forma de nota, da ocorrência de uma “influenzafobia”, que o médico Plácido Barbosa publicou no jornal O Imparcial, logo no começo da epidemia, em 24 de outubro de 1918, e as estratégias utilizadas pelas autoridades sanitárias, o que incluía a obrigatoriedade de os “hespanholados” não procurarem pessoalmente os médicos, mas solicitarem a visita destes ao domicílio. A forma como esse trâmite, de finalidade preventiva, se deu e outras mudanças introduzidas na vida baiana por conta da influenza também estão no livro.

Serviço:

A gripe espanhola na Bahia – saúde, política e medicina em tempos de epidemia
Christiane Maria Cruz de Souza
372 p.
R$ 48,00
Coleção História e Saúde
Editora Fiocruz

CONSUMO DE DROGAS NO BRASIL: CASO DE POLÍCIA OU DE SAÚDE

Drogas: caso de polícia ou de saúde?

Roberto Lent
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Ciencia Hoje Online

Tive uma experiência gratificante na semana que passou, ao ser chamado a participar da primeira reunião da recém-criada Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia, junto com personalidades de diferentes atuações sociais.

Entre elas estava o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso; Rubem Cesar Fernandes, presidente da ONG Viva Rio; o historiador José Murilo de Carvalho; a ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal; o empresário Pedro Moreira Salles; o líder comunitário Carlos Costa; a atriz Lilia Cabral; Paulo Gadelha, presidente da Fundação Oswaldo Cruz; o jornalista Zuenir Ventura e vários outros.

O objetivo da comissão é rediscutir a questão das drogas que aflige o Brasil – e o mundo inteiro – numa nova perspectiva, que substitua a política ainda vigente na maioria dos países, de confrontação direta e inflexibilidade diante da produção, comercialização e consumo.

[Pacotes de cocaína apreendidos nos Estados Unidos. Nos últimos 50 anos, a política de combate às drogas foi pautada pela repressão severa à produção, ao tráfico e ao consumo (foto: DEA).]

Essa política se originou de três convenções da Organização das Nações Unidas (ONU) realizadas em 1961, em Nova York, em 1971 e em 1988, ambas em Viena. Essas reuniões listaram as substâncias que deveriam ser fiscalizadas e recomendaram medidas de controle da produção, comercialização e uso. Mais importante que isso: definiram uma política conhecida como “Guerra às Drogas”, aplicada desde então na maioria dos países, inclusive o Brasil.

A questão inicial da comissão brasileira que acaba de se formar é a seguinte: essa política deu certo?

O mundo das drogas

Acredita-se que mais de 200 milhões de pessoas no mundo utilizem algum tipo de droga ilícita pelo menos uma vez a cada ano. Esse número sobe vertiginosamente se considerarmos também drogas lícitas como álcool e tabaco. Nesse caso, pode-se dizer que praticamente toda a humanidade consome drogas psicoativas! Desses 200 milhões, 160 milhões utilizam a maconha, e cerca de 15% do total são dependentes – 30 milhões de pessoas! Esse nível de consumo, é óbvio, envolve uma vasta superestrutura criminosa para a produção e comercialização, e uma enorme soma de dinheiro – centenas de bilhões de dólares por ano.

Segundo a Comissão Latino-americana sobre Drogas e Democracia, antecessora da nossa, a América Latina é o maior exportador mundial de cocaína e maconha. Três países desse continente – Colômbia, Peru e Bolívia – produzem toda a cocaína consumida no mundo. Além disso, já produzimos por aqui ópio e heroína em volume considerável, e começamos a produzir drogas sintéticas. Além disso, o consumo de drogas na América Latina está em expansão, ao contrário do que ocorre na Europa e nos Estados Unidos, onde atingiu um padrão estável.

O crescimento da produção e do consumo em nosso continente veio acompanhado e vinculado a um aumento do crime organizado dedicado ao tráfico internacional e ao controle dos mercados nacionais. O fenômeno levou a um crescimento da violência, que todos vivemos, bem como à criminalização da política e à politização do crime.

A guerra às drogas

Como avaliar a política de repressão sem trégua que vigora em todo o mundo há 50 anos? O mínimo que se pode dizer é que não deu certo. Duvida? Veja alguns números. A ONU levantou a evolução do cultivo da planta de coca na região andina entre 1997 e 2007 e descobriu que ela se manteve estável em torno de 150 mil e 200 mil hectares. Ao mesmo tempo, os preços da cocaína no varejo norte-americano despencaram cinco vezes em 20 anos, de cerca de 500 dólares por grama em 1981 para 100 dólares em 2003.

Por outro lado, o continente latino-americano ocupa o topo do ranking mundial de homicídios de jovens, intimamente ligado ao tráfico de drogas: 92,3 para cada 100 mil habitantes em El Salvador (1º lugar) e 51,6 no Brasil (5º lugar). No meio, estão Colômbia, Venezuela e Guatemala.

[O preço das drogas tem caído continuamente e o número de prisões cresce sem parar, segundo dados da ONU referentes aos Estados Unidos.]

No Brasil, o tráfico de armas e drogas domina as demais atividades criminosas em praticamente todas as regiões metropolitanas, o que resulta no controle de vastos territórios urbanos onde o Estado não penetra (favelas e comunidades pobres), altos níveis de corrupção de políticos, líderes sociais e autoridades de segurança pública, altas taxas de homicídios e, portanto, uma extrema insegurança das instituições e dos cidadãos. Uma forte ameaça à democracia.

A nova política: redução de danos

A avaliação negativa da política de guerra às drogas tem levado à proposição de uma nova política, conhecida como “redução de danos”. Isso significa abandonarmos – por ilusória e impossível – a perspectiva de eliminar as drogas da face da Terra. As drogas, lícitas ou ilícitas, têm sido uma prática da humanidade desde sempre ao longo da história, e tudo indica que continuará assim. Seu consumo é uma prática cultural fortemente enraizada em todos os continentes. Socialmente falando, não há como viver sem elas. O que é preciso é reduzir os danos que provocam à saúde.

Essa talvez seja a palavra mágica: saúde. Ao deslocarmos o foco do crime para a saúde, consideraremos os usuários leves e recreativos como indivíduos que devem ser alvo de políticas educacionais para que não se excedam no consumo, para prevenir os danos. Em segundo lugar, o consumo de drogas como questão de saúde pública implica orientar os dependentes para tratamento, e não para a prisão. Por fim, as penas da lei para os traficantes.

Excelentes resultados, nessa perspectiva, foram obtidos pelo Brasil no caso do consumo de tabaco. A publicidade das empresas fabricantes de cigarros foi controlada, e uma campanha educacional de advertência de riscos foi lançada há menos de dez anos pelo Ministério da Saúde.

Mais recentemente, a proibição do fumo em locais públicos acentuou ainda mais a campanha, agora focando na redução de danos dos fumantes passivos. O resultado é que o consumo de cigarros caiu vertiginosamente no país. É de se prever que uma política semelhante seja feita nos próximos anos com relação ao consumo de álcool.

No caso das drogas ilícitas, o problema é mais complicado, porque a mudança de foco implica despenalizar (diminuir as penas da lei) ou descriminalizar (tornar legal) o consumo e o porte de pequenas quantidades, concentrando a repressão nos traficantes. A dificuldade é que ainda não há consenso em diversos setores da opinião pública de que esse caminho é o único com chance de sucesso.

Com a nova política, o usuário é alvo de políticas de saúde e prevenção, e apenas o produtor e o traficante se tornam alvo da polícia.

A contribuição da neurociência

Em que medida pode a neurociência contribuir com esse processo? Os farmacologistas há muito se dedicam a desvendar os mecanismos de ação e dependência das drogas psicoativas e a desenvolver alternativas terapêuticas. Há muito se sabe que a morfina tem análogos naturais produzidos por nosso próprio organismo – as chamadas endorfinas, peptídeos que participam de mecanismos analgésicos endógenos.

Além disso, comentei na coluna de junho a descoberta de um grupo de farmacologistas de São Paulo de que o cérebro produz também moléculas análogas à maconha (endocanabinoides). Ambos – endorfinas e endocanabinoides – são proteínas receptoras que muitas de nossas células produzem, capazes de reconhecer a morfina e o tetra-hidrocanabinol, principal componente ativo da maconha.

Os mecanismos moleculares e celulares subjacentes aos efeitos positivos e negativos do uso das diferentes drogas, bem como da dependência que muitas provocam, também são bem conhecidos dos farmacologistas, sendo operantes em certos locais do cérebro, nos pontos em que os neurônios se aproximam para trocar informações. Essa história é longa, e pretendo comentá-la em outro momento proximamente.

Quero abordar aqui um outro tipo de contribuição dos neurocientistas na implementação de novas políticas de redução de danos das drogas de abuso.

É o caso do estudo realizado recentemente pelo grupo multidisciplinar liderado por Eliane Volchan, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em trabalho conjunto com o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e a Universidade Federal Fluminense (UFF).

O grupo analisou o efeito neuropsicológico das fotografias de impacto negativo que passaram a ser impressas nos maços de cigarros comercializados no Brasil, empregando ferramentas psicométricas utilizadas em estudos sobre a emoção e o comportamento humano.

Imagens de maior impacto

O trabalho consistiu em avaliar os dois conjuntos de figuras exibidas nas advertências sanitárias dos maços de cigarros, o primeiro entre 2002 e 2004, o segundo entre 2004 e 2008. As figuras foram exibidas em condições controladas a mais de 200 jovens voluntários (em torno de 20 anos) de ambos os sexos, sendo quase 20% deles fumantes.

Os participantes do experimento sentavam-se numa sala onde eram projetadas as imagens de advertência, misturadas a outras provenientes de um banco de imagens cujo conteúdo emocional é previamente aferido e validado internacionalmente. Entre as apresentações de cada imagem os voluntários preencheram um questionário objetivo e padronizado que avalia o tipo (agradável ou desagradável?) e a intensidade da emoção despertada, e o grau de alerta que causava.

Por exemplo, lembra-se de sua reação ao ver na televisão a imagem dos aviões se chocando contra os prédios de Nova York em 2001? Certamente seu coração disparou, você se manteve alerta e pregado na TV, e sua avaliação emocional foi de um grande horror. Tecnicamente falando: você atribuiu valência negativa de alto grau àquela emoção, e experimentou um grau de alerta máximo naquele momento.

Os resultados obtidos pelo grupo fluminense permitiram classificar as imagens apresentadas nos maços de cigarros, comprovar sua eficácia na produção de emoções negativas e validar sua utilização nas campanhas de prevenção.

Novas advertências sanitárias para controle do tabagismo. As imagens foram desenvolvidas com embasamento neurocientífico para gerar um alto grau de repulsa.

Dois detalhes chamam a atenção no estudo. Primeiro, as imagens de advertência com indivíduos fumando mostraram-se menos impactantes nos fumantes do que nos não fumantes. Parece óbvio, mas indica que as campanhas com essas imagens não seriam uma boa escolha para quem já é dependente de tabaco. O segundo dado interessante é que as imagens dos maços não atingiram grau máximo de alerta, o que significa que outras ainda mais eficazes poderiam ser escolhidas. O estudo foi utilizado como base para a elaboração das novas advertências sanitárias que agora estão sendo utilizadas nos maços. Estas sim, mais negativas e mais alarmantes.

Também é digno de nota observar que as indústrias de produção de cigarros utilizavam imagens de caráter oposto – de valência positiva – para atrair consumidores. Quem não lembra do caubói de Marlboro?

Os resultados da campanha educacional de controle do tabagismo, associados às medidas de proibição da publicidade de cigarros e, mais recentemente, às leis que proíbem seu consumo em lugares públicos fechados, certamente são inspiradores para uma política de redução de danos que possa ser também empregada para o álcool – outra droga lícita de alto prejuízo social.

Mais complexo é o problema das drogas ilícitas, mas o caminho parece ser esse: redução de danos em substituição à repressão cega a usuários e traficantes..

SUGESTÕES PARA LEITURA

UNODC [Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime] (2008) World Drug Report 2008.

B.E.M. Nascimento e colaboradores (2008) Avoidance of smoking: The impact of warning labels in Brazil. Tobacco Control, vol. 17: pp.405-409.

Comissão Latinoamericana Sobre Drogas e Democracia (2009) Drogas e Democracia: Rumo a uma Mudança de Paradigma.

RODOVIAS, FERROVIAS OU HIDROVIAS NA AMAZÔNIA?

"O prazo de retorno do investimento em rodovia na Amazônia é de 14 anos; em ferrovia, de nove anos; e em hidrovia, de três anos. A emissão de carbono em rodovia é oito vezes maior do que em hidrovia. É preciso 200 carretas para transportar a carga de seis barcaças..."

Novos caminhos

Miriam Leitão
Jornal O Globo

O prazo de retorno do investimento em rodovia na Amazônia é de 14 anos; em ferrovia, de nove anos; e em hidrovia, de três anos. A emissão de carbono em rodovia é oito vezes maior do que em hidrovia. É preciso 200 carretas para transportar a carga de seis barcaças. Por um estudo do Ilos (Instituto de Logística e Supply Chain), do ponto de vista econômico e ambiental, o rodoviarismo do PAC não faz sentido.

É preciso pensar em outros modais, e incluir a conta ambiental antes das decisões, explica o professor Paulo Fernando Fleury, da equipe que preparou o estudo para um seminário do instituto, em setembro. Na Amazônia, em vez de pensar sempre em rodovias, o governo deveria comparar outros meios de transporte.

O estudo compara as possibilidades de se chegar ao Porto de Santarém, que de acordo com a projeção sobre o escoamento futuro da soja é bastante competitivo. Uma possibilidade seria uma ferrovia de 1.650 quilômetros, ligando Sinop, em Mato Grosso, a Santarém, no Pará. Outra possibilidade seria viabilizar a movimentação da soja pela hidrovia Teles Pires-Tapajós. A hipótese rodoviária seria a BR-163, cuja pavimentação é prevista no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O Porto de Santarém tem um terminal com capacidade de armazenamento de 60 mil toneladas e sua ampliação está temporariamente suspensa por razões ambientais.

O mais interessante do estudo é que quando ele simula os outros modais é possível ter uma noção do que o governo deveria fazer, e não faz, nas obras que impõe ao país: não compara alternativas numa avaliação mais ampla de custo e retorno. Normalmente, se vê apenas o investimento inicial. Ele, de fato, é menor na hipótese rodoviária. Seria de R$ 1,55 bilhão o investimento necessário para acabar de pavimentar a BR-163; na ferrovia projetada, o custo seria de R$ 4,15 bilhões; na hidrovia, R$ 2,9 bilhões.

Num primeiro olhar, parece que o custo da rodovia é mais baixo, mas o estudo do Ilos foi adiante. Viu a manutenção, por exemplo. Numa rodovia, ela teria que ser feita a cada nove anos; numa ferrovia, após 20 anos; e numa hidrovia, a cada 30 anos. O prazo para retorno do investimento seria de 14 anos na rodovia, nove anos na ferrovia e três anos na hidrovia. O custo do transporte seria de R$ 94,7 por tonelada a cada 1.000 quilômetros na rodovia; R$ 56,9, na ferrovia; R$ 42, na hidrovia. O que, na rodovia, exigiria 200 carretas para transportar pode ser levado em um trem de 77 vagões ou um comboio de seis barcaças.

O estudo mostra que, apesar de uma rodovia na Amazônia exigir um investimento menor inicial, ela tem um custo maior de manutenção, um frete mais caro, transporta menos e polui muito mais. Isso, sem considerar outros custos ambientais, como o incentivo ao desmatamento que uma rodovia na Amazônia produz. O estudo calcula que só no combustível queimado no transporte, a emissão de carbono numa rodovia é oito vezes maior do que numa hidrovia, e numa ferrovia é 1,7 vezes maior do que na hidrovia.

— O consumo de diesel da ferrovia seria quase duas vezes o da hidrovia, o consumo de diesel da rodovia seria cerca de 17 vezes o da hidrovia — diz Fleury.

O objetivo do estudo é imaginar o futuro do escoamento da soja, levando-se em conta que haverá maior adensamento da produção da soja no interior do país, que precisará chegar aos portos. Em 2007, foram produzidas 29 milhões de toneladas de soja para exportação; em 2020, a projeção indica que o país estará produzindo 59 milhões de toneladas: duas vezes mais. Em todos os cenários, os portos de Santarém e Paranaguá “apresentam elevado potencial de crescimento na movimentação da soja”. Pelo estudo, “com infraestrutura adequada e otimização logística de exportação de soja é possível reduzir em até 9,5% os custos atuais”.

Fleury diz que como o aumento da produção será grande — 30 milhões de toneladas — todos os portos podem ter aumento de volume, mas alguns são bem mais competitivos do que outros. As obras têm que ser previstas dentro dessa visão integrada que busca o mais eficiente do ponto de vista logístico. Do contrário, o governo acaba dispersando recursos.

A falta de avaliação mais ampla do que seja custo faz o governo optar preferencialmente por rodovias na Amazônia, que são mais caras quando se avalia outros itens de custo; incentivam o desmatamento; e aumentam as emissões de gases de efeito estufa que serão cada vez mais uma restrição para as empresas e para os países.

Dias atrás, grandes empresas e entidades do país assinaram uma carta se comprometendo a medir anualmente tudo o que emitem de gases de efeito estufa, na sua atividade produtiva; o inventário de emissões. E se comprometem a reduzir essas emissões. Isso seria mais fácil se, num programa como o PAC, fosse considerada a variável ambiental. Com ela, aumentaria a competitividade de obras que viabilizassem modais menos poluentes. As empresas não assumem esse compromisso apenas para ficar bem na foto do ambientalmente correto, mas porque no futuro o carbono será taxado, e as exportadoras serão cobradas pelos seus clientes no mundo desenvolvido sobre o grau de emissão das suas atividades produtivas.

O governo reage às cobranças dos órgãos ambientais às obras do PAC na Amazônia como se fossem barreiras ao crescimento. Se tivesse uma visão mais abrangente poderia concluir que o meio ambiente é o indispensável aliado do novo desenvolvimento, e a variável que falta nas suas equações.

30 agosto 2009

"Brasil, urgente, Marina presidente"

Marina Silva se filia ao PV e diz que decisão sobre disputa presidencial fica para 2010

Marli Moreira
Repórter da Agência Brasil

São Paulo - A senadora Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, oficializou hoje (30) a sua filiação ao Partido Verde (PV), durante convenção da legenda realizada no Espaço Rosa Rosarium, em Pinheiros, zona oeste da capital paulista.

Durante o evento, Marina Silva, que durante 30 anos foi filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT), disse só no ano que vem decidirá se vai disputar a Presidência da República como candidata do PV.

“Me sinto honrada com o convite para ser candidata a presidente, mas essa decisão é para 2010”, afirmou Marina, que foi muito aplaudida por militantes e líderes do PV.

A senadora ressaltou que, se for candidata à sucessão presidencial, usará como plataforma política as questões ambientais. Para ela, o Brasil tem condições de conciliar o crescimento econômico e o desenvolvimento social com a sustentabilidade.

Foto: Antônio Cruz/ABr

“Brasil, urgente, Marina presidente!”

Marina assina filiação ao PV

Em cerimônia em São Paulo, a senadora (AC) afirmou que a decisão sua candidatura à Presidência da República será tomada no ano que vem

Redação Época

A senadora Marina Silva (AC) assinou neste domingo (30) sua filiação ao PV. Na cerimônia em São Paulo, em clima de comício, a ex-ministra do Meio Ambiente afirmou que a saída do PT foi “difícil e dolorosa”, mas que agora vivia um momento alegre. “Às vezes, dentro de uma casa, é necessário que a gente saia para fazer a sua própria casa. Isso não significa se que está rompendo com o seu passado. Estou saindo para fazer outra casa, e para morar talvez na mesma rua”, afirmou.

Em discurso de 40 minutos, Marina afirmou que não tem mais a ilusão de um “partido perfeito”, como disse que tivera na juventude. "Não venho com o sonho do partido perfeito que acalentei na juventude, mas com a certeza de que os homens e mulheres de bem aperfeiçoem as instituições partidárias", afirmou.

Marina saiu do PT após 30 anos de militância. É possível que ela seja candidata do PV à Presidência da República no ano que vem. Porém, no evento deste domingo (30), ela afirmou que a decisão sobre o assunto só será tomada em 2010.

Cerca de mil pessoas participaram da cerimônia. Marina foi saudada aos gritos de “Brasil, urgente, Marina presidente!”.

O presidente do PV, José Luiz Penna, afirmou que a decisão sobre a disputa presidencial cabe à senadora: “Se a Marina decidir, nós vamos apoiar. É uma questão de conforto – de ela se sentir confortável com a candidatura”.

GORDURA SUBCUTÂNEA

Gordura subcutânea da barriga não faz mal à saúde

Por Beatriz Flausino - beatriz.flausino@usp.br
Agência USP de Notícias

A gordura subcutânea da barriga, que fica logo abaixo da pele, não faz mal à saúde. Uma pesquisa desenvolvida na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) aponta que essa gordura não tem efeito sobre o metabolismo de mulheres que passaram por cirurgia plástica na barriga (dermolipectomia abdominal). As participantes do estudo foram mulheres obesas que passaram por cirurgia de redução do estômago (bariátrica).

“Pesquisas anteriores mostraram que a dermolipectomia abdominal causa uma melhora no metabolismo [conjunto de transformações que as substâncias químicas sofrem no interior do corpo], outros que há uma piora. Concluí que não há alteração no metabolismo dessas pacientes”, explica a médica Vyvianne Azoubel Roizenblat, responsável pela tese de doutorado Efeito da dermolipectomia na sensibilidade à insulina em mulheres obesas, em fase de estabilidade de peso, após cirurgia bariátrica.

Ela também escalerece que “a gordura visceral [que fica nas camadas profundas do abdome, em volta dos órgãos] tem conhecidos efeitos negativos para a saúde, como predisposição a desenvolver doenças cardiovasculares, mas a gordura subcutânea ainda tem um papel controverso nos estudos”.

Cirurgia plástica

Logo depois de uma cirurgia de redução do estômago, por causa da grande perda de peso, muitas mulheres ficam com uma sobra de pele na barriga. Muitas delas optam por uma cirurgia plástica para remover esse excesso. Vyvianne mediu a sensibilidade à insulina nessas mulheres antes e depois da cirurgia plástica abdominal. A insulina é o hormônio responsável pela redução da glicemia (taxa de glicose no sangue), pois promove o ingresso de glicose nas células. Ela também é essencial no consumo de carboidratos, na síntese de proteínas e no armazenamento de lipídios (gorduras).

O exame utilizado na pesquisa, chamado clamp euglicemico hiperinsulinemico, consiste em medir a absorção de glicose das mulheres e é considerado o metodo “padrão-ouro” para avaliar a sensibilidade à insulina. A médica explica: “se ela [a paciente] capta mais glicose durante o exame isso é bom, isso indica que ela tem menos chances de desenvolver diabetes no futuro; já se ela capta pouca glicose, significa que ela é menos sensível, ou seja, mais resistente à insulina, e que pode vir a desenvolver diabetes no futuro.”

Entre as participantes do estudo, houve diferenças nos resultados de acordo com a idade. As mais jovens (até 36,6 anos) tiveram uma melhora na sensibilidade à insulina depois da plástica. As mais velhas (acima de 36,6 anos) tiveram uma piora. Segundo Vyvianne, algumas explicações para isso são que as mulheres mais velhas têm menos massa magra. Assim, captam menos glicose e, além disso, estão mais próximas da menopausa e por isso produzem menos estrógeno, hormônio sexual feminino que tem um papel protetor na resistência à insulina.

Gordura subcutânea

Apesar de a gordura acumulada na barriga pelas mulheres que fazem cirurgia de redução do estômago não ter influência no metabolismo ela tem outras consequências.

Além de apresentar um mau efeito estético, essa gordura pode acarretar doenças de pele, como micoses, e, em alguns casos atrapalha a visualização da genitália. “Essa cirurgia tem muita procura pelas mulheres que fazem cirurgia bariátrica e aumenta a qualidade de vida e a saúde dessas mulheres. Não posso afirmar que há uma melhora no metabolismo, mas posso dizer que não fará mal a elas”, explica Vyvianne.

Jose Augusto - Candilejas

29 agosto 2009

GOVERNO PODERÁ PAGAR PARA QUEM NÃO DESMATAR

O governo estuda a criação de um projeto para pagar uma verba anual aos proprietários de áreas de floresta que evitarem o desmatamento

Leila Suwwan
O Globo, 29-08-2009.

Batizado pelo ministro Carlos Minc (Meio Ambiente) de “bolsa carbono”, o pagamento seria um incentivo econômico à conservação, baseado no valor do carbono que deixa de ser emitido com as derrubadas. Com isso, os donos seriam remunerados pela preservação geral de suas terras, mas a verba seria reduzida caso a área de mata comece a ser destruída. O pagamento da bolsa carbono não se limitaria à região amazônica.

Segundo Minc, estudos preliminares partem de um patamar de US$ 5 (cerca de R$ 10) por tonelada de CO2 não emitido com a derrubada de árvores, mas esse número não está definido. Deve variar para cada bioma e por tipo de propriedade.

— É preciso mudar os conceitos. A floresta de pé tem que valer mais que a floresta derrubada. Hoje, derrubar vale mais e não é punido. O crime é rápido, simples e barato. Fazer o certo ainda demora, é caro e complicado. A coisa certa precisa ser remunerada, e o carbono tem valor. Por isso, estamos estudando a ideia do bolsa carbono — disse Carlos Minc.

Estudo é da época de Marina Silva como ministra O estudo, que data da gestão Marina Silva na pasta, leva em conta um patamar inicial de emissões evitadas em nível nacional.

A redução de desmatamento anual se traduz em toneladas de CO2 que deixaram de ser emitidas, e viram uma cota para todos que participaram da conservação: governo, empresas, assentados etc.

A título de exemplo, hoje haveria uma conta de 1,2 tonelada de carbono por hectare na região amazônica. O dono de uma área de mil hectares de floresta receberia pagamento relativo à sua cota: 1.200 tonelada. Porém, a opção de desmatar leva à redução da cota. A cada hectare destruído, haveria um abatimento de 366 toneladas. Neste exemplo, três hectares desmatados o fariam perder todo o pagamento, inclusive para os próximos anos. Se o desmatamento for ilegal, além de perder o incentivo, responderá pelo crime.

Esses créditos de carbono — técnicos do setor rejeitam o termo “bolsa” — seriam facilmente integrados a um mercado nacional de carbono, se ele vier a ser implantado. Dessa forma, o governo sequer pagaria os valores, que poderiam ser revertidos em créditos negociáveis.

Além de recursos do Tesouro, o Ministério do Meio Ambiente espera utilizar verba de fundos, a exemplo do Fundo da Amazônia, que já recebeu doação de US$ 1 bilhão da Noruega. Para convencer a área econômica, técnicos pretendem verificar se o resultado esperado será mais vantajoso para o governo. Serão comparados os custos da bolsa com os de repressão criminal, fiscalização e conservação.

— O reflorestamento e a manutenção são programas muito caros. Seria mais barato não cortar. Estamos fazendo cálculos com a Fazenda e descobrindo quanto se gasta com vigilância e conservação — disse Minc, acrescentando que, se for adiante, a implantação será gradual.

Além dessa iniciativa, o governo já deslanchou uma “bolsa floresta”, que remunera serviços ambientais, como o reflorestamento.

Está sendo implantada a bolsa de R$ 200 por mês para famílias em assentamentos ou pequenas comunidades na região amazônica, pelo projeto Arco Verde. O orçamento atual é de R$ 50 milhões

MARINA CANDIDATA A PRESIDENTE

Marina Silva: um novo olhar sobre o Brasil*

Artigo de Leonardo Boff

"O novo olhar, adequado à crescente consciência da humanidade e à altura da crise atual, exige uma equação diferente entre ecologia e economia, uma redefinição de nossa presença no planeta e um cuidado consciente sobre o nosso futuro comum. Para estas coisas a direção atual do PT é cega. Não apenas não vê. É que não tem olhos. O que é pior", escreve Leonardo Boff, teólogo.

Eis o artigo.

Erram os que pensam que a saida da senadora Marina Silva do PT obedeçe a propósitos oportunistas de uma eventual candidatura à Presidência da República. Marina Silva saiu porque possuía um outro olhar sobre o Brasil, sobre o PAC (Programa de Acelaração do Crescimento) do governo que identifica desenvolvimento com crescimento meramente material e com maior capacidade de consumo. O novo olhar, adequado à crescente consciência da humanidade e à altura da crise atual, exige uma equação diferente entre ecologia e economia, uma redefinição de nossa presença no planeta e um cuidado consciente sobre o nosso futuro comum. Para estas coisas a direção atual do PT é cega. Não apenas não vê. É que não tem olhos. O que é pior.

Para aprofundar esta questão, valho-me de uma correspondência com o sociólogo de Juiz de Fora e Belo Horizonte, Pedro Ribeiro de Oliveira, um intelectual dos mais lúcidos que articula a academia com as lutas populares e as Cebs e que acaba de organizar um belo livro sobre “A consciência planetária e a religião”(Paulinas 2009) Escreve ele:

“Efetivamente, estamos numa encruzilhada histórica. A candidatura da Marina não faz mais do que deixá-la evidente. O sistema produtivista-consumista de mercado teima em sobreviver, alegando que somente ele é capaz de resolver o problema da fome e da miséria – quando, na verdade, é seu causador. Acontece que ele se impôs desde o século XVI como aquilo que a Humanidade produziu de melhor, ajudado pelo iluminismo e a revolução cultural do século XIX, que nos convenceram a todos da validade de seu dogma fundante: somos vocacionados para o progresso sem fim que a ciência, a técnica e o mercado proporcionam. Essa inércia ideológica que continua movendo o mundo se cruza, hoje, com um outro caminho, que é o da consciência planetária. É ainda uma trilha, mas uma trilha que vai em outra direção”.

“Muitos pensadores e analistas descobriram a existência dessa trilha e chamaram a atenção do mundo para a necessidade de mudarmos a direção da nossa caminhada. Trocar o caminho do progresso sem fim, pelo caminho da harmonia planetária”.

“Esta inflexão era a voz profética de alguns. Mas agora, ela já não clama mais no deserto e sim diante de um público que aumenta a cada dia. Aquela trilha já não aparece mais apenas como um caminho exclusivo de alguns ecologistas mas como um caminho viável para toda a humanidade. Diante dela, o paradigma do progresso sem fim desnuda sua fragilidade teórica e seu dogma antes inquestionável ameaça ruir. Nesse momento, reunem-se todas as forças para mantê-lo de pé, menos por meio de uma argumentação consistente do que pela repetição de que “não há alternativas” e que qualquer alternativa “é um sonho”.

“É aqui que situo a candidatura da Marina. É evidente que o PV é um partido que pode até ter sido fundado com boas intenções mas hoje converteu-se numa legenda de aluguel. Ninguém imagina que a Marina – na hipótese de ganhar a eleição – vá governar com base no PV. Se eventualmente ela vencer, terá que seguir o caminho de outros presidentes sul-americanos eleitos sem base partidária e recorrer aos plebiscitos e referendos populares para quebrar as amarras de um sistema que “primeiro tomou a terra dos índios e depois escreveu o código civil”, como escreveu o argentino Eduardo de la Cerna”.

“Mesmo que não ganhe, sua candidatura será um grande momento de conscientização popular sobre o destino do Brasil e do Planeta. Marina Silva dispensará os marqueteiros, e entrarão em campanha os seguidores de Paulo Freire”.

“Esta é a diferença da candidatura Marina. Serra, do alto da sua arrogância, estimula a candidatura Marina para derrubar Lula e manter a política de crescimento e concentração de riqueza. Lula, por sua vez, levanta a bandeira da união da esquerda contra Serra, mas também para manter a política de crescimento e de concentração da riqueza, embora mitigada pelas políticas sociais”.

“Marina representa outro paradigma. Não mais a má utopia do progresso sem fim, mas a boa utopia da harmonia planetária. A nossa visão não é restrita a 2010-2014. Estamos mirando a grande crise de 2035 e buscando evitá-la enquanto é tempo ou, na pior das hipóteses, buscar alternativas ao seu enfrentamento.

É por isso, por amor a nossos filhos, netos e netas, temos que dar força à candidatura da Marina. E que Paulo Freire nos ajude a fazer dessa campanha eleitoral uma campanha de educação popular de massas”.

Digo eu com Victor Hugo:”Não há nada de mais poderoso no mundo do que uma idéia cujo tempo já chegou”.

*Reproduzido do site do IHU Online

MARINA CANDIDATA A PRESIDENTE...DEU NO NEW YORK TIMES

“Marina is a person that earned her own wings, and it is not surprising to discover that those who have wings can fly,” said Jorge Viana, the former governor of Acre, Ms. Silva’s home state.

["Marina é uma pessoa que conquistou suas próprias asas, e não é surpresa decobrir que aqueles que tem asas podem voar", disse Jorge Viana, ex-Governador do Acre, o Estado natal de Marina"]

The Saturday Profile

A Child of the Amazon Shakes Up a Nation’s Politics

By ALEXEI BARRIONUEVO
Published: August 28, 2009

Andre Vieira for The New York Times

MADAM CANDIDATE Marina Silva, who went from taking rubber from rainforests as a child to protecting them as an adult, at her office in the Brazilian Senate.

FOR Marina Silva, life began in the heart of the Amazon. From the age of 11, she walked nine miles a day helping her father collect rubber from trees.

These days, as an icon in the environmental movement, she has dedicated her life to protecting that same rainforest.



Clique aqui para ler a íntegra da reportagem (em inglês)

METADE DAS MULHERES QUE USAM O SUS JÁ SOFREU VIOLÊNCIA

Rosemeire Soares Talamone, do Serviço de Comunicação Social do campus de Ribeirão Preto

O Grupo de Pesquisa Saúde e Gênero, da USP Ribeirão Preto, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde da cidade, realizou um mapa inédito sobre a violência contra as mulheres na cidade. A pesquisa foi feita com usuárias do serviço de saúde da rede pública e revelou, por exemplo, que a prevalência da violência cometida pelo parceiro íntimo é alta entre as usuárias do Serviço Único de Saúde (SUS) de Ribeirão Preto chegando a atingir 50% das mulheres no caso de violência psicológica pelo menos uma vez na vida.

O estudo 'Ocorrência e atendimento de violência de gênero entre mulheres usuárias dos serviços de saúde da rede pública de Ribeirão Preto' revelou que os tipos de violência contra a mulher usuária do SUS raramente ocorrem de forma isolada e apresentam alta prevalência, considerando que 36,4% das entrevistadas disseram ter sofrido violência física e psicológica pelo menos uma vez na vida. A violência física foi citada por 31,2%.

A pesquisa começou em 2006 com o objetivo de levantar subsídios que possam ser usados para diminuir a invisibilidade da violência contra a mulher (VCM), além de contribuir para definir políticas de capacitação dos profissionais de saúde e promover melhor articulação entre os setores sociais envolvidos com o tema. A coleta de dados foi realizada em 2008. A amostra final, constituída aleatoriamente, foi composta por 504 mulheres, 80% das quais iam sempre à Unidade Básica de Saúde, UBDS.

A coordenação foi da professora Elisabeth Meloni Vieira, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP). Participaram também os professores Ana Maria de Almeida e Ana Márcia Nakano, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP), Manoel Antônio dos Santos, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) e Gleici de Castro Perdoná, da FMRP.

O projeto teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio do Convênio FAPESP-CNPq-SUS na Linha Temática: Programas, Práticas e Ações de Saúde-CNPq/FAPESP.

O resultado da pesquisa foi apresentado pela professora Elisabeth na última segunda-feira (24) durante o “Seminário sobre Violência Contra a Mulher: ‘O que pode fazer a Atenção Primária?’”, promovido pelo Grupo de Pesquisa Saúde e Gênero e Secretaria Municipal de Saúde, e que ocorreu na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP).

Com informações do professor Manoel Antonio dos Santos

28 agosto 2009

UM DIA SEM COMER CARNE FAZ DIFERENÇA?

Notícias do Dia IHU

Surgido nos Estados Unidos, movimento que procura diminuir o consumo de carne ganha adeptos em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil. A reportagem é de Jennifer Koppe e está publicada no jornal Gazeta do Povo, 26-08-2009.

Um dia por semana sem comer carne pode ajudar a combater o aquecimento global. É o que afirmam os engajados na campanha Meatless Monday (“Segunda sem Carne”), movimento que surgiu nos Estados Unidos em 2003, com o objetivo de incentivar as pessoas a consumir menos carne.

Segundo um estudo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), as emissões de gases de efeito-estufa – como o dióxido de carbono, o metano e o óxido de nitrato – associadas à cadeia de produção da carne representam um quinto das emissões totais mundiais. Cerca de 18% das emissões provêm do desmatamento para a criação de pastagens, do transporte da carne, do processamento industrial do alimento e do sistema digestivo dos bovinos. “Calcula-se que o gado emita 80 milhões de toneladas de gás metano (por gases e fezes) por ano. Este gás, por sua vez, tem potencial térmico 21 vezes maior do que o gás carbônico”, explica o professor do Mestrado de Gestão Ambiental da Universidade Positivo Maurício Dziedzic.

O impacto de uma ação como essa parece insignificante, mas, se todos os habitantes dos países ricos adotassem a medida, a diferença seria bastante significativa. De acordo com o escritor norte-americano Michael Pollan, autor de O Dilema do Onívoro, a adoção de uma dieta vegetariana durante um dia da semana por toda a população dos Estados Unidos seria o equivalente a tirar 20 milhões de carros da estrada.

Ação global

O movimento Meatless Monday ganhou adeptos em vários países. Na Inglaterra, o ex-beatle Paul McCartney conseguiu chamar a atenção da mídia ao lançar, em 2008, uma cria da campanha americana: o Meat Free Monday. A filha do cantor, a estilista Stella McCartney, o músico Moby, a atriz Kate Bosworth e a artista plástica Yoko Ono, entre outras celebridades, aderiram ao movimento.

A Câmara de Vereadores da cidade de Ghent, na Bélgica, instituiu que restaurantes, escolas e hospitais ofereçam opções de refeições sem carne na terça-feira. O Dia Vegetariano também ganhou força em Israel.

No Brasil, a Segunda sem Carne deverá ser lançada oficialmente no dia 3 de outubro, no Parque Ibirapuera, em São Paulo. A versão brasileira da campanha é uma iniciativa da Sociedade Brasileira Vegetariana (SBV) em parceria com a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo e já conta com o apoio do Slow Food São Paulo, do Instituto Nina Rosa e do Greenpeace.

Em Curitiba, a SBV tenta, aos poucos, conscientizar a população sobre os benefícios da dieta vegetariana. A última ação do grupo aconteceu durante os meses de junho e julho em um shopping da cidade. Vinhetas eletrônicas exibidas na praça de alimentação e nos corredores tinham o objetivo de convencer as pessoas a optar por uma refeição sem carne, que hoje em dia pode ser encontrada em quase todo restaurante. “Só o fato de diminuir o consumo já faz uma grande diferença. Muitos problemas ambientais são causados por hábitos que cultivamos. A alimentação não está isolada do mundo e da sociedade”, lembra Ricardo Laurino, coordenador do grupo em Curitiba.

Será que a moda pega por aqui?

O Brasil está entre os países que mais produzem e consomem carne no mundo. Temos o maior rebanho bovino comercial e somos o maior exportador de carne em toneladas. Segundo dados do Serviço de Informação da Carne (SIC), o país registra um consumo per capita de 40 quilos de carne bovina por ano, contra 30 quilos de carne de frango e 12 quilos de carne suína.

Ao mesmo tempo, cerca de 28% dos brasileiros têm procurado diminuir o seu consumo de carne, segundo um estudo da empresa de pesquisas Ipsos. Os motivos envolvem não só a saúde, mas também a preocupação com o meio ambiente. O boicote de grandes redes de supermercados à carne bovina proveniente de fazendas ilegais na Amazônia, por exemplo, chamou a atenção das pessoas para o desmatamento da floresta e a crueldade praticada com os animais durante o abate.

O designer Érico Almeida, 26 anos, e o engenheiro florestal Gustavo Gatti, 35 anos, fazem parte do time que mudou seus hábitos em nome do planeta. “Já faz três meses que não como frango e carne vermelha. Eu me sinto mais leve não só fisicamente. Fico feliz de estar contribuindo de alguma forma”, conta Gustavo. Há quatro anos que o designer só abre exceções em datas especiais. “No aniversário da minha mãe, não resisti”, confessa.

Já Gustavo, analista de projetos ambientais da Fundação O Boticário, diz que foi o trabalho que o convenceu a mudar de atitude. “Tenho acesso a muitas informações a respeito do prejuízo causado por alguns cultivos, inclusive a pecuária. Os números são assombrosos. Por isso, adotei a redução do consumo de carne como estratégia para conscientizar outras pessoas sobre o assunto”, conta.

O engenheiro não abandonou os prazeres da carne por completo, mas a consome com responsabilidade. “Gosto de carne e não deixo de frequentar um bom churrasco. Mas sempre procuro conhecer a procedência da carne e dou preferência à carne orgânica”, explica.

Maurício Dziedzic, professor do Mestrado de Gestão Ambiental da Universidade Positivo, explica que é possível transformar a pecuária em uma atividade mais sustentável e menos nociva à atmosfera. “Muitos produtores já optaram por alterar a dieta do gado para diminuir a emissão de gases de efeito estufa. O esterco dos animais também tem sido usado para gerar energia”, enumera.

O especialista lembra que, se a ideia é contribuir para a preservação do meio ambiente, diminuir o consumo de carne não deve ser uma ação isolada. É preciso mudar o estilo de vida: usar meios de transporte menos poluentes, reciclar o lixo e evitar o desperdício devem igualmente fazer parte da rotina. “Também não adianta nada não comer carne num dia e comer o dobro no outro”, alerta.

LÚCIO FLÁVIO PINTO DIVULGA CARTA SOBRE CENSURA JUDICIAL AO JORNAL PESSOAL

ISA

Processsado 33 vezes e condenado cinco vezes, Lúcio Flávio Pinto escreve em carta endereçada à opinião pública, que a Associação Nacional de Jornais, ao comemorar seus 30 anos de existência, em 18/8, relatou 16 casos de censura prévia à imprensa mas não incluiu a censura judicial que foi imposta ao Jornal Pessoal em 6 de julho último pelo juiz da 4ª Vara Cível do Fórum de Belém. Lucio Flavio edita o jornal há 22 anos, 19 dos quais submetidos à perseguições políticas, como conta na carta divulgada nesta quarta-feira (26/8).

Dos 33 processos movidos contra o jornalista Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal, 19 são de autoria de três irmãos da família Maiorana, proprietária do Grupo Liberal, que edita o jornal O Liberal, em Belém (PA). Catorze desses processos foram propostos em juízo depois que Ronaldo Maiorana, diretor editor-corporativo do jornal O Liberal, agrediu Lúcio Flávio fisicamente em um restaurante de Belém, em 21 de janeiro de 2005. (Saiba mais)

À OPINIÃO PÚBLICA

Em solenidade na qual comemorou seus 30 anos de fundação, na semana passada, no Rio de Janeiro, a Associação Nacional de Jornais apresentou uma relação com 31 casos de censura à imprensa praticados nos últimos 12 meses no Brasil, sendo 16 decorrentes de decisão judicial. O levantamento podia ser considerado completo ou, pelo menos, satisfatório, se não tivesse omitido a censura judicial imposta ao "Jornal Pessoal", quinzenário que edito em Belém do Pará há 22 anos, pelo juiz da 4ª vara cível do fórum de Belém, Raimundo das Chagas Filho, no dia 6 de julho.

O juiz Raimundo das Chagas deferiu a ação de indenização por dano moral proposta em setembro de 2005 por Ronaldo Maiorana e Romulo Maiorana Júnior, donos do grupo Liberal, a maior corporação de comunicações do norte do país, afiliada à rede Globo de Televisão. O juiz condenou o "Jornal Pessoal" a indenizar os dois empresários, por pretensa ofensa à memória de seu pai, em 30 mil reais, mais honorários advocatícios arbitrados pelo máximo legal (20% do valor da causa) e custas judiciais. O valor corresponde a um ano e meio de faturamento bruto do “Jornal Pessoal”. Recorde-se que pena semelhante aplicada a "O Estado de S. Paulo" por magistrado do Distrito Federal foi de 150 mil reais, em iniciativa que provocou o justo protesto da ANJ.

Para estabelecer o valor, o juiz disse que meu jornal, que circula com tiragem de 2.000 exemplares, 12 páginas em formato ofício e não aceita publicidade, vendendo apenas em bancas e livrarias, tem alto lucro, sobretudo por vender muito entre estudantes. Não há qualquer base de cálculo nos autos nem o juiz requereu perícia que fundamentasse sua decisão. Como tudo na sentença, ela é arbitrária.

O titular da 4ª vara cível também impôs ao "Jornal Pessoal" publicar carta dos autores da ação, em respeito ao direito de resposta. Só que nenhuma carta foi juntada aos autos, o que, evidentemente, torna inexeqüível a determinação, nem ela pode ser ainda suprida, já que o processo foi encerrado pela sentença de mérito.

Em outra tutela inibitória, o juiz impôs ao "Jornal Pessoal" a proibição de qualquer tipo de referência aos autores da ação, embora, na petição inicial, eles tivessem requerido o acautelamento apenas para a memória do pai, o que caracteriza a violação à regra processual de que o julgador não pode conceder o que não foi pedido.

Já suscitei a suspeição do magistrado através do devido recurso, além de ter-lhe embargado a sentença. Representarei contra ele ao Conselho Nacional de Justiça na próxima semana.

Diante da gravidade desse caso de censura, qualquer levantamento sobre a violação do princípio constitucional que proíbe a censura de periódicos no Brasil deixará de ser sério se excluir a violência praticada no dia 6 de julho pelo juiz Raimundo das Chagas Filho.

Poderá sugerir uma moral de má inspiração: de que a ANJ coloca o espírito corporativo acima da defesa de um dos princípios constitucionais que sustenta o edifício democrático, que é a liberdade de imprensa. Atenta para combater a insidiosa censura que se espraia pelo país em pleno regime democrático, fecha os olhos para a violação patrocinada por um associado, como o jornal "O Liberal".

No dia 20 escrevi uma carta ao vice-presidente da ANJ e responsável pelo Comitê de Liberdade de Expressão entidade, Júlio César Mesquita, pedindo-lhe para rever a lista dos 31 casos de censura à imprensa divulgada pela associação e nela incluir, por ser de direito e de verdade, o caso do "Jornal Pessoal". Aguardo sua manifestação.

Quase aos 60 anos de idade, sou jornalista profissional há 43 anos, 18 dos quais em "O Estado de S. Paulo" (1971-1989), minha mais longa e mais importante experiência na grande imprensa.

Há 22 anos edito, sozinho, o "Jornal Pessoal", quinzenário que coloquei em circulação em setembro de 1987, em Belém do Pará. É a mais duradoura das publicações da imprensa alternativa brasileira, com a singularidade de ser feita por uma única pessoa, viver exclusivamente da venda avulsa e ter formato pobre, quase artesanal. Mesmo assim, recebeu prêmios internacionais por sua qualidade e é considerada uma fonte de referência sobre temas amazônicos. Tudo em função da sua seriedade, da sua devoção quase missionária à rigorosa e exata apuração dos fatos, o que possibilita ao meu jornal um título que muito o honra: o de jamais ter sido desmentido.

Mesmo os que divergem do jornal reconhecem sua seriedade e sua competência no trato dos temas da sua pauta.

Justamente por isso, o "Jornal Pessoal" tem sido muito perseguido, por aqueles que não aceitam a divulgação dos seus desvios, como disse o sr. José Roberto Marinho, ao discursar na solenidade comemorativa aos 30 anos da Associação Nacional dos Jornais. Meu jornal incomoda não por mentir ou ofender as pessoas, mas por dizer a verdade. O texto bíblico assegura, com razão, que a verdade liberta. Mas há pessoas no nosso país que não toleram a liberdade. Daí porque, desde 1992 até hoje, fui processado 33 vezes no fórum de Belém e condenado cinco vezes, sem que, entretanto, tenha perdido minha condição de réu primário porque as sentenças não foram executadas.

Desses 33 processos, 19 são de autoria de três irmãos, filhos de Romulo Maiorana, fundador do grupo Liberal, que é associado da ANJ, 14 dos quais propostos em juízo depois que um deles, Ronaldo Maiorana, diretor editor-corporativo do jornal "O Liberal", me agrediu fisicamente, em 21 de janeiro de 2005. A agressão, perpetrada pelas costas, com a cobertura de dois Policiais Militares, que funcionavam como seguranças particulares do agressor, teria sido uma reação do referido cidadão a um artigo publicado no "Jornal Pessoal", por ele considerado ofensivo.

Apesar dessa alegação, observa-se que os autores das ações (cinco delas cíveis e 14 penais, com base na extinta Lei de Imprensa) jamais contestaram as matérias do “Jornal Pessoal” em seus próprios veículos de comunicação, de audiência incomparavelmente maior, e nunca exerceram o direito de resposta. Preferiram propor de imediato as ações na justiça, confinando as questões controversas aos autos dos processos. Mesmo nesses processos, porém, nunca demonstraram a intenção de apurar os fatos, já que não comparecem às audiências designadas, embora sendo seus autores, o que é fato inédito. Em dois dos processos, recorrendo à exceção da verdade, demonstrei cabalmente que todos os fatos por eles contestados eram procedentes, apresentando as provas deferidas, acolhidas e reconhecidas pelo juiz do feito. Todos fatos de interesse público, relacionados à imprensa. Nada com a vida privada dos cidadãos.

A intenção, sobretudo após a agressão covarde, tanto mais grave porque o agressor é advogado e preside a comissão em defesa da liberdade de imprensa da OAB do Pará, é nítida: acabar com o "Jornal Pessoal". Os donos do grupo Liberal, associado da ANJ, usam plenamente seu direito de informação e opinião em relação a tudo e a todos, mas não aceitam serem incluídos na agenda dos cidadãos, como se constituíssem categoria especial. Nem se preocupam com o debate público, em esclarecer a sociedade, apresentando suas razões em contraposição aos relatos do meu jornal. Simplesmente querem punir o jornalista que ousou não se submeter às suas vontades e caprichos.

A perseguição judicial ao "Jornal Pessoal" completará, no próximo mês, 19 anos. Não sei de jornalista que já tenha sido tão processado por uma empresa jornalística, como eu tenho sido pelo grupo Liberal. Inusitadamente, essa corporação jornalística abre mão da sua competência específica, que é a informação, partindo diretamente para o litígio judicial, nada dizendo em seus próprios veículos sobre as supostas ofensas recebidas, através da imprensa, nem se defendendo no âmbito do veículo tido como ofensor.

Belém (PA), 26 de agosto de 2009

LÚCIO FLÁVIO F. PINTO

QUEIMANDO A FLORESTA EM NOME DA CIÊNCIA

IPAM põe fogo em floresta no final de agosto

Oswaldo de Carvalho Junior, do IPAM

Fogo é um importante agente de transformação da paisagem da Amazônia. Anualmente fogos rasteiros de baixa intensidade queimam milhares de quilômetros quadrados de floresta desta região. Para estudar os efeitos desse fogo nessas florestas, uma equipe de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e The Woods Hole Research Center (WHRC) vão queimar 50 hectares (ha) de floresta em uma área de transição entre o Cerrado e a Floresta Amazônica no final do mês de agosto. Este é o maior experimento com fogo experimental em áreas tropicais do mundo e acontecerá em uma Fazenda do grupo Maggi, no município de Querência, Mato Grosso.

A pesquisa foi iniciada em 2004, com o objetivo de identificar e quantificar variáveis que controlam o comportamento do fogo em florestas de transição da Amazônia. Além disso, o experimento tem como objetivo identificar qual a intensidade e a frequência de incêndios que poderiam causar a transformação das florestas da Amazônia em florestas secundárias empobrecidas, de maneira permanente.

O experimento está sendo conduzido em uma área de 150 ha, divididas em três parcelas onde 50 ha não sofrem queimadas – área controle -, 50 ha são queimadas anualmente e outros 50 ha são queimados a cada três anos. Nessas parcelas, são coletados diversos tipos de informações como: espécies de árvores, seu tamanho e abundância, estrutura da floresta (abertura de copa), número de plântulas, medidas do material combustível no chão (galhos e folhas) e também alguns grupos de animais.

Após o fogo, todas essas informações são coletadas novamente de forma a avaliar como este ambiente está reagindo ao fator de degradação. A temperatura e a umidade locais também são monitoradas antes e depois do fogo, para detectar mudanças no microclima da floresta, e a umidade de solo é medida para verificar como essas mudanças estão afetando a disponibilidade de água no solo.

Para realizar o experimento, várias medidas de segurança são tomadas, tanto para garantir a segurança dos pesquisadores e suas equipes como para que o fogo não escape para áreas adjacentes ao experimento.

Os resultados atuais mostram que as florestas de transição são extremamente vulneráveis a incêndios recorrentes. A mortalidade de árvores e cipós aumentou 80% e 120%, respectivamente, em relação ao controle. Além disso, os incêndios florestais acarretaram uma diminuição na quantidade de espécies de 50% em relação a florestas não afetadas pelo fogo. Mais ainda, essas áreas tornam-se mais suscetíveis à invasão de gramíneas não nativas, dificultando a regeneração natural da vegetação.

Saiba mais: Experimento Savanização

POR QUE A VIDA NO ORIENTE MÉDIO CONTINUA ENCALHADA NA IDADE MÉDIA?

Robert Fisk, The Independent, UK
Versão em portugês publicada na Revista NovaE

Por que o mundo árabe – falemos terrivelmente claramente – é tão atrasado? Por que tantos ditadores, tão ralos direitos humanos, tanta 'segurança' e tortura, tantos analfabetos?

Por que esse mundo destroçado, tão rico em petróleo, tem, em tempos de computador, tantos milhões de analfabetos, mal nutridos, além de tantos corruptos? Sim, eu sei da história do colonialismo ocidental, as conspirações sinistras do Ocidente, o argumento árabe de que não se depõem xeiques e reis e autocratas, além de imans e emires, quando "o inimigo está à porta". Há verdade nisso, mas não suficiente verdade.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP) aí está com mais um relatório, o quinto – feito por analistas e especialistas árabes, observem bem –, que denuncia o espantoso estado de atraso em que vive parte significativa do Oriente Médio. Fala da "fragilidade das estruturas políticas, sociais, econômicas e ambientais da Região (...), da vulnerabilidade à intervenção do exterior". Mas será que a desertificação explicaria o analfabetismo – maior entre as mulheres –, ou o Estado árabe o qual, o relatório admite, muitas vezes "é mais ameaça à segurança humana, do que instrumento para prover segurança"?

Rami Khouri, jornalista árabe, escreveu muito claramente, semana passada: "Como enfrentar as causas ocultas de nossa mediocridade e implantar mudanças reais ancoradas em cidadania sólida, economia produtiva e Estado estável continua a ser o enigma que continua a desafiar três gerações de árabes". O PIB real per capita na Região – um dos indicadores que mais chocaram Khouri – cresceu apenas 6,4% entre 1980 e 2004. Apenas 0,5% ao ano, taxa menor que a de 198 dos 217 países analisados no CIA World Factbook em 2008. Isso, para uma população árabe – 150 milhões em 1980 –, que chegará a 400 milhões em 2015.

Vejo, eu mesmo, quase tudo isso. A primeira vez em que estive no Oriente Médio, em 1976, já havia gente demais. As ruas malcheirosas, tão cheias que mal se pode andar nelas, do Cairo, já estavam sempre cheias, dia e noite, com quase um milhão de sem-tetos, muitos dos quais viviam nos grandes cemitérios otomanos. As casas árabes são imaculadamente limpas, mas as ruas são imundas, muitas vezes repugnantes, sujeira e lixo espalhados pelas calçadas. Mesmo no belo Líbano, onde há uma espécie de democracia e cujo povo está entre os mais cultos e bem educados de todo o Oriente Médio, o fenômeno é o mesmo. Nas vilas das montanhas do sul, as casas, sempre, rigorosa e perfeitamente limpas. Mas por que as ruas e os arredores das vilas são sempre tão sujos?

Suspeito que haja, sim, algum problema com a cabeça dos árabes: eles não se sentem donos dos próprios países. Constantemente expostos a efusões de entusiasmo em nome de uma "unidade" árabe ou nacional, acho que não sentem que pertencem à terra ou que a terra é sua, como os ocidentais sentimos. Quase sempre, ou muitas vezes, impedidos de eleger quem os represente realmente – até no Líbano, exceto no contexto das tribos ou do sectarismo – as pessoas sentem-se "descartadas", sentem-se excluídas, excetuadas. A rua, o país, como entidade territorial física pertence a outro, a alguém, não ao povo, aos habitantes. E, claro, no instante em que um movimento brota e – caso ainda mais grave – torna-se popular, introduzem-se novas leis de exceção que imediatamente tornam ilegal o movimento, ou o declaram "terrorista". Assim, a responsabilidade por cuidar dos jardins, dos arredores das cidades e das ruas é sempre transferida, sempre é de algum outro.

Os funcionários do Estado – que trabalham diretamente para o Estado e suas autarquias corruptas – também sentem que sua existência depende da mesma corrupção sobre a qual viceja o próprio Estado. A população torna-se parte da corrupção de todos. Nunca esqueço de um árabe dono de terras, há anos, reclamando das campanhas anti-corrupção de seu governo. "Antigamente, era pagar a propina ao funcionário certo, e consertavam o telefone, as bombas d'água voltavam a funcionar, voltávamos a ter energia elétrica" – dizia ele. "Hoje em dia, Mr. Robert, não posso subornar qualquer um, nem consigo subornar todos nem sei a quem subornar. Então... nada funciona!"

Desde o primeiro relatório do UNDP, de 2002, a coisa era já deprimente. Identificavam-se três principais obstáculos ao desenvolvimento humano no mundo árabe: o crescente "déficit" de liberdade, de direitos para as mulheres e de conhecimento. George W Bush – aquele, o da liberdade eterna, democracia eterna etc. etc. além de guerra eterna e eterno massacre no Iraque –, por exemplo, foi sensível a essas dificuldades. Até Hosni Mubarak do Egito (aquele, o do sucesso eleitoral superior a 90%), compreensivelmente irritado por estar ouvindo sermão do homem que rebatizou o "terror", disse a Tony Blair em 2004 que a modernização teria de considerar "as tradições e a cultura da Região".

Alguma solução para a guerra árabe-israelense resolverá todos esses problemas? Talvez, sim, alguns deles. Sem o constante desafio da crise, seria cada vez mais difícil renovar as leis de exceção, não aprovar constituições, negar qualquer legalidade ou constitucionalidade, distrair as populações porque, se não forem distraídas, há risco de que se ponham a exigir mudanças políticas radicais. Às vezes, temo que os problemas tenham-se aprofundado demais, que, como onde há esgoto que vaza há muito tempo, toda a terra em que pisam os povos árabes esteja infiltrada de problemas, porosa, frágil, e que sobre ela já nada se possa construir.

Foi para mim enorme alegria, há alguns meses, em palestra na Universidade do Cairo – aquela, a mesma na qual Barack Obama praticou diplomacia soft com o mundo muçulmano –, descobrir tantos alunos brilhantes, muitas moças nas classes e o quanto são mais bem-educados e mais bem formados, hoje, em comparação ao que vi em visitas anteriores. Mesmo assim, muitos, muitos, só pensam em mudar-se para o Ocidente. O Corão é documento preciosíssimo – mas um Green Card também é. E quem os poderia culpar, se Cairo está cheia de engenheiros pós-graduados que ganham a vida dirigindo táxis?

Quanto ao equilíbrio, sim, uma paz séria entre palestinos e israelenses, sim, ajudaria muito a reequilibrar os espantosos desequilíbrios que atacam como praga a sociedade árabe. Quem já não tenha energia para protestar contra a escandalosa injustiça que é aquela guerra, talvez reencontre forças para lutar contra outras escandalosas injustiças. Uma delas, por exemplo, a violência doméstica, a qual – apesar de os povos árabes serem, sim, muito ligados à família – é mais disseminada na sociedade árabe do que os ocidentais talvez saibam (ou os árabes admitam).

De qualquer modo, estou convencido, sim, de que, militarmente, temos de sair de lá. Temos de desocupar o Oriente Médio. Temos de sair de lá.

Façam o que for preciso. Temos de sair de lá. Mandem para lá professores, economistas, agrônomos. Mas não soldados. Os soldados têm de voltar para casa. Não defendem nada e ninguém, no Oriente Médio. Não nos defendem. Espalham, lá, caos idêntico e alimentam a mesma injustiça que fazem engordar as Al-Qaedas do mundo. Não, os árabes – ou, fora do mundo árabe, os iranianos ou os afegãos – não gerarão democracias eco-amantes, gênero-igualitárias, as risonhas e festejantes democracias que todos gostaríamos de ver (ou de ser). Mas, livres da "nossa" tutela, os árabes desenvolverão suas sociedades, em benefício das pessoas que as constituem. Talvez, assim, os árabes convençam-se de que são donos da terra onde vivem.

GÁS DO RISO: O MAIOR INIMIGO DA CAMADA DE OZÔNIO

Não regulada pelo Protocolo de Montreal, a emissão de óxido nitroso por atividades humanas supera a de CFCs como a mais danosa à camada de ozônio

Novo e maior inimigo do ozônio

28/8/2009

Agência FAPESP – O óxido nitroso (N2O) é conhecido como gás do riso (ou hilariante), devido à capacidade de provocar contrações musculares involuntárias na face. Mas uma nova notícia sobre esse gás está longe de provocar bom humor.

Segundo uma pesquisa feita por cientistas da Administração Nacional do Oceano e Atmosfera (NOAA), nos Estados Unidos, o óxido nitroso se tornou, entre todas as substâncias emitidas por atividades humanas, a que mais danos provoca na camada de ozônio.

O estudo, publicado na edição esta sexta-feira (28/8) da revista Science, afirma que essa liderança nefasta se manterá por todo o século.

O óxido nitroso superou os clorofluorcarbonetos (CFCs), cuja emissão na atmosfera tem diminuído seguidamente por causa de acordos internacionais conduzidos com essa finalidade. Hoje, de acordo com a pesquisa, as emissões de N2O já são duas vezes maiores do que as de CFCs.

O óxido nitroso é emitido por fontes naturais (bactérias no solo e oceanos, por exemplo) e como um subproduto dos métodos de fertilização na agricultura, da combustão, do tratamento de esgoto e de diversos processos industriais. Atualmente, um terço da emissão do gás deriva de atividades humanas.

Ao calcular o efeito dessa emissão na camada de ozônio atualmente e estimar o mesmo para o futuro próximo, os autores da pesquisa observaram que os danos à camada de ozônio são grandes e continuarão elevados por muitas décadas se nada for feito para reduzir as emissões.

“A grande redução nos CFCs nos últimos 20 anos é uma história ambiental de sucesso. Entretanto, o óxido nitroso produzido pelo homem é agora o elefante na sala entre as substâncias que destroem o ozônio atmosférico”, disse Akkihebbal Ravishankara, diretor da Divisão de Ciências Químicas do Laboratório de Pesquisas do Sistema Terrestre da NOAA, principal autor do estudo.

A camada de ozônio protege plantas, animais e pessoas do excesso de radiação ultravioleta emitida pelo Sol. A diminuição da camada faz com que mais radiação do tipo atinja a superfície terrestre, prejudicando a vida no planeta.

Apesar de o papel do óxido nitroso na destruição do ozônio ser conhecido há décadas, o novo estudo é o primeiro a calcular sua importância por meio do uso de métodos semelhantes aos usados na análise de CFCs e de outras emissões antrópicas.

Diferentemente dos CFCs e de outros desses gases, a emissão de óxido nitroso não é regulada pelo Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio, adotado em 1987 por 46 países.

Segundo os pesquisadores, como o óxido nitroso também é um gás de efeito estufa, a redução de suas emissões por atividades humanas seria uma boa medida tanto para a camada de ozônio como para o clima.

O artigo Nitrous oxide (N2O): The dominant ozone depleting substance emitted in the 21st century, de A.R. Ravishankara e outros, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org.

(Figura: Nasa)

AÇAI E DOENÇA DE CHAGAS NA AMAZÔNIA

“Colocamos barbeiros limpos, da nossa colônia, propositadamente num cesto de açaí e acompanhamos todo o trajeto do cesto”, contou. Isso foi feito pelo menos 15 vezes, e numa única vez um dos “batedores” de açaí artesanal identificou o inseto" - depoimento de um pesquisador do Instituto Evandro Chagas, de Belém-PA

[Cestos de açai: esconderijo fácil para o barbeiro. Foto: Paraonline]

Problema hoje claro de saúde pública, a doença de Chagas prevalece em toda a América Latina, mas é na Amazônia que se espalha com velocidade, informou a bióloga Ângela Junqueira, do Laboratório de Doenças Parasitárias (IOC/Fiocruz), na mesa “Aspectos clínicos e epidemiológicos da doença de Chagas” (11/3). Lá estão identificadas 16 espécies de triatomíneo, o inseto conhecido como barbeiro, e de diferentes hospedeiros do T. cruzi.

“Por que não se falava em doença de Chagas na região, mesmo tendo reservatório e vetores infectados?”, questionou. Casos autóctones foram identificados há menos de 20 anos, mas em 1922 já se sabia que em Barcelos (AM) havia vítimas entre extratores de fibra de palmeira, picadas por exemplares da espécie Rhodnius brethesi. Para ela, prova de que investigações deveriam ter sido feitas há décadas.

A infecção chagásica humana na Amazônia brasileira é descrita desde 1960 por pesquisadores do Ipec/Fiocruz. Em 1977, identificaram 100 casos positivos. Na década de 70, inquérito nacional da antiga Sucam mostrou baixíssima prevalência da doença em Roraima, Amapá e Pará, porém significativa em Mato Grosso, Amazonas e Acre. Inquérito em 1976 revelou somente em Barcelos taxa de prevalência de 6,3%. “E eram casos autóctones”. Nos anos 1985, detectou-se possível infecção mista entre T. cruzi e T. rangeli, outro parasita das Américas.

Ângela apontou quatro cenários da doença: grande número de casos agudos por transmissão oral, especialmente pelo açaí; domicilialização (adaptação do vetor ao ambiente doméstico); soroprevalência alta em áreas não-endêmicas; e casos de cardiopatia chagásica clássica. Investigações são urgentes sobre vetores e parasitas-hospedeiros, defendeu. “Precisamos determinar a população de T. cruzi e seu tropismo, verificar os receptores específicos do indivíduo infectado nas diferentes etnias e na população imigrante, oferecer testes rápidos para a fase aguda e encontrar resposta às drogas existentes no mercado”.

O biólogo Sebastião Aldo da Silva Valente, chefe da Seção de Parasitologia do Instituto Evandro Chagas (IEC/SVS/MS), falou do impacto da transmissão oral na Amazônia brasileira e de ciclos e sítios de triatomíneos onde homens e animais convivem. “O ribeirinho depende do extrativismo e cada vez mais avança no ambiente do barbeiro”, advertiu. Já foram detectados casos de transmissão pelo sangue, “mas a oral é a mais importante”. De 1968 a 2006 foram identificados 97 surtos com mais de 600 infectados, principalmente no Pará e no Amapá: de 621 casos autóctones, 422 foram do Pará, 131 do Amapá, 49 do Amazonas, 11 do Maranhão e 8 do Acre. “A maioria por via oral”.

VOO e contaminação

Sebastião calcula: desde 1968, houve mais de 100 surtos e mais de 750 casos agudos. O primeiro surto foi em Belém em 1969. Naquela época, a forma de transmissão causou dúvida, mas já se desconfiava da oral, “não se sabia como”. Seguiram-se os casos de Mazagão (Amapá, 1996), Abaetuba (1999), Ananindeua (2003), Bragança (2004), Barcarena (2006) e, mais uma vez, Belém (2006), todos do Pará. De 2005 a 2007, diagnosticou-se na Amazônia média de 100 casos por ano e 5% de óbitos, principalmente no Pará e no Amapá. “A região se assemelha hoje às antigas áreas endêmicas, sobretudo no verão”. As queimadas são agravante — “facilitam a dispersão e o voo dos insetos”.

[Ângela e Sebastião: desafios complexos. Foto: Katia Machado]

Em investigação com Datasus e IEC, Sebastião confirmou no açaí a causa de parte dos surtos. “Esses estudos foram feitos em condições epidemiológicas bem favoráveis e por isso foi possível identificar o alimento transmissor”, informou: normalmente há demora na investigação etiológica, o que prejudica a conclusão do raciocínio epidemiológico sobre a forma de transmissão. Em Mazagão, estudo de corte não deixou dúvida. “Mas estudos em comunidades fechadas como essa são mais fáceis, ou menos difíceis”. Comprovar a causa da transmissão oral é mais complicado em grandes metrópoles como Belém.

Ao investigar por anos seguidos o segmento do açaí no Pará — maior região produtora —, conferindo seu armazenamento e transporte, o pesquisador observou que a contaminação se dava no trajeto. “Os barcos esperam a maré melhorar para atravessar para os centros urbanos, e os barbeiros voam das matas de palmeira de buriti e caem nos cestos”, contou. Ali, mesmo os barbeiros mortos mantêm o parasita por muito tempo.

Esse açaí vai parar em pontos de revenda com precariedade de higiene. “Isso explica por que no centro de Belém, num dos bairros mais chiques, uma família inteira de um prédio nobre se infecte sem a mínima possibilidade de outro tipo de transmissão sem ser a oral”. Perto do prédio havia ponto de venda artesanal de açaí processado.

Sebastião fez estudo de simulação: “Colocamos barbeiros limpos, da nossa colônia, propositadamente num cesto de açaí e acompanhamos todo o trajeto do cesto”, contou. Isso foi feito pelo menos 15 vezes, e numa única vez um dos “batedores” de açaí artesanal identificou o inseto. “Pode ser que essa não seja a única forma de transmissão, mas é certamente a mais importante no Pará”.

Foi temerário afirmar que está contaminado o alimento mais consumido no estado e um dos mais importantes produtos industriais do Pará. O estado exporta 700 mil toneladas de poupa por ano, que rende U$ 500 milhões anuais e 150 mil empregos. “Aí aparece um leso e diz que isso pode transmitir a doença de Chagas”, descreveu ele a situação. Teve o carro quebrado, recebeu telefonemas anônimos com ameaça de morte e foi “escorraçado” de reuniões de produtores. “Sofri na pele por insistir que era preciso investir na vigilância sanitária”.

Houve avanço no diagnóstico, na notificação e no tratamento, “mas há que melhorar muito a vigilância”. Principalmente do pequeno produtor, já que os grandes produzem em escala industrial e pasteurizam a poupa: o T. cruzi não resiste à pasteurização. “O pequeno não tem essa estrutura e, culturalmente, o povo paraense não tem hábito de comer o açaí industrializado, e sim na forma natural”.

É preciso quebrar o preconceito de que o açaí não pode ser veículo de transmissão do barbeiro, disse, e deixar que a vigilância sanitária aja sem interferência ou chantagem política. “Uma grande rede de supermercado de Belém teve 150 toneladas de poupa condenadas; bastou um telefonema do gerente ao prefeito para devolverem toda a mercadoria”.

*Nota integrante da série especial 'CENTENÁRIO DA DESCOBERTA DA DOENÇA DE CHAGAS', publicada na revista Radis nº 81 – Maio de 2009